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Oficiais da marinha sentem-se desvalorizados

Por admin

Os oficiais da marinha, os primeiros a serem formados pela Escola Náutica, andam agastados com a falta de reconhecimento e desprezo a que estão sujeitos nos seus postos de trabalho e sempre que são chamados para uma entrevista de emprego.

 Muitos deles se viram obrigados a trabalhar em diferentes países africanos como é o caso da África do Sul, Quénia, Tanzânia e Somália para conseguir sustentar as suas famílias, logo depois que a Empresa Moçambicana de Navegação (NAVIQUE) foi privatizada.

Moçambique tem uma costa e cerca de 1800 milhas, no entanto a marinha mercante é quase inexistente, sobretudo no que concerne à cabotagem que é a navegação entre portos marítimos dentro do país, sem perder de vista a costa.

O sector havia conhecido alguma vitalidade logo depois da independência. Foi nessa altura que foram formados e graduados os primeiros-oficiais da marinha mercante que trabalharam um pouco por todo o país.

Segundo apurámos, volvidos quarenta anos após a independência, o sector estagnou tendo voltado à estaca zero. Os oficiais formados naquela época estão dispersos e são poucos os que têm emprego dentro do país.

Aliás, a situação em que se encontram os primeiros-oficiais da marinha que Moçambique formou não é nada “católica”. É que a maioria perdeu os seus empregos aquando da privatização da Empresa Moçambicana de Navegação (NAVIQUE), tendo sido obrigados a recorrer a outros países africanos, nomeadamente, África do Sul, Quénia, Tanzânia e Somália para poderem continuar na profissão. Outros, com mais sorte, foram integrados em algumas instituições no país, mas afirmam que se sentem perseguidos e desprezados nos seus postos de trabalho actuais.

Segundo disseram as nossas fontes, que preferiram falar no anonimato, todos os oficiais da marinha estão a ser perseguidos. “Num país sério, sobretudo com uma costa vasta como a nossa deviam mimar esta classe por ser de elite”.

No Aparelho do Estado a situação piora. Um dos nossos interlocutores deixou-nos saber que já ocupou diversas categorias importantes, mas há três anos não tem sequer onde se sentar. “Só me procuram quando estão aflitos. Não sou o único nessa situação. A perseguição vem do nível mais alto”.

O nosso jornal procurou conversar com mais oficiais formados pela Escola Náutica, nos anos 70, muitos deles com experiência profissional para dar e vender, mas que estão a ser subaproveitados dentro do país por diversos motivos.

A título de exemplo, um dos nossos entrevistados é bacharel em engenharia de máquinas marítimas, com a categoria profissional de chefe de máquinas de grau A, que é a categoria máxima na carreira de engenharia de máquinas marítimas e no país existem apenas três oficiais superiores na mesma categoria.

Trabalho fora do país há anos. A minha deslocação ao exterior foi devido à privatização da Navique, onde trabalhei durante 16 anos. Existem muitos oficiais que estão a ser subaproveitados ou porque estão a trabalhar em áreas que não são da sua formação ou porque preferem ir para fora do país por falta de condições”, disse a nossa fonte.

Acrescentou que mesmo estando colocado no exterior, ainda procura trabalho dentro do país, onde já foi entrevistado diversas vezes, mas sem resposta satisfatória. “Sempre que vou a uma entrevista de emprego em Moçambique, faço uma proposta de salário inicial e consigo ver o desconforto das pessoas que me entrevistam por pensar que é muito, mas eles não olham para os perigos existentes no mar”.

Durante a conversa, a nossa fonte garantiu que os oficiais marítimos estão frustrados porque a maioria não tem colocação dentro do país, quando sempre que são requisitados fora tem salários melhores, com aumentos sempre que renovam.

Enquanto isso, no país, exceptuando a Função Pública, que tem uma tabela fixa, o sector privado simplesmente não aceita dar o salário requerido, talvez por ignorância, pois, muitas vezes não sabem que é uma actividade de risco, não olham para o facto de se ficar semanas longe da família. “Quando surge um ciclone, mesmo quem está dentro de casa fica com medo e imagina quem está no mar. Além disso tudo, o navio é como uma indústria, onde inalamos gases e outros produtos nocivos à saúde”.

REACTIVAÇÃO DO SECTOR

Os nossos entrevistados foram unânimes em afirmar que para a reactivação da marinha mercante, principalmente o sector da cabotagem, será preciso um trabalho conjunto, envolvendo diversos ministérios, incluindo o recém-criado Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas.

São vários ministérios que terão que contribuir para que isso aconteça. Em tempos, carregávamos para além de sabão, castanha de caju, sisal, carvão, amendoim, milho. É aí onde entra o Ministério da Agricultura. Segue o Ministério das Obras Públicas e Habitação que deverá colocar as estradas em condições e o Ministério dos Transportes e Comunicações”.

Ao Ministério dos Transportes e Comunicações vai caber a gestão das empresas privadas, nomeadamente, a Corredor de Desenvolvimento do Norte, Vale, Caminhos de Ferro de Moçambique para terem mais linhas férreas em condições para facilitar o escoamento dos produtos.

Enquanto isso, o Ministério da Economia e Finanças deverá verificar as taxas portuárias. “As empresas concessionárias que estão a operar nos portos têm taxas que não ajudam, como é o caso das taxas de desembaraço. Em conjunto, o Governo deve sentar e discutir para tratar da revitalização da cabotagem nacional. Não é uma tarefa fácil como parece”, sublinhou outra fonte.

Apesar das dificuldades existentes, os nossos entrevistados acreditam que a criação do Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas seja um caminho meio andando rumo à reactivação da marinha, pois até o ano passado este sector não tinha alguém que assumisse as responsabilidades, mas agora as coisas poderão ganhar uma outra dinâmica.

Uma das coisas que se pode fazer é a adopção de medidas que promovam uma crescente melhoria da performance do sector e que vise, dotar o país de uma cadeia intermodal contínua não só para responder às necessidades do transporte como para assegurar uma participação crescente do transporte marítimo nacional e entre os países da região.

De acordo com os nossos entrevistados, deve-se abrir espaço para que as grandes detentoras de navios operem em Moçambique. Se foram concedidas algumas facilidades e seguir-se exemplo de alguns países africanos, pode-se reactivar o sector. “Os navios não devem demorar nos portos, porque pagam taxas diariamente e enquanto permanecerem atracados, não produzem. As taxas aduaneiras e portuárias deviam ser reduzidas

Por outro lado, é preciso garantir que existe uma pilotagem de qualidade e os portos funcionem eficaz e eficientemente.  

VALORIZAR MÃO-DE-OBRA LOCAL

O sentimento geral dos oficiais da marinha ouvidos pelo domingo é de que estão abandonados e desprezados. Cada um experimentou um episódio triste por amor à profissão. Uns já se ofereceram para receber menos que o habitual para ver se conseguiam emprego dentro do país para ficarem perto da família, outros aceitaram trabalhar em locais onde nem sequer tem lugar para se sentar. Existem outros que, mesmo com as valiosas competências que possuem n área continuam à procura de emprego. Mas de uma coisa eles têm certeza, a maior parte das empresas que operam no país fazem de tudo para pagar salários abaixo das tabelas praticadas noutros países africanos, excepção feita à contratação de estrangeiros.  

Só para ter uma ideia: tivemos uma empresa da praça que admitiu oficiais. Eu fazia parte e muitos outros regressaram do Quénia para trabalhar perto da família. Mas quando chegou a hora de pagamentos, foi um filme. O mais engraçado é que ao estrangeiro pagam muito acima do que os moçambicanos pedem”, lamentou.  

A nossa equipa de Reportagem apurou que os oficiais estão disponíveis para ajudar na reactivação do sector, apesar de nunca terem sido convidados para dar a sua opinião. Segundo contam, muitas vezes quando vão discutir assuntos ligados à marinha mercante levam pessoas que não entendem nada do assunto.

Para exemplificar, os nossos interlocutores garantiram-nos que quem está a dirigir a marinha, a assessorar o ministro da área não é nenhum marinheiro. “Enquanto for essa a doutrina adoptada, não haverá nenhuma revitalização da marinha e de cabotagem. É preciso colocar pessoas que conhecem a área para fazer os trabalhos. O mesmo é válido para a Escola Náutica que precisa de docentes qualificados”.

Para tentar reverter o cenário, os oficiais da marinha já se reuniram entre eles para discutir diversos assuntos ligados ao sector, incluindo a revitalização da cabotagem.

Texto de Angelina Mahumane
vandamahumane@gmail.com

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