Desporto

Ganhei o que procurava no futebol

Os mais novos poderão dizer que não o conhecem, pois não viveram o momento bom e bonito do futebol de Moçambique independente, de que Daniel Cuta (Danito I) foi das principais “estrelas”. Era dos motivos que levava multidões aos campos. Foi dos mais famosos jogadores de futebol, que brilhou do bairro à selecção nacional, com o Ferroviário no sangue e no coração.

Não se considera frustrado por não ter ganho muito dinheiro, porque conseguiu o que lhe levou ao futebol, a fama, e amor às cores dos clubes que representou e do país. Fez o que tinha por fazer e ganhou o que tinha para ganhar. Hoje é líder da equipa técnica da Academia Brilho do Sol Arco-Íris, na zona do Zimpeto, cidade de Maputo, mais para formar novos jogadores que para amealhar o dinheiro que não ganhou quando jogador.

Danito, se lembra porque jogava futebol?

Jogávamos para sermos famosos, reconhecidos e respeitados e não para sermos ricos. Existia muito amor à camisola. A pessoa dizia, eu sou do Ferroviário, não posso ir para outro clube.

Como se relacionavam entre jogadores da mesma equipa?

Cada um na equipa procurava ser melhor que os outros. A competição começava no seio da equipa.

Na hora de pendurar as botas, se sentia feliz ou triste?

Quando deixei de jogar estava feliz. Havia realizado o sonho de ser campeão nacional e jogador da selecção por várias vezes. Queria ser grande jogador, como Calton, Gil, Chababe, Joaquim João, assim como outros da referência do futebol nacional na altura em que eu era criança. Mas, mais do que isso, queria ser melhor do que eles.

Conseguiu?

Graças a Deus! Com trabalho consegui vencer. Primeiro pertencia a uma equipa do Aeroporto, que se denominava Coelho Futebol, com a qual em 1980 fui campeão do torneio que se realizava no Nuariri (um campinho próximo do Muhafil).

Como aparece no Ferroviário de Maputo?

Porque na altura todos faziam algo para o seu clube ter bons jogadores, ganhar todos os jogos e ser campeão, um adepto “locomotiva” levou toda a nossa equipa do Aeroporto para formação no Ferroviário de Maputo, onde fomos aprender mais de futebol com Joaquim João, Rafael e Nicolau, que para além de nossos treinadores jogavam pela equipa principal. Nessa altura, escolas de futebol só existiam no Ferroviário, Desportivo e Maxaquene. Eu enquadrei-me no Ferroviário. Outros não. Em 1982 ingressei nos juvenis. Fiz duas épocas nos juvenis e duas épocas nos juniores. Fui várias vezes campeão nos dois escalões. E já subia para seniores…

 Subia, descia…

Eu já era promessa e fazia parte da selecção sub-20, da qual, partindo da Suazilândia, onde tínhamos ido jogar, alguns jogadores fugiram para a África do Sul, dentre eles Lázaro, Antoninho. Sem sucesso na terra do rand, regressaram ao país. Ficaram duas épocas sem jogar por causa desse pecado de terem ido no país do “Apartheid”.

Não foi difícil fixar-se em definitivo na equipa principal?

Apesar de talentoso, só viria a ser efectivo quando uma parte dos jogadores do Ferroviário teve que “saltar o arrame” para a África do Sul à procura de dinheiro que cá lhes faltava, casos de Pelembe, Vicentinho, Kadango, Isaías… Subi para o escalão maior juntamente com João Chissano, este que na época seguinte desertou para o Costa do Sol. A partir de 1986 já era dos jogadores mais sonantes de Moçambique. Todo mundo me admirava.

E como se sentia?

Sentia que era possível ser dos melhores jogadores de Moçambique. E começava a disputar o título de melhor marcador. Concorri taco a taco com Calton, mas acabei perdendo a disputa por causa de uma lesão de um mês. O Ferroviário ficou em segundo e Desportivo de Maputo foi campeão nacional. Em 1989 fomos campeões nacionais e fizemos a dobradinha vencendo o Desportivo na final da Taça de Moçambique. Foi o ano em que fui considerado o melhor jogador de Moçambique. No jogo decisivo derrotamos o Desportivo com o meu golo, depois do empate a zero na primeira volta.

Por que havia se transferido para o Maxaquene?

Desentendi-me com a direcção do Ferroviário devido ao contrato de trabalho. Então, fui fazer duas épocas no Maxaquene, onde em 1984 fui vencedor da Taça de Moçambique. O Ferroviário aliciou-me para regressar. Regressei, quando já tinha retornado à selecção nacional.

Treinadores devem

 libertar os jogadores

Em que lugar gostava de jogar?

Eu era médio esquerdo. Actuava mais nas extremidades para a linha de fundo, donde partia à busca do golo. Arnaldo Salvado mudou-me para médio direito, onde tive outras características e a minha fama aumentou. Sempre com o meu companheiro Danito II (Nhampossa). Depois se juntaram a nós os marcadores natos de golos, que nos deixaram mais folgados. Eram eles Arnaldo Ouana, Eugénio, Mavô, Fumo II, Tembe, que aproveitavam os nossos passes para marcarem golos.  

Está a falar daquela equipa que o malogrado Mário Coluna considerava de melhor de África?

Essa mesma que era sempre candidata ao título juntamente com o Costa do Sol, com uma e outra intromissão do Maxaquene, Desportivo ou Matchedje.

Nessa altura o que mais lhe marcou?

O que mais me marcou foi termos chegado às meias-finais da Taça CAF, a mesma que se denominada Taça Nelson Mandela, destinada aos vice-campeões nacionais, que tínhamos sido em 1991.Em Uganda empatamos 1-1, com golo de Zabo (falecido). Aqui em Maputo marcamos primeiro, mas por infantilidade sofremos golo quando festejamos no meio campo do adversário. Bastou que dois jogadores dos nossos terem atravessado a linha divisória (que divide o campo) para que os ugandeses corressem com a bola para o golo de empate. Foi jogo adiado de domingo para segunda-feira por demora dos árbitros suazis. Perdemos nos penaltes. Primeiro fui eu a falhar. Seguiu-se a falha de um adversário. Nhaca Júnior falhou o nosso segundo penalte. E perdemos por 3-4. A culpa da derrota recaiu para mim, porque era mais experiente e ninguém esperava que a sua estrela falhasse.  

O outro momento triste da minha carreira foi no jogo Moçambique – Namíbia, no Estádio da Machava, a contar para o CAN da África do Sul. Estávamos a ganhar por 2-0 e a fazermos bom jogo. Perdi a bola no meio campo. Eles tomaram conta dela e foram marcar para 2-1. Ao intervalo o “mister” Bondarenko me substituiu. Fiquei muito abalado, porque quem erra procura rectificar o erro. O treinador não me deu chance de me redimir.

Não teve momentos bons marcantes?

Lembro-me do jogo de repetição com Matchedje, no Estádio da Machava, numa terça-feira. O primeiro foi no sábado. Marquei um dos grandes golos da década de oitenta, do meio campo. Vencemos por 2-1. E recordo-me quando nos qualificamos para a Liga dos Campeões Africanos, em 1986. Vencemos por 4-1 a uma equipa do Lesotho. Derrotamos uma equipa de Madagáscar por 4-1 aqui e por 1-0 lá. Vencemos o Sagrada Esperança de Angola por 3-2 cá e perdemos lá por 2-3. Passamos nos penaltes. Ganhamos a uma equipa da Costa do Marfim por 2-0 lá e aqui por 3-1. Na quarta eliminatória perdemos nos Camarões por 1-0 e vencemos aqui por 4-0, a justificar a alcunha de “Chapa 4”. Qualificamo-nos para a Liga dos Campeões Africanos. Fomos a fase de grupos, onde cruzamos com Zamalek e outras equipas do topo do futebol africano. Não conseguimos passar para a outra fase, mesmo tendo ganho ao Zamalek cá por 2-0 e a uma equipa de Gana por 2-1. Conseguimos o terceiro lugar com sete pontos. Foram bons tempos do futebol nacional e do Ferroviário de Maputo, em particular.

 Como avalia o futebol de hoje em comparação com aquele vosso?

O futebol evoluiu. É mais táctico. Era mais individual e ao mesmo tempo colectivo. Hoje não há desequilibradores de jogos. Hoje joga-se com muita técnica e táctica. O jogador está preso ao que o treinador quer. Deve-se libertar o jogador. Eu ensino as crianças a saberem desenvolver as suas capacidades durante o jogo. Não basta aquilo que o treinador diz para fazer.

Governo deve encarar

desporto como negócio

Tem algum conselho a dar ao Governo de como olhar o desporto?

Que o Governo olhe o desporto como negócio. Não pensar que só gasta dinheiro. Se se ultrapassar esse pensamento, podemos ir muito longe com muitas modalidades.

Basta só isso!

Precisa de saber olhar o desporto como coisa que faz muito dinheiro. Para tal, deve incentivar a criação de campos comunitários e municipais. E formar treinadores de formação para trabalharem nesses campos.

 É treinador da Academia Brilho de Sol Arco – Íris. Não sente vergonha em treinar crianças?

Não sinto vergonha. Passei dessa fase. Gosto de ensinar. Sinto-me orgulhoso. Não me chateio com crianças. É aqui onde deviam trabalhar os outros, aqui onde eu estou a ensinar os miúdos a serem como fui.

Não gosta de receber muito dinheiro?

Enquanto não houver oportunidade, fico aqui a trabalhar com as crianças, mesmo sem ganhar muito dinheiro. Nem me sinto arrependido.

Quando jogador qual era o seu doping?

 Meu doping era treinar muito. Descansar muito. E respeitar os adversários.

Quem admirava?

Sempre admirei Pelé, o Rei Pelé.

 É pai de quantos filhos?

Sou pai de cinco filhos e avô de três netos. Tenho cinquenta anos de idade.

Esses filhos, esses netos também são desportistas?

Alguns são desportistas e optaram pelo futebol e basquetebol. A mais nova, Daniela, escolheu o basquetebol. Primeiro jogou pelo Ferroviário e depois Desportivo. As outras seguiram o futebol. Estrela começou pelo Costa do Sol e joga pelo Benfica de Laulane. Ninica está no Costa do Sol e selecção nacional. Nonó também é “canarinha.

Manuel Meque
manuel.meque@snoticicas.co.mz

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