Desporto

Há falta de transparência nos clubes moçambicanos

A falta de transparência, sobretudo por parte dos dirigentes de clubes, dificulta o processo de desenvolvimento do futebol moçambicano, defende António Maninho Victor Gravata, presidente do Sindicato dos Jogadores de Futebol de Moçambique – SJFM.

Mais conhecido por Tony Gravata, o sindicalista dos jogadores de futebol entende que há muitos actores que não desempenham devidamente o seu papel para o desenvolvimento do futebol.

Vamos começar de si. Quis ou quiseram que fosse presidente do Sindicato dos Jogadores de Futebol de Moçambique?

Já fazia parte do grupo que criou o sindicato em 2004, juntamente com Ângelo Matenene, presidente cessante, João Chissano, Rui Évora, Alcides Chambal, José Gravata e  António Boene. Por várias razões o sindicato depois da sua criação ficou estagnado, com algumas pessoas a aproveitarem as oportunidades que as surgiram como a de seguir as carreiras de treinador e de dirigismo. Também porque não havia resposta desejada por parte dos jogadores. O sindicato ficou órfão dos seus criadores, tendo ficado lá somente Ângelo e José Gravata. Eu  continuei jogador e a observar que cada dia  a situação se tornava mais difícil. Acabei abordando Ângelo da necessidade de revitalização do sindicato para que se passasse a defender o jogador junto do seu empregador. Não havia quem defendesse os interesses do jogador, principalmente ao nível da imprensa.

Da imprensa!

Sim, da imprensa. Até hoje há mais espaço na imprensa para treinadores e dirigentes e muito pouco para o jogador, essa pessoa mais fácil de se criticar, sem oportunidade de se pronunciar em defesa própria.

Achava ou acha a imprensa não protege o jogador. É isso?

Não se trata de protecção, mas de dar oportunidade a todos. O protagonismo que a imprensa dá aos dirigentes não é o mesmo que dá aos jogadores, que são os actores do espectáculo.  

No seu entender, porque os jogadores desaparecem das páginas dos jornais?

Eu também gostava de perceber. Acho que o jornalista tem de ouvir todas as partes. Há muita coisa que acontece no futebol, envolvendo dirigentes e jogadores, mas a imprensa só traz a versão dos dirigentes, o que é mau.

Não admite que o jogador moçambicano pouco se abre a imprensa, mesmo estando a ser injustiçado?

Eu também comungo com esse pensamento de que o jogador se esconde muito. Talvez porque sabe que não tem nenhuma protecção e teme a represálias do patrão, já que desconhece os seus direitos. São várias as limitantes de um jogador de futebol. E os jornalistas se aproveitam dessa situação para destacarem aqueles que não são as estrelas do futebol.

Se eu quiser saber valor de contrato de um determinado jogador moçambicano ninguém me vai dizer, nem ele nem o dirigente, pelo contrário me chamam de fofoqueiro. Porém, leio nos jornais portugueses o que ganham os jogadores de Portugal, por exemplo. Aqui o jogador só procura pela imprensa quando não recebe. Como sair disto?

É preciso salientar o aspecto cultural que aos poucos vamos pondo de lado. Nós como sindicato de jogadores queremos que as coisas sejam mais transparentes, principalmente em matérias contratuais. Na Europa, onde a cultura é outra, qualquer transacção tem de ser comunicada e com valores expostos obrigatoriamente. Todos cumprem com as exigências contratuais com transparência. Recordo-me que uma vez saíram números de contratos e salários dos jogadores dos maiores clubes do país na imprensa, o que foi estranho porque a nossa sociedade não está preparada para isso. Foi como que tivesse havido invasão de privacidade, já que nós até nem temos declarado em casa o que ganhamos. É preciso que avancemos de forma gradual para esse estágio. Muito mais que tornar público aquilo que os jogadores ganham, é preciso que haja transparência na gestão dos fundos dos clubes, pertença dos associados, que, como pagantes de quotas, precisam de saber quanto se gasta para a contratação e salários de jogadores, de forma pormenorizada. Pelo contrário, há uma cláusula nos contratos de proibição do teor do mesmo. Em algum momento a questão de transparência na gestão dos clubes  têm de vir ao de cima. Os associados têm de saber por quanto foi contratado aquele e outro jogador, quanto dinheiro o clube movimenta por cada época. A transparência poderá diminuir as duplas inscrições de jogadores, que por vezes resultam de actos obscuros protagonizados pelos dirigentes. Com transparência o desporto fica mais limpo.  Hoje há clubes que venderam o seu património, mas os associados dos mesmos se interrogam sobre os valores envolvidos. Ninguém sabe nada dessas vendas, até o próprio Estado, como se os tais clubes fossem propriedades privadas dos seus dirigentes. Nem impostos pagam. Buscam-se fundos dos patrocinadores mas nunca se sabe como são gastos.

Desorganização dos clubes mancha tudo

 

Há dias apareceu na imprensa a dizer que se a situação de não pagamento de salários aos jogadores prevalecer o Sindicato poderá paralisar o Moçambola. Já agora, que diz dos jogadores que para jogarem tem de pagar dinheiro aos treinadores?

Paralisar o campeonato é uma possibilidade que o Sindicato tem. Os jogadores, sabendo dessa possibilidade, podem impor o mínimo das condições de trabalho. Não é nosso objectivo paralisar o Moçambola, mas o Sindicato tem força para isso. Somos pelo diálogo com os clubes, com a Federação Moçambicana de Futebol, com a Liga Moçambicana de Futebol,  com o Ministério da Juventude e Desportos e  com o Ministério do Trabalho para um trabalho harmonioso. Estamos contentes por ver que os jogadores vão aderindo ao sindicando. A paralisação do campeonato será sempre o último recurso. Não é com clubes que não pagam salários aos jogadores que a Liga vai ter boa visibilidade que lhe possibilite buscar mais fundos para melhor organização do Moçambola. Nós temos estado a assistir que os clubes estão muito desorganizados.

Não se trata de casos isolados?

Muitos deles não pagam salários aos jogadores durante muitos meses. Quando os jogadores se manifestam publicamente exigindo seus salários quem mais fica manchada é a Liga que tem esses clubes como associados.  Como ir buscar dinheiro em nome de clubes desorganizados, que não pagam salários aos seus jogadores? Alguns doadores recuam. Ninguém trabalha para não receber. O jogador de futebol é como qualquer trabalhador, tem família, precisa de alimentar a sua ferramenta de trabalho que é o seu corpo. Precisa de estar em boas condições físicas e morais para poder fazer bem o seu trabalho.

E não como aconteceu com os jogadores do Matchedje de Maputo o ano passado. Eram exigidos vitórias para a manutenção do clube no Moçambola, mas ninguém os pagava salários.

Como é que se ganham jogos com jogadores sem o mínimo para a sua alimentação? Eu não sei. E outra coisa, o problema do jogador que não recebe deve preocupar ao colega doutro clube que não tem falta de salário. Tem de haver solidariedade entre os jogadores, em torno do sindicato. No ano passado dois clubes do Moçambola, Matchedje e Estrela Vermelha da Beira, ficaram meses sem pagar salários. Noutras partes do mundo era motivo suficiente para o sindicato paralisar o campeonato até que se pagasse esses salários. A situação do ano passado não é nova no Moçambola. Olha, lá fora, aqueles que ganham muito param em solidariedade para com a aqueles que não ganham nada, até os jogadores do principal campeonato para com os dos campeonatos secundários. Nós não queremos criar problemas para os clubes, mas também os clubes que não criem problemas para os jogadores. Nós queremos ter a cópia do contrato do jogador para podermos acompanhar a sua carreira passo a passo. É melhor isso do que haver aqueles que conheçem os contratos dos outros porque tem pessoas da federação que os mostram.

Há treinadores e dirigentes

que cobram dinheiro aos jogadores

No nosso futebol há jogadores que para jogarem tem de pagar dinheiro aos seus treinadores. Que diz o sindicato?

Essa situação é daquelas que não dignificam o futebol profissional. É reprovável. Eu também já ouvi falar disso. Há treinadores que cobram dinheiro aos seus jogadores para poderem jogar. Outros cobram dinheiro para quem quer fazer parte do novo plantel. Não nos identificamos como eles, porque põe em causa o brio profissional do próprio treinador. O clube faz esforço para ir buscar dinheiro e trazer jogadores para o plantel de 24 elementos e depois descobre que muitos deles são jogadores sem qualidade mas que são aqueles que pagam o treinador para ocuparem os lugares dos melhores que são preteridos. E digo mais, essa situação não envolve só treinadores, envolve igualmente dirigentes de clubes. Eu tenho conhecimento de treinadores e dirigentes que fazem isso. Alguns colegas já me abordaram sobre isso.

Como age o dirigente?

O dirigente para colocar um jogador no clube pede ao mesmo sua comissão. Conheço esses dirigentes.

Isso já aconteceu consigo?

Comigo isso não ia acontecer. Eu sempre procurei fazer o meu trabalho condignamente. Para jogar nunca precisei de recorrer a favor de alguém. O jogador como quer jogar acaba aceitando aquilo que o treinador ou dirigente quer, que é suborná-lo. Há jogadores que não precisam de pagar para jogar, mas há treinadores sem vergonha que cobram a todos. O dirigente diz que do seu contrato dá-me metade.   O treinador diz ao atleta que do  seu salário dá-me tanto. Porque o jogador é o elo mais fraco, há-de aparecer alguém a dizer que é ele que toma a iniciativa de pagar o treinador.  

O que ganha de salário o jogador profissional moçambicano é satisfatório?

É melhor do que ganhava nos anos passados. Mas ao nível social muita coisa subiu de custo, num mercado verdadeiramente consumista. Aquilo que parece muito, não é. Comparado com o que o funcionário público ganha, o que ganha o jogador é elevado, mas a sua carreira é curta.

Não é por causa de consumo excessivo de álcool que a carreira do nosso jogador é curta?

Tive colegas que bebiam muito mas sabiam o que queriam e quando deviam beber. Quem é jogador deve saber cuidar do seu corpo, evitando álcool e outras drogas, perca de noites, apesar de ser como o outro homem que precisa de se socializar. Deve agir de acordo com o regulamento que lhe é apresentado na sua contratação. Se o regulamento diz que nos dias de folga deve estar em casa até duas horas deve cumprir, cabendo ao clube a fiscalização. Os jogadores de lá fora bebem muito mais do que os daqui. Talvez tenham melhores condições de recuperação nos seus clubes. Ninguém é proibido beber, o que se exige é que cada um saiba quando deve faze-lo e em que quantidade. Os clubes é que devem fazer cumprir as regras de conduta dos jogadores dentro e fora. O jogador lá fora representa o clube.

Essa regra de conduta consta dos contratos?

No Maxaquene e no Ferroviário de Maputo encontrei regulamento interno que definia como nos devíamos comportar dentro e fora do clube.

No Matchedje e no Estrela Vermelha de Maputo não encontrou esse instrumento de trabalho?

Não encontrei. Pelo menos a mim não foi dado. Importa sublinhar que no Maxaquene e no Ferroviário só me deram papéis. Ninguém fiscalizava nada para cumprimento do que se dizia ser regulamento interno. Eu é que tinha consciência de que não devia fazer isto e mais aquilo para o meu bem profissional. O clube tem de ser interventivo, saber controlar…Deve ir ver se o seu jogador participa ou não nos jogos do bairro no período defeso. O contrato do jogador é claro na proibição do jogador em participar em jogos do bairro. Mas o clube moçambicano não faz nada. Nós como Sindicato queremos que o clube não deixe que o seu jogador pratique futebol no período de defeso como formar de salvaguardar o seu estado físico. Vamos ajudar o clube nesse sentido. Nós queremos ter uma cópia do contrato do jogador para sabermos os compromissos assumidos pelas partes.  

Nosso sindicato é para todos

Todos que jogam futebol podem ser membros do SJFM?

Basta ser jogador, mas é preciso formalizar a condição de membro do sindicato. Estamos a criar banco de dados para  ficarmos a conhecer o número de membros. E para que o sindicato tenha o mínimo de condições é preciso que o membro pague quotas. Temos pessoas que nos ajudam, como na parte jurídica,  que precisam de ser compensadas.

Neste momento donde trazem dinheiro para, por exemplo, pagar o arrendamento do espaço físico que ocupam como sede?

Dos nossos bolsos.

Já tem delegações provinciais?

A nossa meta é estarmos representados em todas as províncias. Queremos atender os problemas dos jogadores lá onde trabalham e vivem. Neste momento temos algumas pessoas em algumas  províncias com quem temos mantido contactos.

Um jogador pode recorrer ao sindicato para pedir apoio em caso de desacordo com o seu clube?

A ideia do sindicato é ajudar e dar assistência ao jogador. Felizmente, no nosso grupo há juristas. Vamos estabelecer parcerias em várias áreas, incluindo jurídica. Também estamos preocupados com o tipo de balneários que os clubes disponibilizam aos seus jogadores. Há clubes com balneários na imundice total, o que não abona com o futebol profissional. Queremos higiene e segurança no trabalho.

 Pior estão os campos de futebol!

É disso que ia falar. Os campos precisam de ser melhorados. No princípio de cada época há inspecção dos campos onde vão decorrer os jogos do Moçambola. Muitos são aprovados sem mínimas condições, o que é visível na primeira semana que a prova começa. Queremos que os clubes engajem-se mais na manutenção dos pisos dos campos. Que haja inspecções no meio da época. Em todos os jogos os treinadores reclamam das condições dos campos  e de seguida são sancionados. Espero que o seu sindicato lute contra essa injustiça. Não é possível ter bom futebol quando não se tem bons pisos para jogos. É isso que os treinadores e jogadores estão sempre a reclamar e como resposta são suspensos.

Aquele que depois de jogar abraçou a profissão de treinador pode ser membro do sindicato de jogadores?

Nós não fechamos as portas ao antigo jogador. Muitos dos antigos jogadores de  futebol não estão bem de vida. Nem todos conseguem ser treinadores de futebol. Queremos que aquele que foi jogador tenha a reinserção social. Mesmo aquele que não tenha praticado futebol, se estiver interessado pode ser membro do sindicato dos jogadores.

Eu também!…

Sim, pode. Não vetamos a ninguém.

O sindicato tem existência legal?

Dentro de dias vai ter os seus estatutos publicados no Boletim da República. Seguir-se-á a filiação ao Sindicato Internacional de Jogadores de Futebol – FIFPRO.

Como classifica o actual estágio do futebol nacional, de mau, suficiente, bom ou óptimo?

Não é fácil avaliar o nosso futebol, mas as coisas não estão bem, o que se reflecte no que é praticado em campo, assim como nos resultados que obtivemos internacionalmente. Naturalmente não está bom. Tens o jogador com deficiências desde a sua formação. E o próprio jogador tem de se dedicar mais e ter vontade de jogar bem.

Manuel Meque

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