“Chiguiane” é a etapa final da cerimónia matrimonial, na qual representantes da família da noiva se deslocam para a casa dos “pombinhos” para, entre outros, conhecer o local onde estes vão
passar a residir e ofertá-los com bens básicos para que possam iniciar a vida conjugal.
Neste cerimonial, que é o culminar da festa de casamento, não pode faltar uma esteira, que simboliza a fertilidade, pau de pilar e pilão, peneira, fogão à carvão e respectivo saco de carvão, estere (molho) de lenha, jogo de panelas, loiça (as famosas 47 peças), copos e taças, lençóis e mantas, entre outros utensílios domésticos cujo simbolismo e utilidade é exaustivamente explicada aos presentes.
Em casamentos mais folgados, os nubentes recebem aparelhos de ar condicionado, micro-ondas, televisores, telemóveis e i-Pad de última geração, geleira, viaturas, passagem aéreas para destinos turísticos paradisíacos, vivenda pronta a habitar, enfim. Mas este é outro nível. O essencial é o que enumeramos antes.
Se a noiva se mostrar preguiçosa no dia-a-dia conjugal, o noivo ou um familiar seu pode levar a peneira ou o pau de pilar para a casa dos pais da noiva que a devem chamar imediatamente para uma sessão de aconselhamento. Se passados meses ou anos não houver sinais de procriação, leva-se a esteira de volta, e por ai em diante.
Vem a cerimónia de “Chiguiane” a este espaço porque Bula bula – quenão tem o hábito de perder a memória – assistiu na última sexta-feira uma cerimónia no mínimo inusitada.
Realizaram-se, um pouco por todo o lado, cerimónias de entrega de prémios aos melhores alunos do ensino secundário. A Escola Secundária de Laulane, em Maputo, também acolheu o evento e veja-se o que receberam os alunos com as melhores notas e excelente comportamento. Um boné e uma sacola, um sabonete, um pacote de detergente em pó, um bebedouro e uma caixinha com massa esparguete. “Parabéns meninos, continuem a estudar muito pois o futuro deste país está nas vossas mãos”.
Os meninos recolheram as oferendas e regressaram à casa mas, os alunos de hoje, que acedem livremente à Internet e redes sociais a partir dos seus telemóveis, assistem aos mais variados canais de televisão por cabo, satélite e sinal aberto entenderam que aqueles presentes tinham um outro significado. “Estão a querer dizer que dedicamos tanto tempo a estudar que nos esquecemos de tomar banho?”, interrogavam-se.
Bula-bulacujos descendentes na forma de filhos, sobrinhos, primos e netos são extraordinários alunos e beneficiários daqueles brindes ficou com uma pulga na orelha. Se a Distribuidora Nacional de Material Escolar (DINAME) era parte desta jornada de atribuição de prémios, custava oferecer algum material escolar ou cartões de acesso livre às bibliotecas? Afinal, aqueles meninos ganharam o prémio de melhor aluno…
E nestas coisas de prémios, vale a pena ir buscar na prodigiosa memória de Bula Bula uma história do arco- da- velha: Lá para os finais da década 80, o já falecido professor Sidónio leccionava na Escola Secundária Francisco Manyanga, na cidade de Maputo. Os alunos que passaram pelas suas mão não se esquecem. Era um grande professor.
O professor Sidónio tinha um andar calmo, ar sereno, cabelos grisalhos e de pouca conversa. Entretanto, tinha uma gigantesca vontade e capacidade de transformar o pior aluno de português de todos os tempos num grande entendedor de gramática, técnicas de expressão, literatura, entre outros.
Não tardou e nem surpreendeu a sua eleição a melhor professor de Português e lhe foi atribuído um prémio pela mão de importantes figuras do Ministério da Educação, em cerimónia bastante concorrida pela comunidade escolar. E o vencedor é… professor Sidónio! Aplausos a cântaros. Uma ovação sem fim. O calmo professor subiu ao púlpito com aqueles inseparáveis sapatos brancos, que o faziam confundir com um médico. Na verdade ele era médico de Português. O Doutor Sidónio.
Posicionado na tribuna, o professor Sidónio recebeu os presentes que lhe tinham sido reservados. Duas bacias, três panelas, jogo de tigelas, seis pratos, seis copos, seis chávenas, seis colheres, seis garfos e facas, tudo menos uma gramática actualizada, Prontuário de Língua Portuguesa, Enciclopédia ou mesmo uma bata nova e uma colecção de giz. Nicles.
Os aplausos continuaram a chover enquanto o mestre cerimónias, de microfone em punho, relatava os brindes destinados àquele professor, cujo rosto já não escondia uma dúvida. “Sou o melhor professor de Português ou um nubente a receber “Chiguiane”?