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“Já não há verdade no nosso futebol”

Por admin

Fernando Wetela, ex-vedeta do Namutequeliua, agora Sporting de Nampula,  mostra-se desiludido com o actual estágio do futebol nacional por considera-lo inquinado de corrupção. O desaparecimento da geração que fomenta este mal e o incentivo na formação dos dirigentes desportivos pode ser a solução para a reposição   da ordem.

Actualmente membro do corpo directivo de Sporting de Nampula, Wetela vem procurando resgatar moral e fisicamente tudo o que seja de “verde e branco”, em Nampula, através de uma gestão transparente e assente nos estatutos e programas da colectividade.  E as  coisas  estão a mudar, como constatámos quando da entrevista que segue, na capital do Norte.

  – Quando iniciou a sua actividade desportiva?

 –  Comecei a praticar o desporto como diversão na escola, em Maputo, sobretudo na Escola Industrial. Tentei jogar basquetebol no Maxaquene, depois passei para o Desportivo e, em 1980, fui para a Aviação Civil. Só que, nessa altura, era estudante do curso acelerado de professores do ensino técnico.

 E como pára em Nampula?

Depois do curso acelerado fui afecto ao Instituto Pedagógico de Nampula, em 1981. O pessoal que me conhecia achava que podia dar mais no basquetebol. Entretanto, porque o instituto se encontrava longe de onde se jogava basquetebol, optei por jogar futebol escolar do ensino médio e superior  e já que o Instituto Pedagógico estivesse ligado à Texmoque, preferi, então, jogar futebol na Texmoque.

– E no Namutequeliua?

 – A partir daí começaram a aparecer convites e, por via disso, fui parar no Namutequeliua. Na altura tive de juntar as profissões de futebolista e de docente na escola industrial.

– Que condições fornecia o Namutequeliua?

–  Na altura o Namutequeliua deu-me condições mínimas, como alojamento e alimentação. Portanto, em 1983, abracei a carreira futebolística sem colocar em causa o professorado. Porque, normalmente, as aulas eram nos períodos da manhã e da tarde, aítinha de optar por treinar sozinho de manhã, ou então, depois das 17 horas, já que os meus colegas treinavam no período da tarde. Mesmo assim, tive colegas do sector pedagógico que conseguiam fazer arranjos para que fosse possível juntar-me à equipa, já que se tratava de uma equipa que se notabilizava na cidade e na província de Nampula.

– Mas também havia outras equipas de relevo. Porquêa opção pelo Namutequeliua?

O  primeiro convite foi do Namutequeliua, embora o Muhaivire estivesse a disputar o nacional, achei que tinha de ganhar primeiro alguma tarimba no provincial, antes de me envolver no nacional. Por isso, preferi começar pelo campeonato provincial e, por essa via, chegar às competições de nível nacional.

–  Sendo professor e jogador, como conciliava essas actividades?

Era fácil, porque criava condições para tal. Gostava de dar aulas, mas também gostava de jogar. Dava o meu máximo como professor e depois ia treinar ou jogar como se fosse uma espécie de relaxamento complementar da outra actividade.

– E foi sempre assim…

– Nada disso, pelo contrário, o mais difícil foi quando a equipa participou no “Nacional”, porque tinha de imperiosamente viajar. Isso era difícil, porque tinha de envolver a direcção da escola. Aí as coisas eram outras.

– E como contornava isso?

 – Devo confessar que tive alguns problemas. Acabei criando certos problemas pela quantidade e valência das disciplinas que leccionava, obrigou-me a redobrar esforços.

– Que esforços?

  Devo reconhecer o apoio que tive de certos colegas e alunos que aceitavam, por vezes, termos aulas de recuperação. Tinha alunos dedicados e a direcção estava sempre de olho. Havia casos em que se conhecia a importância do jogo, mas a direcção da escola simplesmente não aceitava que viajasse.

– E qual era a sua atitude…?

– Nessa altura eu saía àrevelia e quando o director lesse o jornal na segunda-feira tecendo elogios a meu respeito, ele chamava-me só para demonstrar que quem mandava ali era ele. Tenho a dizer que, se calhar, ele tenha feito o pior.

– Porquê?

Porque acabou abandonando a educação por ele, propriamente, ter reconhecido que a educação não pagava bem. Coisa que eu nunca fiz.

– Mas, depois, também abandonou a educação…

– Pedi exoneração, em 1992, por opção própria porque tive convite das Telecomunicações de Moçambique (TDM) …

Como foi esse namoro?

– Nessa altura, eu já não levava o futebol a sério, mas jogava futebol de salão. Tive convite das TDM e como dessem melhores condições que a educação, aceitei o convite para trabalhar e jogar. Inicialmente, se pensava que pudesse colaborar no Instituto de Formação de Telecomunicações, mas, na prática, não foi o que aconteceu, acabei sendo integrado em áreas, eminentemente, técnicas.

– Que impressão tem sobre o actual estágio do panorama futebolístico provincial e nacional?

– Muito complicado e equilibrado. Por exemplo, já houve momentos em que o Ferroviário de Nampula conseguiu os níveis que atingiu, ombreando com as grandes equipas de Maputo. Neste momento, estamos num estágio em que já não se sabe onde se encontram os “grandes” do futebol. Éa opinião que tenho atéhoje em que se chega ao cúmulo de um Desportivo de Maputo descer de divisão e surgirem o Chibuto, Vilankulo, Ferroviário da Beira, etc., a fazerem as épocas que estão a fazer.

– Há factores específicos para isso?

– Para mim éuma fase que se deve aceitar no futebol, mas julgo que há muitos outros factores.

–  Quais?

– Por exemplo, os que se levantam em relação à arbitragem, jogo dos bastidores, envolvendo certos dirigentes e jogadores, embora sem muitas provas. Élamentável porque isso não só éreportado ao nível do Moçambola, assim como ao nível dos campeonatos provinciais

 – Em sua opinião, esses factores ilícitos condicionam a classificação do estágio evolutivo do nosso futebol…

– Estes factores degradam o futebol. Acredito que há equipas que só querem contar com onze jogadores em campo…. o resta a direcção resolve. Dá para entender que há evidências que ocorrem e que podem fazer com que as pessoas não vão aos campos para assistir o futebol.

–  Isso diminui espectadores nos campos de futebol?

– Não restam dúvidas, porque para além da qualidade inexistente, há uma antevisão forte de resultados.

-E isso acontece aqui em Nampula?

 – Sim! Acontece, porque, primeiro, fala-se muito de indivíduos que têm muito dinheiro e dessa forma compram o jogo ou o árbitro. Observando-se desta maneira, não vamos longe. Não há verdade no futebol.Quando decorria a Conferêrncia Nacional de Futebol, conversava com um antigo árbitro, o senhor Chirindza, e, de forma caricata, dizia que a corrupção não havia de acabar porque seria necessário que tal geração desaparecesse. Ganha-se jogos comprando-se guarda-redes, árbitros etc.,

– Como se pode eliminar isso?

 –Acho que deve aparecer uma cobaia que deverá pagar pela medida grande por tudo isso. O que acontece éque quando se acusa, exige-se provas e muitas vezes as provas apresentadas a vítima diz que mas isto não ésó aqui, acontece em muitos sítios. Deve-se promover punições severas ou adoptar-se uma nova mentalidade, de dirigentes formados com outros ideais e pensamentos porque assim não chegamos longe. Penso que éuma ilusão, porque se ganha no campo. Se levas uma equipa destas para um sítio onde há corrupção, a verdade vem àtona, o resultado aparece.

– Que prognósticos em relação à participação de Moçambique no CAN interno?

 – Oque vale éparticipar. Temos aquela equipa que émais barata, usamos Made in Moçambique por um treinador que é João Chissano, mas se nota no seu semblante de que só vai participar. O que vão ganhar são as viagens, porque se as promessas fossem de passar uma eliminatória ou ganhar o CAN acho que eles não iriam. Vamos aprender lá, fazendo, mas não sou muito optimista!

–  Que receita daria?

 – Que cada um assuma a sua missão. O árbitro assuma a sua imparcialidade, tendo coragem de negar certos incentivos. Que certas direcções e jogadores assumam uma postura que os dignifique e que assumam as decisões saídas da Conferência Nacional de Futebol. Se não for isso, acredito que com o futebol que se pratica desta maneira não se pode ir longe.

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