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A “dança” do salário mínimo

Por admin

Governo, sindicatos e patronato iniciaram há dias a tradicional conversa que vai conduzir à definição do salário mínimo que deve vigorar no país a partir de Maio mas, com efeitos retroativos no mês de Abril. As contas que se fazem naquela mesa de negociações são tão intricadas que envolvem itens como a inflação e leituras da conjuntura macroeconómica interna e externa que o trabalhador comum não compreende.

A definição do salário mínimo é um exercício complexo e extenuante. Cada uma das partes envolvidas faz um imenso “trabalho de casa” para ir à mesa esgrimir argumentos que deixem a contraparte com as suas energias mentais estateladas. Estatísticas, balanços, índices e conjunturas outros são esmiuçados para assegurar que o salário sobe bem e deixe os trabalhadores folgados e o outro a defender que “é preciso ter calma. Ir devagar, devagarinho”.

A Organização dos Trabalhadores Moçambicanos – Central Sindical (OTM-CS), por exemplo, considera que as condições macroeconómicas para a discussão e aprovação do salário mínimo para este ano estão criadas, tendo em conta aquilo que foi o desempenho da economia, inflação e o crescimento das empresas, ao longo do ano de 2014.

Porém, a Confederação das Associações Económicas (CTA) puxa para o lado contrário e já vai avisando que “as perspetivas para este ano não são animadoras porque é preciso olhar com muito cuidado para o Plano Económico e Social (PES) e as perspectivas de crescimento para 2015”.

Logo à partida, observa-se que estes dois atores partem para a uma conversa a partir de extremos diferentes, com um a olhar para 2014 e achar que deve servir de referência, e outro a inclinar-se para o que ainda está por vir e, por isso, considerar que há que ser prudente.

O secretário-geral da OTM-CS, Alexandre Munguambe explica que, tendo em conta todo o desgaste que o salário vem registando ao longo dos últimos anos, o confortável seria que se pagasse um mínimo de 8800 meticais que poderiam satisfazer as necessidades básicas do trabalhador.

Entretanto, a fixação do salário mínimo é feita a partir de vários pressupostos que tornam possível a existência de sectores com mínimos díspares como o da pesca de capenta (que ocorre na albufeira de Cahora Bassa), onde o mínimo é de 2857 meticais, contra 7465 meticais que o sector financeiro paga como mínimo aos seus trabalhadores.

Os argumentos que a OTM-CS está a usar na mesa das negociações estão ligados ao crescimento sectorial verificado no ano passado que, a título de exemplo, cresceu pouco mais de 17 por cento, no sector de pescas, enquanto o sector de construção registou o maior desempenho que se fixou em 37 por cento. A indústria transformadora teve o menor desempenho, com cerca de seis por cento.

Para esta organização sindical, que é a maior do país, no ano passado houve muita produção, principalmente no sector da agricultura que cresceu mais de 9 por cento, contra pouco mais de cinco por cento de 2013. O sector de pescas saiu de 3.7 por cento, em 2013, para cerca de 18 por cento no ano passado. “É preciso que o crescimento económico se reflita no bolso do trabalhador”, defende.

Munguambe afirma ainda que o recrudescimento das actividades económicas informais resulta, em grande medida, dos magros salários que a maior parte dos trabalhadores aufere. “Se um chefe de família é o único que trabalha, a mulher é obrigada a ir a rua para vender qualquer coisa e, muitas vezes, os filhos também devem seguir a mesma linha para que todos possam sobreviver”.

ERRO RESIDE NA DISTRIBUIÇÃO

Apesar de compreender os argumentos da OTM-CS, a Confederação das Associações Económicas (CTA) entende que houve um crescimento económico em 2014 mas, este ano começou com o pé-coxinho por causa das calamidades naturais e do clima político que tem sido algo tenso. 

Estes e outros factores devem ser levados em conta. É preciso ter em consideração a realidade macroeconómica do país e das empresas”, sublinha Rui Monteiro, vice presidente da CTA que diz estar a cogitar a possibilidade de sugerir a reformulação dos critérios de fixação do salário mínimo.

É que, o país tem estado a registar mutações significativas no campo económico que se refletem na forma de remunerações muito diferentes entre as grandes empresas e as Pequenas e Médias Empresas (PMEs).

A realidade económica mudou nos últimos quatro anos e, no critério actual, no sector da extração minera, por exemplo, temos grandes empresas e, ao mesmo tempo, encontramos as pedreiras e areeiros que também são consideradas “indústria extractiva” e devem competir em salários com a indústria do carvão porque estão no mesmo sector mas, há evidentes disparidades em termos de rendimentos”, disse.

Por seu turno, Eduardo Sengo, assessor económico da CTA, disse que os dados do Plano Económico e Social (PES) apresentados pelo governo mostram que o crescimento económico do país é positivo ao longo dos últimos anos, no entanto é preciso perceber como é feita a distribuição do “bolo”.

De acordo com Sengo, diz-se que o sector extractivo cresceu, mas não se faz nenhuma distinção, pois “os grandes” influenciam nesse crescimento e, no fim, o ajustamento dos salários abrange a todos, o que prejudica os “pequenos”.

Pelos vistos, as PME´s são as que menos crescem em quase todos os sectores. Em relação ao crescimento do ano passado, embora sejam dados oficiais, temos algumas inquietações devido a contradição desses dados porque o empresariado sente que o crescimento apresentado está um pouco acima daquilo que se viveu de facto”, disse Sengo.

Acrescentou que, por exemplo, o sector da construção cresceu 36.6 por cento, no entanto, há informações segundo as quais nos sub-sectores, sobretudo, na extração de matéria-prima como a pedra, riolito e argila decresceu muito. Segundo aquele economista o sector privado formal ainda não tem uma expressão muito grande no país. Exatamente por causa disso é que muitas vezes o “bolo” está mal dividido a nível de salários.  

Temos que ter cuidado nas negociações salariais exactamente para não termos problemas de oferecer demais e não poder cumprir. Temos que fazer acordos sustentáveis para todos e a sustentabilidade inclui várias responsabilidades que as empresas têm, nomeadamente os impostos, segurança social, entre outros”, concluiu.

O que vai mal aos

olhos da OTM-CS

A Organização dos Trabalhadores Moçambicanos – Central Sindical (OTM-CS) entende que para além do aumento do salário mínimo, os trabalhadores continuam a clamar pela intervenção do governo no sector do transporte público urbano que se mostra cada vez mais precário e quase inexistente o que faz com que alguns sejam transportados em viaturas que não oferecem o mínimo de segurança como é o caso dos chamados “my love”.

 “O problema não é só de vias de acesso. Temos também as políticas aplicadas neste sector que não respondem às necessidades dos cidadãos, porque mesmo para as zonas onde são usados comboios nunca temos carruagens suficientes mas, parece não haver muita vontade para resolver a questão dos transportes”, sublinhou Munguambe.

No que se refere aos dados sobre o desemprego, Alexandre Munguambe disse que à nossa equipa de Reportagem que a informação que existe sobre a taxa de desemprego em Moçambique é do Instituto Nacional de Estatísticas. Os dados que constam nesse documento não espelham a realidade, pois indica que apenas 25 por cento da população nacional é que não tem trabalho.

Munguambe disse que não concorda com os critérios usados para apurar esses números, uma vez que naquela instituição todos informais não são desempregados.

“Na instituição todos os informais não são desempregados. É preciso que as pessoas estejam em postos de trabalhos dignos, duradouros, com direitos e não em trabalhos precários” disse.

Considerou ainda que não se pode afirmar que alguém que está a trabalhar numa barraca está empregada só porque tem uma remuneração de dois mil meticais. Na sua ótica, estas pessoas não tem horário de entrada e de saída, não possuem nenhum vínculo contratual, direito a férias, não descontam para a Segurança Social, não tem assistência médica medicamentosa. “O emprego tem que ser digno nas condições que a Organização Internacional do Trabalho exige”.

Sobre a contratação de mão-de-obra estrangeira, a nossa fonte referiu que a lei moçambicana é clara. “Os estrangeiros só podem ser contratados para ocupar vagas em áreas de trabalho para as quais o país não possui quadros”, lembrou.

Entretanto, será nessa procura de especialidades onde começa a manobra para introduzir pessoas que vem ocupar postos de trabalhos que deviam ser ocupados por moçambicanos. “Ocupam lugares e auferem salários muito mais altos que os nacionais, se calhar com conhecimentos muito baixos. Ainda há muita desonestidade no recrutamento da mão-de-obra estrangeira e isso está a prejudicar uma boa parte de moçambicanos que ficam desempregados”, disse.

Alexandre Munguambe defende ainda que qualquer sector de trabalho que tenha muitos conflitos laborais significa que há muita injustiça. A segurança privada, por exemplo, continua a ser uma área problemática porque os trabalhadores não beneficiam de horários de trabalho normal, chegam a ficar até 24 horas no mesmo posto, sem assistência, alimentação, sem o mínimo de condições que os trabalhadores deviam ter.

Como se isso não bastasse, Munguambe frisou que os salários deste sector são muito baixos, tendo em conta que é um trabalho bastante arriscado pois, a qualquer momento podem ser baleados, mortos no local onde se encontram a exercer as funções.

Há motivos para que haja conflitos laborais. A OTM é um centro de coordenação de acções com todos os sindicatos filiados e intervimos sempre que somos solicitados. Algumas destas empresas têm pautado por interferir nos assuntos sindicais que é uma forma de poder dividir para reinar”, aludiu.

Fotos de Jerónimo Muianga

Texto de Angelina Mahumane

vandamahumane@gmail.com

 

(Fotos de Jerónimo Muianga; pasta: Salário Mínimo)

 

 

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