Início » Cresce “estruturite” baixa a qualidade

Cresce “estruturite” baixa a qualidade

Por admin

Porque é que o nosso desporto, que outrora gerava estrelas, hoje está na penúria, ao ponto de, no futebol, termos que ir buscar jogadores da II divisão portuguesa para os nossos Mambas?

Com quase “meio século de estrada” em matéria de desporto e a contar estórias há cerca de 40 anos, esta é uma pergunta que me é colocada amiúde, nas ruas ou nas tertúlias em que participo.

E a questão ganha mais acuidade quando me é posta por Eusébio da Silva Ferreira, que estranha a ausência de moçambicanos na 1.ª Liga Portuguesa, ao ponto de só (re)conhecer, segundo suas próprias palavras “um miúdo do Nacional da Madeira que responde pelo nome de Mexer”.

O Pantera Negra, recuando no tempo, sentencia: “eu, quando fui para Portugal, nem era o melhor jogador de Moçambique”…

 

QUANTAS RESPOSTAS
PARA UMA SÓ QUESTÃO?

 

Quando a abordagem que me é feita é fugaz e não possibilita aprofundamentos, em regra a resposta vem em tom de pergunta: “E porque não há mais poetas como Craveirinha, políticos como Samora Machel, pintores como Malangatana ou “marrabentistas” como Fany Mpfumo”?

E fico-me por aí!

 

MUITOS PLANOS

POUCA MOVIMENTAÇÃO

 

Porém, e porque é de desporto que estamos a falar, não me escuso a abordar o tema, começando por contar um pequeno episódio ilustrativo:

Para a cerimónia do lançamento de um Livro da minha autoria denominado “35 melhores futebolistas de sempre”, fui a uma escola em busca de um miúdo de 12/13 anos para participar num momento que simbolizaria a passagem do testemunho de quatro gerações. Buscava um puto que conseguisse dar dez toques numa bola, que seria endossada ao Dário Monteiro, depois ao Joaquim João para, finalmente, o esférico ser entregue, em mãos, ao Mário Coluna.

Apesar do lanche e da bola prometidos, foi uma verdadeira odisseia encontrar, entre as centenas de candidatos, algum que me desse garantias de não falhar. Acabei por reduzir para cinco toques e, na hora da verdade, foi notória a diferença no fino trato do esférico entre o menino e os “titios” Dário e JJ.

 

OS NÚMEROS DA VERGONHA

 

O que é que fomos perdendo ao longo dos anos, ao ponto de já termos atingido o 68.º lugar e hoje estarmos no 106.º no ranking FIFA? Porque é que já discutimos, taco-a-taco, jogos com Lesotho, Suazilândia ou Botswana, nossos outrora adversários de goleada garantida?

Num estudo que realizei há uns tempos, constatei o seguinte:

1.  No futebol de competição, já não temos equipas da 2.ª e 3.ª divisões, nem no escalão principal, nem nos juniores. Já não há reservas. Os juvenis e infantis… só em datas festivas!

2.  Na recreação, o panorama não é melhor: já não temos o Campeonato para trabalhadores, prova que chegou a ser zonal e com 1.ª e 2.ª divisões. Do Campeonato Militar, terão ficado as memórias. O mesmo vem acontecendo com o futebol dos bairros, que só reaparece no defeso, movimentando (pasme-se!) muitos dos federados em tempo de férias. A tudo isto acrescenta-se a falta de movimentação permanente, espontânea, da miudagem junto às suas casas.

3.  A tornar o panorama mais difícil, apesar do aumento exponencial de escolas, a quase ausência de desporto escolar regular. Era o principal pilar, sobretudo para as modalidades mais elaboradas e especializadas. Os campos ficavam cheios, correspondendo em pleno às obrigações curriculares, com os espaços a serem disputadíssimos nos intervalos.

 

DE BONS PRATICANTES

A ÓPTIMOS ASSISTENTES

 

As principais “doenças” de que sofre o desporto, têm a ver com a quebra das tradições, que arrastavam consigo as grandes paixões para viver, praticar, assistir e valorizar o que é nosso e que faz bem aos nossos filhos, à nossa alma, auto-estima, saúde e por aí fora.

De praticantes que contornavam dificuldades, quase sem legislação, sem Ministério, sem planos quinquenais nem “stor´s” formados, passamos a assistentes e ouvintes atentos ao que se passa no Mundo. Os especialistas na mobilização e ensinamento do desporto preferem a gravata ao fato de treino.

Daí que, intimamente, cada um de nós, sobretudo os mais velhos tenha as respostas para o facto de estarmos, neste momento, a “bater no fundo”.

Que caminhos trilhar?

Há que aceitar que os números não mentem. Não temos qualidade, somos eliminados precocemente das competições africanas, porque não conseguimos uma base de motivação e movimentação idênticas às de outrora.

O realismo tem que imperar, (re)começando tudo a partir do (re)conhecimento do lugar em que estamos.

E a palavra-chave, para mim, é a paixão. Paixão pelo associativismo, por fazer obras, mesmo que não dêem cifrões.

Afinal, era isso que comandava as nossas vidas e os nossos passos, há pouco mais de duas décadas

 

 

Renato Caldeira

 

Você pode também gostar de:

Propriedade da Sociedade do Notícias, SA

Direcção, Redacção e Oficinas Rua Joe Slovo, 55 • C. Postal 327

Capa da semana