Desporto

Por que é que os dirigentes já não vão ao futebol?

O Doutor Bagão Félix, ferrenho adepto do Benfica de Lisboa, é um dos comentadores-residentes de A Bola TV. É apenas um exemplo de um notável no desporto. Uma vez por semana, ele e outros personagens, escalpelizam o que de mais importante aconteceu na semana futebolística portuguesa, descendo a pormenores como actuação de cada um dos intervenientes, tácticas utilizadas pelos treinadores, troca de mimos entre dirigentes e por aí adiante.

Nada de anormal em Portugal. Super anormal seria acontecer algo idêntico em Moçambique. Porquê?

É que o Doutor Bagão Félix foi Ministro das Finanças do anterior Governo de Portugal e é um dos maiores economistas daquele país e da Europa.

ESTATUTO E PESO ESPECÍFICO

DO NOSSO FUTEBOL

Transportemos este exemplo para Moçambique. Um dos eminentes ex-ministros da Finanças ou de outra pasta importante, como os Doutores Magid Osman, Eneias Comiche ou mesmo Manuel Chang, virar comentador-residente de uma das nossas televisões, ou mesmo jornais ou rádios.

Impensável, não acham? A ideia que de imediato nos “assaltaria” é de que eles passaram, como se diz em linguagem popular, de “cavalo para burro”.

Porquê?

Dizemos que o desporto é importante nas nossas vidas, mas o seu estatuto é de actividade marginal, uma coisa menor, destinada aos menos letrados, àqueles que gostam de conviver com o suor (ou catinga?!) que é algo que até cheira muito mal.

Em suma, comentar desporto, assistir e participar em discussões sobre jogos entre Chibuto, Costa do Sol e Desportivo é bom para os que têm por missão “entreter o povo”, pois os dirigentes – a sua atitude assim o demonstra – têm assuntos da Nação bem mais importantes a tratar. Quando muito, discutem Messi ou Ronaldo, Barça, Real ou Bayern de Munique!

Claro que quando o acontecimento transcende o nível local, como foi o “Africano” de basquetebol feminino, aí é vê-los a disputarem os camarotes, de cachecol ao pescoço, vangloriando-se de feitos para os quais pouca ou nenhuma participação deram.

POUCA QUALIDADE

NÃO EXPLICA TUDO

O futebol é o desporto-rei no mundo. Ao fim de semana, em países onde este estatuto é reconhecido, poucos são os deputados ou ministros que não “desligam a ficha” das suas actividades para viverem, por dentro e por fora, as incidências de cada jornada.

Entre nós, quantos deputados, ministros ou directores nacionais conhecem o nome de um único jogador do Moçambola? Quantos estarão dispostos a “sacrificar” o relaxamento nas suas quintas, a favor das emoções da maior prova futebolística nacional?

No meu baú de recordações, ainda estão bem vivos os tempos em que se sentavam nos camarotes dos campos, semana após semana, dirigentes como Jacinto Veloso, Manuel dos Santos, Américo Mpfumo, José Luís Cabaço, Marcelino dos Santos e tantos outros. Discutiam, com emoção, o melhor do NOSSO futebol. Recordo-me até de uma ocasião em que o saudoso Presidente Samora Machel se viu obrigado a abreviar o seu discurso, por se ter apercebido da impaciência dos dirigentes em irem para o Estádio da Machava assistir a um jogo-grande.

Diz-se que o problema é o da falta de qualidade do nosso futebol, que só alegra as populações suburbanas ou do norte do país, com acesso restrito aos grandes duelos que nos chegam dos maiores campeonatos mundiais.

Como inverter esta realidade?

Na verdade, não sei em que momento os nossos passos se trocaram, quando é que a desmotivação iniciou, para dar lugar ao desprezo a que o desporto está entregue. Acredito que a qualidade não é boa, mas talvez esteja de acordo com os meios e ostracismo que o caracterizam. Abandonado e com o estatuto de “actividade para pé descalço”, dificilmente lhe poderemos dar dignidade.

Não por decreto, mas por amor a uma das causas que mais facilmente pode aumentar a auto-estima de todo o país, há que regenerar o estatuto do desportista e consequentemente o movimento massivo e salutar do desporto para atingir todas as camadas sociais, em permanência.

Renato Caldeira

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