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Estou a quatro segundos dos Jogos Olímpicos 2016

Por admin

Quatro segundos! Muito ou pouco, não importa, este é o tempo que (ainda) separa a nadadora Géssica Stagno dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro – 2016. Um sonho que a atleta promete concretizar a todo custo. Empenho garante que não vai faltar.

Aos 21 anos, Géssica Stagno está a escassos quatro tic-tac do relógio para realizar um sonho que alimenta no seu interior há praticamente 17 anos, quando se fez à água duma piscina pela primeira vez.

Cedo ouviu falar dos Jogos Olímpicos como a maior festa desportiva do Globo e foi se perguntando que requisitos eram necessários para chegar lá. Ao longo da carreira foi obtendo respostas.

Mas a última é sempre a mais importante e chegou numa prova disputada em Maputo. No torneio de Especialistas “Manuel Tomé”, na prova de 100 metros mariposa, a nadadora do Clube de Natação Tubarões de Maputo fez o tempo de 1:04.88, que veio renovar as aspirações de atingir o mínimo olímpico para esta prova, fixado em 1:00.00.

Mau grado em 2011 ter interrompido a carreira, se calhar, a esta altura, outro galo cantaria. Mas está de regresso e em grande.

Recorda-se com desgosto das razões que ditaram a paragem:

– Quando resolvi parar não foi porque estava a perder ou não fazia bons tempos, por acaso conseguia boas marcas, há três anos estava no meu auge, ainda que não melhor que actualmente. Estou na natação há cerca de 17 anos, a federação naquele tempo não se aproximou de mim para me incentivar, eu era a melhor atleta de Moçambique, a federação tinha muitos motivos para investir em mim e não o fez. Preferiu investir noutras atletas, não condeno, mas não mostraram resultados, foi o principal motivo que me fez parar de nadar em 2011.

Recorda que sempre esteve pronta e faltou-lhe o apoio necessário quando mais precisou dos dirigentes federativos. “Sempre estive pronta, sempre fui uma atleta dedicada e sempre tive o objectivo de colocar o país no topo e não tinha ajuda de ninguém, tirando do meu treinador Frederico dos Santos, aquilo cansou-me e eu disse não quero mais”.

Contudo, as diferenças com a federação não influenciaram no desempenho da atleta nos Jogos Africanos Maputo 2011, até porque nos faz questão de lembrar que para aquele evento a fasquia esteve sempre abaixo.

– Não tinha um objectivo gigante naqueles jogos, digo um objectivo do tipo ganhar uma medalha. Ainda tinha muito que trabalhar, aquele campeonato para mim foi muito bom.

O REGRESSO

Quando sumiu das piscinas, Géssica Stagno abriu vaga para o aparecimento doutras estrelas, a exemplo de Jéssica Cossa, Raquel Lourenço ou mesmo para a nova descoberta que dá pelo nome de Yannah Sonneichein.

Em finais de 2014 a atleta decidiu regressar à competição e em quatro meses já recuperou o trono, agora fixando novos recordes nacionais.

E as razões de regresso são até simples:

– Primeiro mudou a minha mentalidade, voltei a nadar em 2013 e parei novamente. Voltei há quatro meses e estou muito motivada pelos resultados que estou a ter. A minha mentalidade foi determinante. Também o apoio que tenho do meu treinador, do meu clube, Tubarões de Maputo, por isso voltei e estou a ter resultados espectaculares.

Mesmo assim, não se assume como principal esperança de Moçambique atingir o pódio em femininos nos Jogos Africanos deste ano. Aliás, confessa que está de olho nas “Olimpíadas” do Rio de Janeiro, em 2016.

Diz-nos que uma medalha nos Jogos Africanos será sempre bem-vinda, mas o grande objectivo são os Jogos Olímpicos do Rio 2016. Faz todo sentido porque desde menina que sonha com uma presença nos jogos planetários.

– Sempre sonhei com os Jogos Olímpicos, vou treinar e trabalhar para estar no Rio de Janeiro, estou a quatro segundos do mínimo olímpico na prova de 100 mariposa. Portanto, estou contente e vou trabalhar para isso. Os Jogos Africanos serão um impulso para dar o meu melhor e se possível conseguir uma final. O objectivo é estar numa final, seria bom Moçambique estar no pódio em África.

Muitos pensam que treinando em Maputo e com técnico moçambicano é quase impossível alcançar um mínimo olímpico. No passado Géssica também pensou assim, mas o quotidiano na piscina Raimundo Franisse fez-lhe mudar de opinião.

– Partilhava dessa ideia porque não tínhamos condições. A piscina do Maxaquene só tinha uma pista para muitos atletas. Agora o meu clube dá condições para desenvolver, não somos muitos na mesma pista a treinar. Para além disso, o treinador que eu tenho, que é o Frederico dos Santos, sinceramente falando, ele é o melhor treinador de Moçambique, tem capacidade de nos fazer treinar cá, com as condições que temos, fazermos mínimos, eu acredito nisso.

Abre os olhos e alarga o sorriso para repisar que “vamos conseguir, é só continuarmos a trabalhar e termos foco naquilo que queremos, independentemente das condições existentes. Acredito que vamos alcançar os mínimos”.

Uma crença sustentada nas marcas registadas em recentes competições domésticas. A atleta sublinha que atingiu um nível que nunca antes tinha logrado. E acredita que ainda pode melhorar.

Acredita em Deus, o primeiro segredo. E na sua capacidade, o segundo. Para tal, está a cumprir treinos bi-diários, de manhã e à tarde. “Além disso temos que ser rigorosos, ter disciplina, saber o que queremos e lutar para isso”.

Por enquanto faz cinco a seis horas, que lhe permitem atingir seis mil metros diários. O que ainda é manifestamente pouco para um atleta olímpico, que faz muito mais.

– O que devemos fazer é treinar mais tempo, estar mais tempo na água, mas infelizmente o trabalho e a escola não ajudam. E isso não é só na natação, infelizmente estamos num país que o desporto não é valorizado. Infelizmente temos atletas que desistem por causa do trabalho ou da escola. Eu, felizmente, tenho um patrocinador que é onde eu trabalho, e eles compreendem que devo treinar, isso me ajuda.

CRONÓMETRO É

O PRINCIPAL ADVERSÁRIO

Géssica Stagno praticamente não tem adversário no seu escalão. É vítima do sistema. Aqui, a maioria das nadadoras quando atinge os 20 anos faz outro tipo de contas, que, invariavelmente, o resultado não coincide com a prática desportiva.

Por isso, a concorrência em seniores é praticamente nula. Esta situação não contribuiu favoravelmente para o desenvolvimento da nadadora.

Como recurso, Stagno redobra o trabalho psicológico e já definiu um adversário não humano: o cronómetro:

– Meu objectivo não é ganhar uma colega do clube ou uma adversária, mas ganhar o tempo que me proponho a fazer. Tenho que fazer determinado tempo, se tenho adversaria ou não, é de menos. Se me limitar a uma adversária, não seria possível, porque Moçambique não tem atletas para o meu nível que podem puxar por mim, são mais novas, menos experientes, tem de trabalhar mais.

Vai nadando todo tipo de provas, mas identifica-se melhor com as competições de 100 e 200 mariposa, sua especialidade, e, por, isso, onde respira maior confiança.

De resto, a fundista projectou vários tempos a atingir este ano em diferentes provas. O torneio “Nadador “Completo” servirá de barómetro para as metas definidas.

– O campeonato onde pretendo atingir o meu máximo do ano é o Nadador Completo, sobretudo nos 100 livres. Não sou velocista, mas estou surpreendida com os tempos que estou a registar e julgo que posso fazer mais. Quero fazer 59 segundos. No momento penso nos 100 e 1500 livres. Bati o recorde de Ximene Gomes que estava há mais de 15 anos, quero melhorar o recorde para que fique por mais tempo. Quero melhorar nos 100 e 200 mariposa, 200 estilos. Estou a nadar tudo por isso quero melhorar em tudo.

Recentemente, Géssica Stagno pulverizou o recorde fixado há 17 anos por Mariza Gregório. Ainda assim, perguntamo-lhe por que razões perduram alguns tempos fixados há mais de 20 anos.

– Felizmente, no campeonato passado bati o recorde de Mariza Gregório de 200 mariposa fixado há 17 anos, que era 2.33 e fiz 2.27. Ela fixou o recorde aos 22 anos e eu bati aos 21. Provavelmente seja esta a fase que os atletas moçambicanos atingem o nível máximo em femininos. Em masculinos temos atletas juniores como Ahllan Bique e Denilson da Costa a fazerem tempos de séniores. Tempos que não eram feitos pelos séniores no passado. Nos femininos devemos trabalhar muito, é a nossa natação, desenvolvemos mais na idade adulta.

Piscina do Zimpeto

sempre indisponível

A utilidade da piscina do Zimpeto, única olímpica em Maputo, foi dos temas abordados com a nadadora Géssica Stagno.

Antes não tínhamos a piscina do Zimpeto. Aquela infra-estrutura mudou muito o vosso desempenho?

Não.

Porquê?

Porque primeiro a piscina está no Zimpeto e nós estamos na cidade. Falta transporte e o tráfego é intenso. Não treinamos lá, nos dias de competição a piscina até é estranha para nós próprios. Treinar na piscina uma vez por semana não é nada. E a piscina quase sempre não está disponível.

Está satisfeita em atacar o mínimo olímpico na piscina Raimundo Franisse?

É sempre melhor treinar e competir numa piscina de 50 metros, porque os Jogos Olímpicos vão decorrer numa piscina de 50 metros, seria ideal se treinássemos todos os dias numa piscina de 50 metros. Os nossos vizinhos sul-africanos são melhores que nós e treinam em piscinas olímpicas. Vamos ver se existem condições para treinarmos no Zimpeto, porque é importante.

Não tendo adversária no seu escalão, onde busca a motivação?

Em primeiro lugar no Deus, segundo amo a natação, voltei a nadar porque amo o desporto e o país, sempre sonhei levantar a bandeira do país em grandes competições. Creio que é possível acontecer, adversário não importa muito, mas o que gosto do fazer. O limite é o céu.

Treinar no estrangeiro não é

passaporte para “Mundiais”

Géssica Stagno encara com desdém os critérios seguidos pela Comissão Técnica da federação de natação nos últimos anos para a selecção de nadadores para competições internacionais.

Conforme defende, o país está prenhe de experiências de atletas que, mesmo se treinando no estrangeiro, não melhoraram suas marcas, e, pelo contrário, baquearam quando chamados a competir internamente.

– Tivemos experiências passadas e os atletas que tiveram bolsas não tiveram mínimos olímpicos, não temos um atleta na natação moçambicana com um mínimo olímpico a treinar fora. Temos aqui em Maputo o Denilson da Costa, que é um miúdo, treina cá mas está a centésimas do mínimo olímpico. E ele treina aqui comigo, portanto, bolsa olímpica para fora não resolve o problema.

Sustenta que “as experiências demonstram que a federação não acompanha o atleta. Se a federação não segue o atleta não vale a pena dar uma bolsa olímpica. O atleta está fora do país, não tem amigos, está noutro ambiente, e não vai desenvolver, foi o que aconteceu com os atletas que no passado foram treinar fora e eram quase sempre selecionados para as competições internacionais, onde não alcançaram resultados positivos”.

Reconhece que em natação quatro segundos é bastante, sobretudo numa prova de velocidade como é o caso de 100 mariposa, a tal que pretende atacar para chegar ao Rio de Janeiro com mérito.

– Quatro segundos para uma prova de 100 mariposa não é pouco. Estou preparada física e psicologicamente para baixar o tempo, sei que não é fácil, mas tenho um ano e meio para isso. Tenho campeonatos para isso, vou estar em competição, penso que vou conseguir, é uma questão de acreditar apenas. Quero atingir o mínimo olímpico a treinar em Moçambique, porque treinar fora não é passaporte para os Jogos Olímpicos.

Custódio Mugabe

 

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