Início » “Não tenho saudades do tempo em que ganhava 30 ou 40 milhões por combate”

“Não tenho saudades do tempo em que ganhava 30 ou 40 milhões por combate”

Por admin

Chamaram-lhe o maior vilão do planeta, conhecido pelas diatribes dentro e fora do ringue. O antigo campeão mundial de pesos pesados, o lendário e controverso Mike Tyson conta a história da sua vida num “one man show”. A seguir extractos da entrevista concedida a euronews.

Pergunta:Se olharmos para os momentos mais difíceis da sua carreira, teve um sucesso fenomenal, mas também teve uma batalha contra o vício das drogas, que foi conhecida de todos. Conseguiu livrar-se disso? É algo que já ultrapassou?

Resposta:É como me sinto agora. O que se passa com o vício das drogas é que cada dia em que não me drogo é um dia em que fico mais forte. Sei que um dia a tentação vai voltar, é inevitável. Enquanto não uso drogas, vou-me preparando para esse dia. Quando esse dia vier, ou a droga me deita abaixo ou eu consigo levantar os braços. Uma dessas duas coisas vai acontecer e eu não quero perder mais tempo de vida.

P:Disse algo muito interessante na sua autobiografia: Falou do tempo que passou na prisão e agora vou citá-lo: Diz que isso para si foi uma bênção. Que lições dessa altura transporta consigo?

R:Sou uma pessoa diferente da que era nessa altura. Outra pessoa.

P:Faz muitas coisas agora, é também promotor de boxe, algo que nunca esperava vir a fazer.

R:Isso também é algo muito estranho. Nunca pensei que viesse a fazer isso, porque sempre desprezei os promotores de boxe. Só de pensar que sou promotor de boxe, fico com arrepios. Mas a verdade é que sou…

P:Foi explorado…

R:Faço isto por uma boa razão: Tenho que tratar dos meus filhos, para que eles um dia tratem de mim. E quero, mais que tudo, assegurar-me de que eles não cometem os mesmos erros que eu cometi.

P:Que conselho lhes quer dar?

R:Que os agentes não são precisos, mesmo se alguns precisam. Na minha opinião, os agentes são apenas uma espécie de “baby-sitters” glorificados, que ficam com 10% do que ganhamos ou até mais do que isso. Tudo aquilo de que um pugilista precisa hoje é de um advogado e de um treinador. Ninguém precisa de agentes.

P:Fala-se muito da sua admiração por Cus D’Amato, seu antigo agente. Qual é a influência dele naquilo que faz?

R:Não sei. Eu não sou ele. Talvez se continuar a fazer isto mais 20 anos ou assim, possa chegar ao nível de protecção que ele dá aos pugilistas. Ainda não cheguei lá. Não tenho a experiência que tem o Sr. D’Amato.

P:Fala dele no presente (nota: Cus D’Amato morreu em 1985). Acompanha-o muito?

R:Sim, muito.

P:Considera-o uma das pessoas mais especiais na sua vida?

R:Absolutamente. Ninguém me inspira tanto como ele me inspirava quando estava desanimado. Às vezes, tenho a certeza que na sua área também, há alturas em que pensamos que as coisas se dificultaram e não queremos fazer mais o que estamos a fazer. Era ele que me inspirava a dizer qual era o caminho. Fazia-me querer seguir esse caminho. Deixei várias vezes o boxe, mesmo antes de me tornar profissional. Deixei, não queria mais fazer isto e foi ele que me deu a inspiração para continuar.

P:O que me leva à questão colocada por um jovem, Jean-Louis Fanel Doulos, que pergunta como se tornou num grande pugilista.

R:Não sei como é que alguém se torna num grande pugilista. Estaria a mentir se dissesse que sabia. Cada um tem o seu caminho. O meu foi feito de sacrifício, dedicação e disciplina, algo de que nunca fui muito adepto. Nunca tive. Era egocêntrico, egoísta e preguiçoso. Ao dar-me com Cus D’Amato, ganhei outras características. O sacrifício e o abandono daquilo que achávamos importante, por uma causa que achamos ainda mais importante. A disciplina tem a ver com fazer aquilo que detestamos, mas que devemos fazer como se adorássemos.

P:Há muito dinheiro associado ao desporto. Ganhou muito. Acha que isso é, necessariamente, uma boa coisa? Os valores deveriam descer ou estão bem assim?

R:Não, não deveriam descer. Uma vez, eu e o Cus estávamos a falar de um combate. Na altura, eu era um adolescente, tinha 14 ou 16 anos e disse que determinado pugilista não merecia tanto dinheiro. Cus disse que merecia cada cêntimo, porque por cada contrato que assinamos há uma cláusula que não está escrita, mas que todos conhecem, que é a de podermos morrer durante um treino ou um combate. Por isso a recompensa é merecida.

P:Mas tanto dinheiro não corrompe? Não é possível ter algum controlo nisso?

R:Isso já acontecia muito antes de nós os dois estarmos aqui a falar e vai continuar a acontecer depois de nos termos ido embora. Tem a ver com a própria essência das pessoas. As pessoas precisam do dinheiro como de sangue para viver, por isso vai sempre haver corrupção.

P:Quero trazer mais algumas vozes do nosso público online. Mattu pergunta quem é que lhe deu o soco mais memorável de sempre.

R:Todos contra quem combati. Sempre que levo um soco, nunca esqueço.

P:Foi por isso que se tornou promotor? Tinha saudade deste mundo?

R:Não, não tenho saudade. Mas sei que agora é possível ajudar as pessoas. Porque o boxe e o desporto em geral são apenas um incremento na nossa vida. Quando isso passa, temos ainda muita vida para viver.

P:Como aprendeu a lição? Houve um ponto de viragem, teve alguma espécie de epifania ou foi algo que chegou lentamente?

R:Não sei. Penso que veio devagar, foi algo que demorou tempo a instalar-se. Levei tempo a crescer e a lidar com as responsabilidades da vida. Quando estamos a praticar boxe, ou râguebi, ou futebol, quando somos jovens, vivemos sem pensar muito nas responsabilidades.

P:Do que é que tem mais saudade nos velhos tempos?

R:Não há muita coisa de que tenha saudade. Se pensarmos que ganhava 30 a 40 milhões de dólares por combate, a fazer aquilo que queria, encontrava quem eu queria, via alguém na televisão, gostava, telefonava e encontrava-me com essa pessoa. Fazia o que queria. Mas não tinha paz.

Agora não estou no auge da carreira, não faço nem um décimo do dinheiro que fazia. Mas tenho desenhos animados e espectáculos. Algo que nunca teria acontecido quando estava no activo. Na altura, nunca me teria entendido com o produtor, teria sido arrogante. À medida que envelhecemos, vamo-nos tornando mais humildes. Aprendemos que, se não somos humildes neste mundo, é o mundo que nos atira a humildade.

·Mike Tyson nasceu a 30 de junho de 1966 num bairro pobre de Brooklyn (Nova Iorque).

·Teve uma infância complicada e aprendeu o boxe no reformatório.

·Cus D'Amato tornou-se agente de Tyson quando ele era uma jovem promessa.

·Em 1986, Mike Tyson tornou-se no mais jovem campeão mundial de pesos pesados. Perdeu o título em 1990.

·Tyson foi preso em 1992, acusado de violação, e passou três anos na prisão.

·Regressou aos ringues e, depois da reforma, tem-se dedicado ao mundo do espectáculo. É autor de uma autobiografia.

Você pode também gostar de:

Leave a Comment

Propriedade da Sociedade do Notícias, SA

Direcção, Redacção e Oficinas Rua Joe Slovo, 55 • C. Postal 327

Capa da semana