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O ano do dólar amargo

Por admin

O ano que agora finda ficará para sempre registado como acre no domínio financeiro. De uma horrível amargura. O metical, a nossa moeda, perdeu o peso de forma intensa e progressiva a ponto de deixar o país inteiro desesperado.

 As medidas tomadas recentemente pelo Banco de Moçambique deram algum alívio, mas carecem de acompanhamento por parte do sector produtivo a quem se pede para investir mais na produção interna e reduzir as importações.  

A depreciação do metical face às principais moedas de curso internacional, como são os casos do dólar, euro, e até mesmo do rand é um fenómeno económico que resulta de vários factores internos e externos que, na sua maioria, são perceptíveis a quilómetros de distância.

No plano interno, a razão mais visível é a inexistência de qualquer empenho para a produção de seja o que for. Moçambique não produz em quantidade e qualidade suficiente para saciar os cerca de 24 milhões de estômagos que perfazem a sua população.

Porque mais de metade dos bens consumidos no país são importados, incluindo frangos, ovos, leite, trigo, farinha, arroz, palitos de dentes, papel higiénico, temperos, carne, peixe, para não mencionar meios de produção como combustíveis, energia eléctrica (para a região sul do país), equipamentos e máquinas, a corrida às divisas é quotidiana.

Em todo o país, os mercados mostram-se abarrotados de produtos, entretanto, quase tudo o que está exposto é importado. Até brinquedos. Também se observa que, os poucos produtos agrícolas de origem nacional são vendidos pelo camponês que os semeou e colheu.

É o mesmo produtor que deve inventar meios para transportar os produtos, coloca-los no mercado, regatear preços e competir com intermediários e com produtos importados colocados à disposição da clientela em melhores embalagens, produzidos em melhores condições técnicas e financeiras, entre outros

Neste final do ano, o balanço feito pelo Chefe do Estado, Filipe Nyusi, pelo governador do Banco de Moçambique, Ernesto Gove, e pela equipa económica do governo, em diferentes ocasiões e locais, demonstra que urge reverter o quadro da dependência externa.

O pior é que a reacção à depreciação do metical, por parte do sector privado parece pender mais para o apelo à tomada de medidas “administrativas” por parte do Banco de Moçambique, quando estas, sozinhas, só minimizam a dor por algum tempo, mas o problema continua ali, em pé, pronto a desferir mais um golpe.

Os desequilíbrios em alguns indicadores macroeconómicos levaram o Banco de Moçambique a tomar medidas restritivas que sinalizam uma política monetária que visa conter a procura por moeda, incluindo a procura por divisas.

Ernesto Gove e sua equipa afirma que o país viveu de 2011 até há pouco um ciclo de política monetária orientado para maior expansão do crédito com taxas de juro mais atractivas, mas agora se vê obrigado a proceder a revisões em alta nas taxas de juro directoras do Banco de Moçambique, colocando a taxa das Facilidades Permanentes de Cedência em 9.75 por cento, e de Depósitos em 3.75 por cento, e subindo o Coeficiente de Reservas Obrigatórias para 10.5 por cento.

Estas medidas foram complementadas com intervenções nos mercados interbancários, tendo o Banco de Moçambique disponibilizado quantidades consideráveis de divisas no Mercado Cambial Interbancário (MCI), respeitando os nossos compromissos em matéria de reservas internacionais líquidas”, disse.

Com efeito, o banco central colocou no mercado cambial até 11 de Dezembro um total de 1,072 milhões de dólares (dos quais, 309 milhões de dólares somente no último trimestre) comparando com 1.207,7 milhões de dólares em todo o ano de 2014, fazendo com que as reservas brutas nacionais permitam actualmente cobrir 3.7 meses de importações de bens e serviços não factoriais, quando excluídas as transacções dos grandes projectos.

Apesar destas medidas, que são de louvar e que resultam por algum tempo, a secção de Economia deste jornal entende que o problema reside na produção interna, a tal que ainda não deu mostras de pretender andar pelos próprios pés.

Comungamos profundamente o pensamento lançado há dias pelo governador Ernesto Gove quando afirmou que “o país precisa de aproveitar o seu potencial agrícola, energético, turístico e de prestador de serviços para realizar profundas transformações económicas, que assegurem a elevação da produção e produtividade, a promoção das exportações, a substituição das importações e a geração do emprego”.

Note-se que no dia 12 de Julho deste ano, publicamos uma reportagem, em foco, nas páginas 2 e 3, com o título Metical “à rasca”, na qual defendíamos exactamente o que Ernesto Gove veio dizer com todas as letras no balanço econômico preliminar deste 2015.

O que impressiona neste quadro é que nada do que dissemos, ou do que foi referido pelo governador do banco central, deveria constituir novidade para o sector privado nacional. Mas, pelo que foi possível observar, este se deixou assustar com a apreciação galopante do dólar e se organizou para, entre soluços e lágrimas, apelar por medidas de política monetária.

AVISOS DE 2014

O quadro que assistimos este ano já se agoirava em 2014. “Iniciámos o presente ano com redobrada cautela, em face de uma conjuntura internacional difícil que emitia sinais preocupantes em alguns indicadores da nossa economia na parte final de 2014, com destaque para indicadores do sector externo”.

Entre os sinais que nos chegavam de fora havia uma decisão do governo norte-americano orientada para conter as taxas de desemprego naquele país que, em determinados sectores, já ultrapassavam os cinco por cento. Para os Estados Unidos da América (EUA), esta cifra é tida como monumental.

Por outro lado, a China começava a dar sinais de desaceleração económica, a União Europeia começava a roer as unhas perante a necessidade de estabilidade política, económica e social de alguns dos seus membros, como são os casos de Espanha, Portugal e Grécia.

Cá dentro, o começo do fim da era de investimentos em pesquisas de recursos minerais, que tinha deixado o país com aparente estabilidade, a par da retirada unilateral de alguns doadores, a ausência de produção interna (que prevalece), transformaram-se num venoso cocktail que deu pontapés na estabilidade macroeconómica até então alcançada e fizeram com que a inflação e a taxa de câmbio se situassem acima das previsões iniciais.

Outro combustível que se adicionou foi a queda dos preços das matérias-primas (commodities) descobertas e exploradas no nosso país. O preço do gás natural caiu em cerca de 39 por cento, o carvão mineral em 24 por cento, das areias pesadas tombou em 18 por cento, do alumínio em 6 por cento, do algodão em 20 por cento e do camarão em 11 por cento. Só estes dados demonstram que arrecadação de receitas em moeda forte ficou comprometida.

Como é sabido, o presente ano começou com o dólar a ser cotado no mercado cambial interbancário em 31,60 meticais, mas hoje o câmbio gira em terno dos 48 meticais, o que em termos acumulados corresponde a uma depreciação nominal do metical de 47 por cento, a maior perda dos últimos 10 anos (no mínimo).

Nos últimos tempos, a equipa económica do governo procura fazer compreender a sociedade, particularmente aos políticos e empresários que este quaro não afecta apenas à economia moçambicana, o que é a mais pura verdade, mas muitos preferem ignorar.

Alguns países confrontam-se com uma instabilidade conjuntural e outros revelam uma mistura de problemas estruturais com os de momento. O fortalecimento do dólar no mercado internacional traduz a desaceleração de economias pujantes como a China, o Brasil, a Rússia, resultando numa contracção da procura de commodities no mercado internacional e consequentemente queda dos preços”, repetiu Ernesto Gove.

Na verdade, o Primeiro-Ministro, Carlos do Rosário já tinha referido este dado na Assembleia da República e o Presidente Filipe Nyusi já o havia dito aos empresários durante a cerimónia de celebração dos 20 anos de um dos maiores bancos do país.

NÚMEROS DA CRISE

Conforme referimos antes, o facto de sermos um país que não produz, limitando-se a importar até o banal, faz com que tenhamos um défice estrutural na balança de transacções correntes, o que traduzido em miúdos quer dizer que temos excesso de consumo interno em relação à produção. Este mal afecta, por um lado, a capacidade de a economia suportar choques externos, e por outro, agrava essa debilidade.

O balanço preliminar da economia moçambicana referente ao presente ano indica que nos primeiros nove meses de 2015, o défice da conta corrente do país, excluindo as transacções dos grandes projectos, agravou-se significativamente, relativamente a igual período de 2014.

As exportações totais baixaram em 9,3 por cento e as importações diminuíram em 3 por cento. Se esta análise excluir as importações dos grandes projectos, observa-se que as importações realizadas terão aumentado no período em 8,4 por cento”, aponta aquele balanço.

Até Setembro deste ano, o Investimento Directo Estrangeiro (IDE) reduziu em 15,2 por cento quando comparado com igual período de 2014, tendo os desembolsos de ajuda externa para apoio ao Orçamento e para projectos sido inferiores em 632 milhões de dólares aos recebidos em 2014.

A avaliação até aqui feita e tornada pública indica que a dimensão do choque externo sobre a nossa balança de pagamentos, que assim como a queda do IDE e o aumento do serviço de dívida pública externa, implicaram que as divisas disponíveis no mercado fossem inferiores em 381 milhões de dólares quando comparadas com igual período de 2014, com reflexos na espiral de depreciação do metical, incluindo o factor expectativas e posturas inadequadas associadas a algum oportunismo e especulação.

HÁ RISCOS EM 2016

Economistas de todo o mundo referem que a presente conjuntura vai se manter inalterada até ao próximo ano e que os sinais de recuperação da economia mundial são tímidos e ténues, daí que a aposta em medidas administrativas, sem o acompanhamento de investimentos na produção nacional podem se transformar rapidamente em “sol de pouca dura”.

Aliás, o próprio governador do Banco de Moçambique afirma que “as perspectivas para as economias de mercados emergentes, como a nossa, são de maiores riscos devido ao efeito da queda dos preços das commodities, a volatilidade dos mercados financeiros e reduzidos fluxos de capitais para estas economias, colocando assim, sob pressão as respectivas moedas”.

Ernesto Gove cita o World Economic Outlook que diz que a economia mundial poderá crescer este ano em 3,1 por cento, abaixo dos 3,4 por cento de 2014 e dos 3,6 por cento esperados para 2016, com o desempenho mais robusto nas economias avançadas lideradas pelos EUA e a recuperação do Japão, sendo que nos emergentes, espera-se a contribuição do Brasil e da Rússia que, actualmente enfrentam um ciclo de recessão económica.

Para a África subsaariana, não obstante as perspectivas de fraco desempenho da economia sul-africana, no geral as previsões apontam para uma ligeira recuperação no próximo ano, esperando-se um crescimento em torno de 5,0 por cento no ano.

Para o caso moçambicano, a preservação da paz é essencial para consolidar a estabilidade macroeconómica e do sector financeiro, bem assim para a materialização dos objectivos consagrados pelo governo no Plano Económico e Social, para 2016, que prevê um crescimento real do Produto Interno Bruto em 7,0 por cento, uma inflação anual de 5,6 por cento e um nível de reservas internacionais, que contribuam para a cobertura de pelo menos 4 meses de importações de bens e serviços não factoriais pelos activos externos”, disse.

Jorge Rungo

jrungo@gmail.com

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