A Confederação das Associações Económicas (CTA) realiza na próxima quinta-feira a décima quarta (XIV) Conferência Anual do Sector Privado (CASP) que visa fazer o balanço do plano de reformas e debruçar-se sobre os desafios do empresariado e do desenvolvimento do país. Rogério Manuel, presidente desta agremiação, concedeu-nos uma entrevista na qual esmiuça as expectativas dos empresários que, segundo ele, querem uma mão mais forte do Primeiro-ministro para acelerar a remoção de barreiras que entravam negócios.
Rogério Manuel apresenta-se com visão inabalável e crítica em relação ao actual ambiente de negócios que diz que pode melhorar desde que haja vontade política para o efeito. Mas deixemo-lo falar no discurso directo.
Quais são os principais ganhos que registam no diálogo com o Governo neste novo ciclo?
Penso que é a mudança do nível do diálogo público-privado que passou para o Primeiro-ministro quando antes estava sob a alçada do ministro da Indústria e Comércio.
O que muda conversar com o Primeiro-ministro e não com o ministro?
Traz um benefício relativamente maior porque aqui há um certo nível de decisão. O ministro da Indústria e Comércio não pode dar ordens ou orientações a outros ministros da área económica, mas o Primeiro-ministro já pode fazê-lo e pode exigir respostas. Este é o maior ganho.
E em termos de reformas?
Em Julho do ano passado tínhamos cerca de 140 pontos de discussão, mas pediram para que, em cada sector, elegêssemos dois itens que considerássemos estratégicos para serem resolvidos até Julho deste ano.
E o que está feito?
Em termos de reformas, não diria tanto.
Como assim? São só dois pontos por sector para serem tratados em 12 meses. Parece mais fácil, não?
Não estou a dizer que não discutimos outros pontos. O que tem de estar claro é que há dois temas em cada um dos dez ou onze sectores económicos e que devem ser resolvidos.
Isso está claro. O que ainda não está é se houve avanços ou não?
O que foi feito não chega a 12 por cento.
Doze por cento ou doze assuntos?
Doze por cento. A conferência que será realizada no dia 28 de Julho vai responder a essa pergunta. Os ministros vão dizer porque é que não conseguiram resolver os restantes pontos. É verdade que alguns temas ainda estão em estudo e outros requerem alterações de algumas leis. Mas os ministros vão responder porque assumiram que conseguiriam resolver até Julho deste ano.
Mas as partes partilham responsabilidades neste processo. O sector privado fez a sua parte?
Sim. Tem alguns pontos que foram eleitos como da responsabilidade do sector privado.
E como estão esses pontos?
Do nosso lado está tudo muito bem. Conseguimos resolver os três pontos. Falta-nos concluir um sobre administradores de insolvência, pois era preciso criarmos a associação de administradores e a CTA já criou. Fomos buscar gente na Ordem dos Advogados, contabilistas e economistas para gerirem o processo. Falta eleger e nomear os administradores desta primeira fase.
Disse que eram três temas. Quais são os outros dois? Dá a impressão de que eram muito fáceis…
Não eram fáceis. Tínhamos, por exemplo, de tentar trazer os operadores informais para o sector formal. Este é um ponto no qual estamos a trabalhar, pois não é possível concluir em um ano. Vai prosseguir durante muito tempo.
E o que conseguiram até aqui?
Temos um resultado bom, mas deparámo-nos com um problema ao longo do percurso.
Que problema?
Nós convencemos os informais a entrarem para o sector formal, mas a sua legalização ou inscrição não é da competência do sector privado. É do Estado e acontece que muitos operadores vão ao Balcão de Atendimento Único (BAU) e o sistema não está a funcionar. Outros dizem que não vêem benefícios porque a lei não está a ser implementada com o rigor desejado.
Como é que um operador pode chegar à conclusão de que ser informal é melhor que ser formal?
Vou dar um exemplo. Se for a ver, os vendedores de bebidas de mercados como Estrela Vermelha, Mandela, Museu, em Maputo, quanto dinheiro movimentam? É mais que uma loja de bebidas. Movimentam muito dinheiro. Quer dizer, estes já não são informais. Alguns movimentam de 50 a 100 mil dólares.
Para si quem são os informais?
São aqueles que têm uma pequena banca e vendem pilhas, rebuçados, tomate, pastilhas. Os outros têm armazéns cheios de whisky, vinhos e cervejas. Quem tem de fazer com que esta gente vá para o sector formal é o Estado que tem instrumentos coercivos para obrigar a todos a cumprirem com as suas obrigações fiscais.
Porque é que não pode ser o sector privado a convencer o colega informal a se formalizar?
É difícil ir ter com alguém que está a vender whisky, que ganha 100 por cento do seu lucro, e dizer-lhe para ir dividir esse ganho com o Estado sem que ele veja a razão para fazer essa divisão. A multa e a detenção são factores motivadores para se entrar na legalidade, mas se eu posso ganhar sem ter de partilhar nada com ninguém e sem que ninguém me pressione a partilhar, porque vou tirar?
Mas disse antes que a CTA convenceu alguns…
Alguns aderiram e foram inscrever-se. Temos essa experiência em Maputo, Sofala, Nampula e Manica. Noutras províncias não lográmos grandes êxitos porque os recursos na CTA não são muito grandes ao ponto de colocar técnicos em todas as províncias, mas estamos a trabalhar com os conselhos empresariais no sentido de incentivar o informal a entrar para o formal.
PRIMEIRO-MINISTRO
COM MÃO MAIS FORTE
Voltemos para o começo.Como avalia este modelo de diálogo ao nível do Primeiro-ministro, tendo em conta os escassos 12 por cento de sucesso. Estão a pensar numa outra via? Num novo formato de diálogo?
Ainda não pensámos em criar um outro modelo, porque não estamos a ver necessidade. O que deve acontecer é o Primeiro-ministro passar a ter uma mão mais forte porque até agora temos assistido a uma certa falta de vontade de alguns ministros das áreas económicas e esse quadro resulta do facto de não existir nada legal que os force a este diálogo. Eles olham para isto como uma questão política, de diálogo público-privado e param por aí.
O que faria o Primeiro-ministro caso tivesse essa mão mais forte?
Ele iria exigir responsabilidades, porque ao longo destes 12 meses muitos ministérios não conseguiram reunir com a CTA. Determinámos três reuniões por ano com cada ministro. Os encontros mensais, de nível técnico, vão acontecendo, mas o ministro, de três em três meses, deve apurar que avanços é que aconteceram. Entretanto, muitos ministros não conseguiram fazer isso.
Não?
Agora que souberam que vamos ter a Conferência Anual do Sector Privado (CASP) é que começaram a correr atrás da CTA para perguntar o que temos para fazer. Alguns até se deslocaram à CTA, mas ao longo deste tempo não se deram tempo.
Esta inércia é fruto da falta de um instrumento que obrigue?
Achamos que deve ser por isso. Alguns ministros, em conversa informal, dizem “o que me força a dialogar?” mas a matriz do diálogo foi aprovada pelo Conselho de Ministros.
Qual seria a saída?
Eventualmente poderia ser um decreto. Mas eu gostaria de ir mais longe, e propor que os ministros fossem avaliados pelo Presidente da República em função dos resultados que fossem alcançando no diálogo com o sector privado. Esta CASP é do Chefe de Estado, ele vem para ouvir o que é que o Governo fez. É a forma de ele avaliar o desempenho de cada ministério da área económica. Se não fez nada quer dizer que não está para o bem do sector privado.
CONTEÚDO LOCAL
Nos últimos tempos tem havido uma discussão muito forte sobre a ligação das empresas nacionais com projectos. Que leitura faz desse “casamento”?
As Pequenas e Médias Empresas (PME) nacionais estão a fechar as portas por dois motivos. O primeiro é que temos que olhar para a produção local. Isso foi dito a nível político, mas o que foi feito?
Mas, produzir é papel exclusivo do sector privado…
Depende do que pretendemos dizer e fazer. Sabe porque é que estamos a produzir e a exportar açúcar? Porque houve políticas e reformas naquele sector para defender a produção. Como é que vou produzir arroz aqui se mesmo o açúcar ainda não está no patamar da Suazilândia em termos de tonelada por hectare? Se não houvesse uma protecção, o açúcar da Suazilândia já teria invadido o nosso país. Vou-lhe dar mais um exemplo. O projecto Wambao, que está no Xai-Xai, não está a produzir a mesma quantidade por hectare que está a ser feita na China. Há uma diversidade de factores. Os solos, adubos e tecnologias não são os mesmos.
Quer dizer que o problema reside na protecção do produtor e não na capacidade deste de fazer mais?
Temos que olhar para a defesa do produtor nacional, mas isto não está a acontecer. Há tempos atrás, se vocês viram, o nosso mercado estava inundando de tomate vindo do Chókwè que até apodrecia, por ser muito. Não houve protecção do produtor nacional e os sul-africanos começaram a mandar para cá tudo o que era refugo de tomate do seu país. Isso fez com que a caixa de 25 quilos de tomate passasse a ser vendida a 80 meticais, o que não permitia que os produtores nacionais recuperassem o seu investimento. Por causa disso, os camponeses deixaram de fazer o tomate.
Mas, senhor presidente há pouco tempo houve uma iniciativa dos produtores de frango que se queixaram das importações do frango brasileiro e sul-africano. Pediram protecção e o governo ensaiou o banimento de importações. Em poucas semanas ficou claro não havia capacidade interna de manter o mercado abastecido. Sabe disso, pois não?
Concordo consigo e também digo que a questão não se resume apenas à protecção.
Então?!
Deixa que lhe diga que no nosso país não existe uma política financeira virada para a produção local. É impossível ires à banca comercial buscar dinheiro para investir na agricultura ao preço em que está o juro. É muita coisa junta que tem que se olhar. A agricultura é específica. Não podes comparar um investimento agrário com um financiamento comercial de um indivíduo que vai à China comprar relógios para vir vender e em dois meses já retornou o dinheiro ao banco. É totalmente diferente.
Mas, é preciso ir buscar a saída. Como saímos disso?
Para que a produção nacional aconteça é preciso olhar para a componente financeira, protecção do produtor nacional e a ligação com os grandes projectos cujos gestores insistem em importar tudo da África do Sul.
Mas, já foram dadas oportunidades a muitos produtores nacionais que conseguem fornecer a primeira carrada de produtos e quando lhes é solicitada a segunda apresentam dificuldades. Admite que isso acontece? Vimos isso em várias situações…
Digo que sim, acontece porque é uma única pessoa a produzir. É preciso incentivar para que sejam mais pessoas a produzir e lhes dar a garantia do mercado. Quando se estimulou a produção no Chókwè foi muita gente a produzir ao mesmo tempo, mas qual foi o fim? Os sul-africanos introduziram a sua mercadoria e os nacionais desistiram. Está a faltar uma orientação. Uma estratégia. Os silos devem estar onde se produz, as fábricas de processamento, idem.
Mas não isenta de culpas ao próprio sector privado?
Não vou isentar. Mas, digo-lhe que o empresário é uma pessoa muito cautelosa que olha muito bem para onde põe o seu dinheiro porque enquanto o Estado é visto como bom devedor porque pode demorar, mas sempre vai pagar, o empresário quando deve arrancam-lhe a casa. Não nego que temos culpa num e noutro aspecto. Dizem que é nosso papel investir, mas sem ter aquela ferramenta de reformas necessárias e protecção ninguém vai investir.
Texto de Jorge Rungo
jorge.rungo@snoticicas.co.mz