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Dirijo o desporto com muita paixão

Por admin

Responde pelo nome de Ornila Machel e dirige o desporto e a juventude na Cidade de Maputo desde 2014. Filha do primeiro presidente de Moçambique, Samora Machel, sonhou ser médica, mas formou-se em pecuária e terminou no desporto, outra paixão de infância.

Na semana da Mulher moçambicana, domingo conversou com Ornila Machel para medir o pulsar do desporto da capital do país e buscar algumas das suas vivências.

Desde quando dirige o desporto e a juventude na Cidade de Maputo e como encara estes dois sectores?

Dirijo o desporto e a juventude desde Janeiro de 2014. São duas áreas de muita paixão. A juventude é um sector de muita paixão para mim, primeiro porque já fui jovem, não digo que seja velha, sou menos jovem, ainda sou jovem. Sei quais sãos os desafios, os anseios da juventude. O desporto é uma área de muita paixão para mim, porque para além de eu ter sido desportista, também sou profissional do desporto. É no desporto que nós desenvolvemos a mente e o físico, não é por acaso que existe a máxima de que mente sã em corpo são. Fui desportista, gosto de praticar desporto. Mais ainda porque o desporto é o maior e melhor meio de socialização. Quando colocamos uma bola a frente, mesmo que haja divergências entre as várias pessoas relacionadas com o status social, grupo religioso, agregação politica, esquecemos tudo isso e jogamos em conjunto.

Actualmente quais são os programas principais em execução?

Nossos grandes desafios na área da juventude são a promoção e fortalecimento do movimento associativo juvenil, o financiamento de projectos de geração de rendimento e auto sustento como uma forma de contribuir para a redução da pobreza, e temos ainda o desafio de renovação ou recuperação da implementação do programa geração BIZ. Sabemos perfeitamente que a nossa cidade é cosmopolita, e como tal tanto recebe muita coisa boa e distribui, como recebe tanta coisa má e distribui. Estamos a dizer que o índice de seroprevalência na Cidade de Maputo é elevado, principalmente na camada juvenil, por isso é um dos nossos anseios reactivar o programa geração BIZ. O quarto programa é de investimento que é de construção de centros juvenis comunitários.

E no sector desportivo, o que estão a fazer?

O nosso principal desafio é a maior massificação possível do desporto como forma de ocupar as crianças e os jovens durante os seus tempos livres através da implementação do programa Férias Desportivas. Temos também a formação nas várias vertentes e na alta competição prestamos o maior apoio possível para que maior número de equipas da Cidade de Maputo participe nas grandes competições.

Como avalia a saúde desportiva escolar na Cidade de Maputo?

É um processo que podemos considerar crescente. Já começamos a sentir um maior envolvimento de crianças e adolescentes praticantes de desporto nas escolas, através dos programas dos Jogos Escolares e com um maior incentivo e entrega do Governo temos sentido crescimento no que diz respeito ao envolvimento deste grupo alvo, mas também na entrega dos profissionais de deporto, professores de educação física, que tem transmitido aos jovens os conhecimento da necessidade da prática desportiva.

Está satisfeita com os resultados desportivos a esse nível?

Sim, nós testemunhamos o crescimento no último festival nacional realizado ano passado em Pemba. Sentimos que houve maior número de participantes e uma melhor organização, porque um dos calcanhares de aquiles nos Jogos Escolares é a falsificação de idades. No último festival isso não aconteceu, sinal de que há maior responsabilidade de que a falsificação de idades não é boa, não é salutar para quem quer que seja. Primeiro porque somos educadores, os professores são educadores, se começa deles estão a transmitir más coisas, irresponsabilidade e falta de respeito às novas gerações e não é isso que queremos. Queremos uma geração honesta, pura e trabalhadora.

TRABALHO EM EQUIPA

Qual é a essência e alcance do programa Férias Desportivas? Não é apenas outro nome do torneio BEBEC?

É mais do que o torneio BEBEC. É uma resposta ao programa Moçambique em Movimento do Ministério da Juventude e Desporto, em que o objectivo é massificar o desporto com o objectivo essencial de ocupar as crianças adolescentes e jovens duma forma saudável. As actividades acontecem principalmente durante o defeso lectivo. Sabemos perfeitamente que a nossa cidade não oferece muitos espaços em condições para a ocupação destes meninos, então o desporto ocupa-os de forma saudável.

Quantas crianças e de que idade estão envolvidas?

O nosso grupo alvo são crianças dos oito aos 14 anos, dependendo da modalidade que estão a praticar. Chamamos de programa Férias Desportivas porque acabamos aglomerando um conjunto de modalidades. O programa engloba o torneio de futebol BEBEC que vai na sua 28ª edição. O programa começou com o BEBEC mas concluímos que nem todas crianças estão interessadas em praticar o futebol, então alargamos o leque para fornecer outras opções, por isso não chamamos apenas por BEBEC e demos o nome de programa Férias Desportivas. Em cada ano conseguimos agrupar cada vez mais crianças. De há quatro anos para cá conseguimos atingir cerca de 50 mil crianças por ano. São crianças que colocamos fora dos males que existem na nossa cidade. É um programa multifacetado porque não só é de prática do desporto, mas há outras actividades transversais que acontecem durante esse período.

Quais são essas actividades?

Temos actividades de educação cívica, moral e patriótica, outras sobre saúde sexual reprodutiva porque estamos a trabalhar com uma faixa etária considerada janela aberta, que é nesta idade onde moldamos as crianças. Se assumimos que a Cidade de Maputo tem uma taxa de seroprevalência elevada, temos que começar com esta idade para ensinar as crianças a precaverem-se do uso e consumo de drogas, incluindo as bebidas alcoólicas.

Fora das férias escolares não acontece nada?

Há actividades similares, mas o ponto mais alto é durante as férias escolares, enquanto estiveram nas escolas, as crianças ocupam-se lá. Durantes as férias curtas e datas comemorativas o movimento é maior.

Quando se fala da Cidade de Maputo fala-se também de elevado consumo de álcool. Como a direcção de Maputo encara esse fenómeno?

É uma preocupação muito grande e o programa Férias Desportivas também responde a esse problema ocupando os jovens de forma salutar. Mas também temos o comité intersectorial de apoio ao desenvolvimento do adolescente e jovem que é um programa multissectorial que envolve várias instituições públicas, o qual prevê várias acções de protecção da juventude.

Como olha a disponibilidade de infra-estruturas desportivas na Cidade de Maputo? Está orgulhosa do que tem?

Estou orgulhosa porque tenho algumas, mas não estou satisfeita, tenho ambição para que haja mais. Gostaria que houvesse mais espaços desportivos comunitários porque a maior parte dos recintos desportivos é para o desporto de alta competição. Aquelas crianças que não fazem parte do desporto de alta competição estão de certa forma renegadas. Em resposta aos programas do Governo, através do Conselho Municipal, há uma preocupação de recuperação, registo e alargamento daqueles espaços comunitários existentes nos bairros.

Como tem sido a sua experiência de dirigir o desporto em Maputo como mulher?

É uma aposta muito grande. Um desafio muito grande porque a Cidade de Maputo tem as suas complexidades, não é muito fácil, é um processo de aprendizagem e não me sinto mal pelo facto de ser mulher, porque afinal se estou a dirigir esta instituição é porque tenho uma equipa de suporte bastante forte, não é a Ornila apenas, mas é a direcção da juventude e desporto. O sucesso ou insucesso do meu trabalho é também sucesso ou insucesso deste grupo que me acompanha. Sinto-me confortada com a equipa que tenho, é uma equipa participativa, bastante dinâmica e coesa.Apostamos, entregamo-nos com amor, são áreas que tenho uma grande paixão, não digo que tenho domínio porque cada minuto que passa tem sido duma grande aprendizagem e diariamente vou aprendendo.

Sonhou ser médica

e formou-se em pecuária

O percurso de Ornila Machel teve influência directa do seu pai, Samora Machel, o primeiro presidente de Moçambique. O líder histórico foi um pai presente que influenciou, inclusive, as áreas de formação de seus filhos, colocando em causa alguns sonhos individuais.

Os argumentos colocados foram sempre convincentes, conforme nos relata Ornila Machel.

– Na minha infância e adolescência, a minha grande paixão era ser médica, mas fui desincentivada pelo meu pai que achou que naquele período pós-independência não havia quadros noutras áreas mais importantes. Ele achou que naquele momento a medicina não fosse prioritária para o país.

Segundo a nossa interlocutora, o seu pai justificava que havendo um sistema organizacional de prevenção de doenças, o país podia criar capacidade de gestão de proliferação de doenças como a malária e cólera.

– “Na minha adolescência, nas escolas éramos administrados regularmente a cloroquina, nos bairros havia fumigação para o controlo do mosquito, havia campanhas sanitárias fortes para prevenção da cólera e uma das formas preventivas de doenças é que cada cidadão moçambicano tinha que matar 30 moscas por dia, então por tudo isso meu pai convencia-me a escolher outra área que o país estava a precisar. Ele dizia que não havia produção. É nessa lógica que uma das minhas irmãs que sonhava formar-se em arquitectura foi desmotivada e fez agronomia. Eu acabei seguindo a pecuária. Outra minha grande paixão era ser dançarina, mas não fiz dança, segui o desporto. Minhas grandes paixões são medicina, dança e desporto”.

Todavia, a pecuária não foi totalmente deitada para o lixo. Aliás, Ornila trabalhou nesse ramo no Ministério da Agricultura, primeiro no Niassa, no projecto de exploração de 400 mil hectares nos distritos de Mandimba e Lichinga, e depois na Zambézia, no Gabinete das Zonas Verdes, onde permaneceu até 1986, ano da morte do seu pai.

O acidente de aviação de Mbuzini ditou a mudança de Ornila para Maputo, onde foi trabalhar na Casa Agrária da Matola. Mas foi passageiro. Ela explica-nos a seguir as razões:

– Quando regressei fui trabalhar no projecto das zonas verdades, na casa agraria da Matola. Em algum momento não me senti a crescer muito, havia muita desestabilização, havia guerra e a partir dum certo momento me senti bloqueada e tive necessidade de satisfazer meu ego, foi quando segui para o extinto Instituto Nacional de Educação Física e Desporto. Formei-me em desporto e quando foi criada a faculdade do ramo na Universidade Pedagógica fui frequentar o curso superior, numa altura que já estava a trabalhar no sector do desporto.

Na infância e adolescência praticou desporto. Foi ginasta e nadadora (não de competição). Jogou também andebol e basquetebol, tendo conquistado alguns títulos com a camisola do Desportivo de Maputo e da Rádio Moçambique.

Custódio Mugabe
custodio.mugabe@snoticicas.co.mz

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