Bula Bula

Lobolo ou assalto aos incautos?

Na natureza, nada se cria, nada se perde.
Tudo se transforma. Esta teoria não é nossa. É de Antonie Laurent Lavosier. E não é que o bom do químico francês continua tendo razão como Einsten, o tal da teoria da relatividade. Mas, bolas, saiamos dessa! Temos coisas mais importantes para conversar.
Lobolo é como se denomina o casamento tradicional na região sul do país, concretamente nas províncias de Maputo, Gaza e Inhambane.

Se nos primórdios desses usos e costumes, que se estendem até aos dias de hoje, as cabeças de gado
serviam exclusivamente para pagar o dote, com o tempo o dinheiro, vulgo taco ou mola, foi ganhando
espaço. Ai, ai, ai, Lavosier! Você e a sua teoria!
Vejamos, então, o que sucedeu em Inhambane.
Um jovem foi obrigado a lobolar o cadáver da sua esposa recentemente falecida como condição
para a realização da cerimónia fúnebre. O jovem teve ainda de pagar uma multa pecuniária na
casa de meia centena de meticais à família, que exige também casamento tradicional, que está já
marcado para o último mês do corrente ano.
Os dois jovens viviam em união de facto. A esposa perdeu a vida devido às complicações que
teve durante o parto, mas salvou-se a criança. Agora voltemos a colocar o guiso ao gato. Os
hábitos e costumes tradicionais de um clã, de uma dinastia, de uma nação, em suma, de um
povo, merecem a mais cuidada atenção na sua abordagem quando se pretende meter a colher.
Ainda assim, e cientes de que poderemos meter água, Bula-bula não se coíbe de colocar umas tantas quantas questões:
– Alguém se import(ou)a com a dor do jovem que perdeu a amada?
– Será que o jovem não foi já duramente penalizado pelo destino?
– Será, será, será… e mais será.
O que deixa Bula-bula prostrado é ter a certeza que o jovem está abatido porque perdeu a querida esposa e o recém-nascido jamais sentirá o calor das costas da mãe. A criança não tem e jamais terá os seios da mãe para sugar o colostro que, como se sabe, é importantíssimo para a defesa do organismo das crianças e pode ditar inclusive a qualidade da sua saúde por toda a vida.
Como se vê, é literalmente impossível ficar indiferente ao desconsolo por que passa aquele jovem cuja família a muito suor e lágrimas teve de se pôr de joelhos para toda uma comunidade, para conseguir juntar uma dezena de meticais para dar por avença para que o funeral acontecesse.
É verdade que a crise financeira que o país atravessa(va), na sua dimensão macroeconómica, pode ter acabado, repare-se, por exemplo, para a estabilização da taxa de câmbio, da taxa
de juro, estabilidade de preços, entre outros itens, mas para o jovem, seguramente, ainda não é chegado o momento de soltar balões. Tô certo ou tô errado, cara?
Em outras terriolas da Ásia, de quando em vez, também se ouve falar deste tipo de episódios cuja matéria quase sempre se torna viral nas redes sociais. Mas, como dissemos no início, a
pergunta que teima em não calar é:

– Será que alguém se import(ou)a com o infortúnio do jovem?
A família da finada acusa o jovem de não ter cumprido os procedimentos costumeiros para ser conhecido na família da esposa. Por isso, não há outra solução que não seja pagar o valor do
lobolo mesmo não tendo. Certo? Errado? A resposta do Bula-bula é nim.
Se a falar é que a gente se entende, Bula-bula não faz mais nada do que colocar o dedo na ferida: será que era de todo imperioso condicionar a realização da cerimónia fúnebre ao pagamento
do lobolo? E se o jovem não tivesse conseguido obter nem um centavo do taco pedido? O funeral teria ficado por realizar?
E já agora

– se perguntar não ofende

– qual é o papel das autoridades

– incluindo as tradicionais

– diante desta operação de “compra e venda” de cadáveres? É que não é a primeira vez que tal se regista e, em nenhuma das ocasiões, foi registada uma intervenção das autoridades, incluindo a sanitária (não é preciso ser um médico legista para saber que um corpo em decomposição é fonte de doenças)!
É verdade que as tradições e/ou tabus são para respeitar. Respeitar os que são positivos…

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