Desporto

Nosso boxe vai de mal a pior

Maria Manuela, a pugilista-mor de Moçambique, não tem dúvidas de que a qualidade do boxe nacional está cada vez mais a deteriorar-se, em movimento de mal para o pior. Acha penoso o que acontece na cidade de Maputo, onde pela falta de respeito pelos atletas se chega a chamar de campeonato de boxe qualquer coisa que se parece de brincadeira de bairro, demonstração clara de desorganização a todos os níveis, das associações à federação.

Perante o que temos vindo a assistir, que se consubstancia na falta de programação, o que leva a não haver provas com regularidade, acha que ainda há boxe em Moçambique? Com esta pergunta mudamos o rumo da conversa com Maria Manuela, ela que nos contava da sua frustração por não poder seguir para Irlanda, em gozo de bolsa olímpica, cujo teor publicamos recentemente.       

 “É complicado. Se existe é porque nós os atletas queremos que exista. Os campeonatos da cidade de Maputo vão de mal a pior. Por outras palavras, o Campeonato da Cidade de Maputo virou qualquer coisa de bairro. O campeonato nacional não existe há dois anos. A última prova digna de se considerar campeonato nacional teve lugar na cidade de Nampula, em 2012. Estamos sempre a treinar para nada. Se a situação prolongar-se não teremos ninguém nos Jogos Olímpicos e, finalmente, não teremos boxe no país. Muitos vão desistindo”, responde Maria Manuela, sem esconder a sua tristeza por tudo que ensombra o boxe no país.

Tem se dito que a esperança é a última coisa a morrer. E Maria Manuela tem fé nisso.

“Tenho esperança de que as coisas mudem. Se aqui continuar a não haver seriedade no boxe, vamos tentar sorte no profissionalismo lá fora”.

Ela esteve na África do Sul a tentar lugar no boxe amador. Teve que voltar para responder ao chamamento da Pátria para participar em eventos internacionais e esperar seguir para fora em gozo dessa bolsa que vai fugindo.

“ …Da próxima que for para a África do Sul vou tentar ingressar no profissionalismo, porque a idade não espera”, garante.

Manuela começou por praticar futebol, às peugadas de uma sua irmã, mas confessa que sempre gostou de desporto de luta.

“Fazia futebol, mas sempre gostei das modalidades de luta. Não comecei cedo porque neste país se dizia que o boxe é só para homens”.

A pugilista admite que, “se calhar, por ser da Mafalala me apaixonei pelo boxe. As crianças da Mafalala crescem defendendo-se de alguns males, razão pela qual muitos dos pugilistas de Maputo são residentes deste histórico bairro”.

A outra realidade que conta é de que “a sua mãe no início não aceitava que eu praticasse boxe. Achava ser modalidade só dos masculinos. Hoje mudou de opinião. Nunca assistiu ao vivo os meus combates, a não ser na televisão e vídeos.”

Ser da Mafalala ajuda!

Tem alguma limitação alimentar?

Nunca fui de controlar a alimentação. Talvez para os Jogos Olímpicos, pois tinha que subir de 54/57kg para 60kg, peso olímpico que fiz nos Jogos da Commonwealth.

Evita sexo ou consumir álcool de qualquer maneira para se apresentar bem no ringue?

 Eu procuro estar em forma todos os dias, tendo ou não combate. Todos os dias são de boxe para mim.

Quais são os seus vícios?

Costumo dizer que o meu vício é o boxe. Não consigo viver sem boxe.

O boxe faz-lhe ganhar dinheiro?

Não ganho dinheiro. Faço boxe por amor à modalidade. Nunca me passou pela cabeça fazer boxe para ganhar dinheiro. Se pensasse no dinheiro já teria fugido para o profissionalismo.

Vale a pena o país apostar no boxe feminino?

Moçambique em femininos pode conseguir ganhar medalhas que em masculinos.

Que apelo faz à associação da cidade de Maputo e à federação?

As duas instituições devem apostar mais na sua própria organização para tornar o boxe modalidade atraente e voltar a encher os pavilhões.

Há muita desorganização!

Se existem atletas e não efectivam provas com regularidade é por falhas na organização.

Enquanto combate não sente dor?

Naquele momento não sinto dor. O corpo fica quente e habilitado para o tempo que durar o combate.

Não se pergunta idade a uma mulher. Mas como você diz que é igual aos homens, quantos anos tem?

Somos seis filhos, dos quais dois são rapazes, por sinal os mais novos. Eu sou a quarta menina. A mais velha anda por ai trinta anos. Quer dizer, ainda não entrei para a turma dos trinta anos.

É do Bairro da Mafalala, de que se fala bem e mal. O que a pugilista Manuela tem de comum com a Mafalala?

A criança da Mafalala vive aprendendo a defender-se. Muitos dos pugilistas da cidade de Maputo vivem na Mafalala. Talvez ser da Mafalala ajuda a pessoa a ser bem sucedida no boxe.

Sua mãe assiste aos seus combates?

No princípio ela não queria que treinasse boxe. Agora mudou de ideia. Ao vivo nunca assistiu aos meus combates. Tem me visto a combater pela TV ou através de vídeos.

No ringue sou igual aos homens

Para esta pugilista não existe género melhor que o outro no boxe. Defende que só existe quem é melhor que outro, em função de resultados, independentemente de ser homem ou mulher.

“Não existe homem nem mulher no boxe, só existe um que é melhor que o outro. Eu gosto de me treinar com homens, sobretudo os mais velhos, cuja experiência me torna segura. Temos que trabalhar com os que sabem mais que nós, quando queremos desenvolver. Só desenvolve quem perde combates. Já não temo a ninguém da minha categoria aqui em Moçambique”.

É mesmo por não ter adversário no país que Manuela diz “quero ir para fora defrontar campeãs do Mundo para ganhar algo”.

Quisemos saber se quando está com as outras mulheres que não sejam pugilistas é temida. Responde afirmando que talvez por isso não é provocada.  

“A minha relação com elas é normal, apesar de me olharem de sentido diferente. Para elas sou aquela que bate muito. Por essa razão não me provocam”.

A FEDERAÇÃO NÃO ACREDITA EM NÓS

Não assume que a mulher atleta é discriminada no nosso desporto, mas que “há preconceitos”. Mesmo assim lhe parece que algo “está ou estava a mudar. Já estávamos a conquistar o nosso espaço”.

Para Manuela esses preconceitos fazem com que ela própria pense que “se eu fosse homem não estaria a sofrer como sofro. A própria federação de boxe não acredita no boxe feminino”.

Este ano, Maria Manuela passou mais tempo na África do Sul, mais para aprender o inglês que fazer boxe. Em Junho foi chamada para se preparar para os jogos da Zona VI, em Pretória, por sinal onde ela vivia. Voltou para a terra do rand donde novamente foi chamada para os Jogos da Commonwealth, na Escócia.

O último chamamento foi da vez que veio rubricar acordo com o Comité Olímpico de Moçambique para essa bolsa que já devia estar a gozar na Irlanda desde Setembro! Aliás, sobre isso ela desabafa dizendo que “dói por saber que os outros foram para o exterior. Dois que ainda não seguiram tinham exames escolares”.

São vários os azares que ensombram a carreira de Maria Manuela. Por ter ficado em quarto lugar nos Jogos da Commonwealth ganhou o direito de participar no Campeonato do Mundo, na Correia.

“Até hoje não sei porque não fui ao Campeonato do Mundo. A participação em “Mundiais” conta muito para a qualificação aos Jogos Olímpicos. Perdi o “Mundial” deste ano; rezo para não falhar o de 2016, que antecede os Jogos Olímpicos”, vacticina.

Mas, mesmo sem ter ido ao “Mundial”, Maria Manuela considera que o ano 2014 foi significativo para a sua carreira. Trouxe a primeira medalha dos Jogos da Commonwealth e foi considerada a Melhor Atleta da África Austral.

Manuel Meque

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