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“Urge investir na rede de transporte de energia”

Por admin

Moçambique está a registar taxas de crescimento de mercado de energia estimadas em 14 por cento ao ano acima da média regional (SADC) em cerca de três por cento. O perfil do consumidor pende mais para o lado industrial do que para o doméstico. A taxa de acesso à energia eléctrica situa-se nos 26 por cento e nos últimos cinco anos foram realizadas, em média, 130 mil novas ligações por ano e a ponta eléctrica em 2013 foi de 761 Megawatts. Tudo isto coloca múltiplos desafios à EDM.

Seguem-se alguns excertos da entrevista concedida por Augusto de Sousa Fernando, presidente do Conselho de Administração (PCA) EDM – Empresa Pública (EP).

Como caracteriza o fornecimento de energia no país?Até 1977, o país tinha um excesso de capacidade de geração de transporte de energia e quase toda a infra-estrutura estava circunscrita, apenas, às capitais provinciais. O Governo e a EDM eram os únicos promotores de iniciativas de electrificação e os financiamentos eram exclusivamente concessionais e públicos.

Que quadro legal regulava o sector?

Tínhamos um cenário em que o quadro regulatório estava limitado à Lei de Electricidade, à regulação de concessões e à Lei de Investimentos para Grandes Projectos. Mas, deixe-me dizer que, naquele período, as taxas de crescimento de mercado situavam-se na ordem de 20 Megawatts (MW) por ano, ou seja, o mercado interno de energia crescia em cinco por cento ao ano, a maior parte dos clientes eram domésticos, o custo da energia era baixo e o défice tarifário era mínimo.

 Que mudanças se operaram de 1977 a esta parte?

-Ocorreram muitas mudanças. Na verdade, o quadro se inverteu por completo, porque se reparar, no presente, e só no que se refere às infra-estruturas, observa-se que há um défice de capacidade de geração eléctrica, a rede de transporte está a operar no limite da sua capacidade e a rede de distribuição está a funcionar em regime de sobrecarga.

De que é que resulta este quadro?

São vários os factores que concorrem para esta mudança de paradigma. Por exemplo, a EDM passou a ter um fraco balanço patrimonial, os fundos concessionais para investimentos se tornaram escassos e os requisitos de financiamento se tornaram elevados.

Como vê o mercado de energia na actualidade?

Estamos com taxas de crescimento bem mais altas do que em 1977. Hoje temos um crescimento anual estimado em 14 por cento, o perfil do consumidor mudou, porque o consumo industrial aumentou e o défice tarifário tende a aumentar e a se manter a esse ritmo de forma prolongada.

É um quadro negro?

É negro sim mas, nem tudo está mau pois, o quadro regulatório actual melhorou muito. Se reparar, hoje regemo-nos pela Lei de Electricidade, Lei de Investimentos para Grandes Projectos e muito recentemente foi aprovada a Lei das Parcerias Público- Privadas.

Maior taxa de acesso à energia da SADC

Também houve uma grande expansão da rede eléctrica…

No ano que tomamos como sendo de partida, 1977, apenas três capitais provinciais e 15 distritos estavam ligados à Rede Nacional de Energia. Até ao final do ano passado (2013), todas as capitais provinciais e 120 sedes distritais estavam conectadas à Rede Nacional e, até ao ano de 2020 o país tem o desafio de construir novas centrais de geração e linhas de transporte para poder responder à crescente demanda.

Como se traduz este crescimento em termos de número de clientes e de novas ligações?

Ia mesmo para esse ponto. O que se passa é que a partir do ano 2000 começamos a realizar um esforço bastante grande de levar a corrente eléctrica a todo o país. Em 2002, a EDM tinha cerca de 220 mil clientes e hoje, passados cerca de 10 anos, está com cerca de mais de um milhão e duzentos e sessenta mil clientes em todo o país. A taxa de ligação de novos clientes, segundo estes mesmos dados, tem sido de mais de 130 mil clientes por ano.

Um esforço e tanto…

Evidentemente! E posso afirmar com segurança que Moçambique continua sendo o país com a maior taxa de novas ligações ao nível da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e, consequentemente com a maior pressão sobre a rede eléctrica. Se me permite ilustrar só mais um pouco, nos últimos cinco anos, ou seja, de 2007 a 2013, a taxa de acesso à energia passou de 12 para 26 por cento, o que equivale a dizer que duplicou. De mãos dadas com o crescimento da taxa de acesso à energia está o aumento da ponta eléctrica nacional que passou de 364 MW, em 2007, para 761 MW em finais do ano passado. Aliás, estamos acima da média da SADC em cerca de três por cento.

Ia perguntar-lhe o que seria necessário fazer para assegurar este crescimento da procura interna de energia?

Penso que seria importante que se diversificassem as fontes de energia do país, tendo em conta que a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) contribui com cerca de 90 por cento do balanço energético nacional.

Tem ideia de quanto isso poderia custar? Tem alguma estimativa?

Temos andado a fazer contas e chegamos à conclusão de que a este ritmo de crescimento seria necessário investir cerca de 150 milhões de dólares por ano, em fontes de produção de energia.

Qualidade da rede eléctrica

Já agora, com que fontes contamos actualmente?

Praticamente, o país depende da HCB e da África do Sul.

Praticamente?!

Sim porque as províncias da Zambézia, Nampula, Cabo Delgado e Niassa dependem em 100 por cento da HCB e são alimentadas pela linha Centro-Norte que parte do Songo desce até Chimuara, no sul da Zambézia e se ergue até Niassa e Cabo Delgado passando por Nampula. A região Centro é alimentada pela HCB e pelas Centrais de Chicamba e Mavuzi que estão em reabilitação e, por fim, a região sul depende em 100 por cento da HCB e da MOTRACO.

A propósito disso, a qualidade da corrente eléctrica da região norte não tem sido boa. A que se devem aquelas oscilações e frequentes restrições?

Devem-se ao facto da linha Centro-Norte ser uma das mais longas do mundo. Como deve imaginar, quanto mais longa é a linha, maiores são as perdas e a exposição às instabilidades técnicas, atmosféricas e as que resultam da intervenção humana.

Disse que a linha Centro-Norte é das mais longas do mundo?

Para ser mais exacto, aquela linha parte do Songo e percorre cerca de 1200 quilómetros (Km) até Nampula. A mesma linha chega a Lichinga que dista 1100 Km de Songo e vai até Auasse, no norte de Cabo Delgado, que fica a mais de 1500 Km do Songo. Isso é muito e afecta claramente para a qualidade da energia. A linha mais curta deste conjunto é a que parte de Maputo até Lindela, em Inhambane, que percorre cerca de 410 Km.

Que solução desenha para o norte do país?

A melhoria do fornecimento de energia para a região norte depende da construção de uma segunda linha entre Caia, em Sofala, e Nacala, na província de Nampula, e também da construção de centrais em Nacala e Lúrio, em Nampula, ou na região de Palma, mais a norte de Cabo Delgado. Nos cálculos que fizemos, a linha Caia- Nacala custaria cerca de 620 milhões de dólares.

Para a região centro, a saída está na conclusão das obras de reabilitação das Centrais de Chicamba e Mavuzi?

Efectivamente. Podemos até garantir que grande parte dos problemas com que se deparam os clientes das províncias de Manica e Sofala, sobretudo os residentes das cidades de Chimoio e da Beira, serão resolvidos quando aquelas obras chegarem ao fim no próximo ano.

Mas as províncias de Maputo, Gaza e Inhambane também têm os seus constrangimentos…

Pois. E nós não estamos alheios a esse facto. Conforme dizia, estas três províncias recebem energia da HCB via África do Sul, que alimenta a subestação da MOTRACO. Só que as duas linhas que trazem a energia para Maputo e daqui para Gaza e Inhambane operam no limite da sua capacidade e devem estar sempre disponíveis. Em caso de indisponibilidade de uma das linhas, a região fica sujeita a restrições.

À procura de dois biliões de dólares

Disse que estas linhas operam no limite da sua capacidade. Pode ser mais específico?

Trocando em miúdos, a capacidade das linhas de transporte da África do Sul para a região sul está contratualmente limitada a 300 MW. Porém, o consumo desta região anda a volta de 460 MW.

Há aqui, portanto, um défice…

O pior é que a interligação entre África do Sul e Moçambique não tem capacidade de suportar consumos adicionais. Aliás, este é um quadro que caracteriza o país inteiro. Daqui a mais dois ou três anos, se não investísssemos, o país não teria capacidade para acomodar novos consumidores.

Mas, como se supera esse défice de 150 MW?

Para fazer face a este défice a EDM cobre 50 MW com energia produzida por ela própria e os remanescentes 100 MW são importados da África do Sul, a custos que chegam a ser 10 vezes mais caros. A solução passa pela construção de centrais eléctricas a gás natural. Penso que seria mais apropriado. O défice de 150 MW corresponde ao consumo das províncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa.

Perante todo este quadro, como perspectiva a capacidade de resposta ao crescimento do consumo de energia eléctrica no país?

-Penso que a estabilização do fornecimento da corrente eléctrica está dependente de um elemento-chave que é o financiamento. Precisamos investir profundamente na rede primária de transporte, que equivale a dizer que temos que construir linhas de Alta Tensão, precisamos reforçar as subestações, reabilitar as centrais existentes e construir novas.

Tem ideia dos valores que podem ser aplicados nessa empreitada?

-Sim. AEDM jáfez um levantamento das necessidades e, conforme dizia, para a linha Caia-Nacala seriam necessários cerca de 620 milhões de dólares. Para resolvermos os problemas da região norte, seriam necessários perto de 800 milhões de dólares e para o sul os nossos cálculos apontam para 620 milhões de dólares.

Está a falar de cerca de dois biliões de dólares. A EDM tem tamanha pujança financeira?

Infelizmente, não temos essa musculatura. Mas estamos à procura de dinheiro, juntamente com o Governo.

Será que as receitas cobradas não ajudam?

Não cobrem, porque nos últimos anos assistiu-se a um aumento galopante dos custos dos materiais de construção e de outras matérias-primas, com grande impacto no custo final e consequentemente na tarifa de compra de energia.

Mas os relatórios recentes da empresa apontam para um aumento de receitas na ordem de 12 por cento…

É facto! Tivemos esse aumento de 12 por cento, mas esta cifra está muito aquém do crescimento dos custos das matérias-primas e dos ajustamentos dos preços de energia, o que coloca a empresa sobre enorme pressão financeira.

Está dizer que a empresa não tem dinheiro?

O que pretendo dizer é que com base na actual tarifa de venda de energia praticada pela EDM não será possível viabilizar os novos contratos de venda de energia, e que os promotores poderão optar pela exportação de energia em detrimento do consumo interno. Os custos de fornecimento da EDM estão acima do preço médio de venda o que complica das finanças da empresa.

Quem seriam esses promotores?

Referimo-nos às empresas que produzem energia, como são os casos da AGGREKO, Central Térmica de Ressano Garcia (CTRG), Kuvaninga, Gigawatt, entre outras.

Dizia que seria difícil viabilizar novos contratos de venda de energia. Quer ir mais a fundo?

O que se passa é o seguinte: o custo médio de energia destas novas fontes de produção é de 3000 Meticais Megawatt/hora (MW/h). Entretanto, o preço médio de venda da EDM é de 2400 MT/MWh. É preciso notar que actualmente o custo da energia da HCB está na ordem de 1.080 MT/MWh e tarifas similares às da HCB jamais serão possíveis. Para exemplificar a problemática dos custos poderíamos comparar com a construção da segunda ponte no rio Zambeze em Tete, cujo custo, está muito acima da ponte Samora Machel. Penso que estes números falam por si. 

 

 

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