Economia

Azares da nossa produção agrícola

A produção de arroz nos regadios de Chókwè, Baixo Limpopo, Inthabo, Mundamunda e Nante está condenada ao fracasso, dada persistência das intensas chuvas, ventos

 fortes e de inundação prolongada dos campos agrícolas. Para desgraça dos camponeses, há equipamento agrícola submerso há vários dias, parte do gado morreu afogado, canais de irrigação romperam e a quantidade de semente disponível não cobre metade dos agricultores que foram afectados pelas presentes cheias. O que complica tudo é que a costa moçambicana está sob ameaça de ciclones e a chuva poderá prolongar-se até Abril.

 

Moçambique já foi um grande produtor de cereais, com particular destaque para o arroz e tinha como “porta-estandarte” o regadio de Chókwe, coadjuvado pelo regadio do Baixo Limpopo, ambos localizados na província de Gaza. Nos primórdios da década 80, a produção nestas duas áreas era tão grande que os moçambicanos foram mobilizados a participar em operações de ceifa, descasque e armazenamento. Foram momentos memoráveis.

Com recursos a fundos próprios, doados e emprestados, o Governo investiu na reabilitação destas e de outras infra-estruturas de irrigação, tais como Inthabo, Mundamunda e Nante, bem como as baixas da Manhiça e de Matutuíne tendo com o objectivo resgatar a auto-suficiência na produção e, sobretudo, dar o seu máximo para extinguir a importação deste cereal.

Entretanto, o destino parece teimar em fazer das suas, dado que poucos meses após o lançamento da campanha agrícola, começam a soar alarmes de chuva em abundância que inunda os campos por várias semanas, a ponto do arroz, que até se dá bem com a água, perder a capacidade de se sustentar em pé. Para agravar o quadro, o vento vem vergar todas as espigas e reduzir a zero o esforço dos produtores.

Segundo o Director Nacional da Agricultura, Mahomed Valá, pelo menos 221 mil hectares estão inundados e destes, cerca de 180 mil não poderão ser recuperados, o que coloca mais de 120 mil famílias numa situação de total desespero, pois vivem da agricultura. Valá aponta que as províncias que mais se ressentiram foram Gaza, Inhambane, Sofala e Zambeze, mas prevalece o risco para as províncias de Nampula e Cabo Delgado.

Para a presente campanha foi semeada uma área de mais de 4.6 milhões de hectares onde foram plantadas culturas alimentares diversas e, segundo o último senso agro-pecuário integrado, 98 por cento dos agricultores existentes em Moçambique fazem parte do sector familiar, pelo que este foi o mais afectado.

No caso particular da província de Gaza, uma das mais afectadas pelas cheias, existiam 60 agricultores privados, tidos como médios e grandes agricultores, que produziam para a posterior comercialização que também foram afectados.

Para complicar a situação, esta região, que acolhe o sector privado agrícola mais organizado do país, as cheias danificaram cerca de 60 tractores, 250 motobombas entre grandes e pequenas, 30 electrobombas, quatro auto-combinadas, cinco moto-cultivadora, entre outro equipamento. Só no regadio de Chókwè, dos 4.527 hectares de arroz que tinham sido plantados, cerca de 3.754 estão totalmente perdidos.

Como se isto não bastasse, as cheias destruíram infra-estruturas pecuárias tais como 10 tanques de carracicida, 11 represas e nove furos de água. A estação agrária de Chókwè ficou submersa, o que provocou a perda de perto de nove hectares de semente básica, 11 campos de ensaio de diferentes culturas alimentares, dois tanques piscícolas e a morte de pelo menos 120 mil alevinos.

Para o caso do Baixo Lipompo ainda não temos dados precisos, as águas baixaram na semana passada e neste momento decorrem levantamentos com alguma profundidade para o apuramento dos danos”, disse Mahomed Valá.

Apesar da ameaça de cheias prevalecer, o Ministério da Agricultura fez um levantamento primário do gado perdido e as contas não são animadoras, pois 570 bovinos, 1050 mil caprinos, 15 ovinos e 260 suínos morreram, havendo cerca de 107 mil bovinos em situação de risco.

 

Sementes não chegam para todos

 

Perante este quadro, o Ministério da Agricultura anunciou que está a fazer o seu melhor para recuperar as culturas perdidas, tendo por isso iniciado a distribuição de sementes diversas para estimular os agricultores a retomarem as actividades logo que as condições agro-climáticas permitam.

Até ao momento, do levantamento feito estima-se que sejam necessárias 2200 toneladas de semente de milho, 1500 toneladas de feijão, entre 8 a 10 quilogramas de sementes diversas, 12 mil pés cúbicos de mandioca, entre outros. Também poderá ser necessário distribuir 70 mil enxadas, 70 mil catanas, regadores, pulverizadores, sem contar insecticidas, medicamentos veterinários, e muito mais.

Por outro lado, decorrem trabalhados com vista ao apuramento dos estragos causados na infra-estrutura de irrigação de Chókwe uma vez que o canal geral ficou afectado, e houve rombos de grande dimensão nas valas e no dique.

Entretanto, domingo apurou que a semente disponível até ao momento não é suficiente para distribuir pelos camponeses afectados, dado que o Ministério da Agricultura só dispõe de 140 toneladas de milho, 32 toneladas de feijão, com destaque para feijão nhemba e cerca de uma tonelada de semente de hortícolas.

Valá assegura que não há razões para pânico, na medida em que “o exercício económico está no começo, mas vamos adquirir 480 toneladas de milho, cerca de 130 toneladas de feijões diversos, 7.5 quilogramas de hortícola e esta quantidade vai dar para os produtores começarem a suplantar as necessidades alimentares” garantiu Valá.

No que toca aos materiais perdidos pelos agricultores, sobretudo do sector familiar, durante as enxurradas, numa primeira fase serão adquiridos cerca de 35 mil enxadas, 35 mil catanas, alguns regadores e pulverizadores. O director nacional da Agricultura chamou aos lavradores a não olharem para as culturas perdidas mas sim fazer de tudo para repor a dinâmica de produção para responder às necessidades de comida e evitar a insegurança alimentar.

 

Gestão de águas é a solução para evitar perdas

 

Mahomed Valá disse ao nosso jornal que em situações de cheias o mais importante é pensar na gestão da água duma forma geral, o que pressupõe a criação de infra-estruturas para controlar a água, nomeadamente represas, diques, valas, entre outras.

O que vi há dias em Gaza e noutras províncias como Sofala e Inhambane não foi muita novidade porque vivi as cheias do ano 2000. A conclusão a que chego é que é preciso ter infra-estruturas de gestão da água, porque durante as cheias de 2000 tivemos água em quantidades muito grandes, mas volta e meia, em Setembro já não tínhamos água para irrigar as culturas”, recordou.

Conta que as infra-estruturas existentes servem para a gestão e conservação da água, no entanto, elas devem ser fortalecidas e melhoradas e, para tal, Valá sugere que será necessário sincronizar o sector da agricultura e do das Águas para que possam encontrar soluções viáveis de gestão do precioso líquido. Segundo ele “não se pode conceber que o país tenha muita água num período e noutro não tenha nenhuma”.

Toma como exemplo, a situação de Pafúri, que no passado Janeiro registou chuvas acima de 600 milímetros em menos de duas semanas, coisa que não acontecia há mais de quatro anos, por ser uma zona árida. Falei com um produtor que diz que o que se passou no rio Nhanombe não via há cerca de 38 anos, o que significaque a chuva apanhou a comunidade local de surpresa. Mas não podemos ser surpreendidos eternamente”, sublinhou.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Artigos Relacionados

Botão Voltar ao Topo