Editorial

Temos de acabar com a caça furtiva

O governo sul-africano está zangado. Muito zangado. Perdeu a paciência e já declarou guerra contra a caça furtiva (war on poaching) porque, só de Janeiro a esta parte foram abatidos 618

 rinocerontes e um número não especificado de pessoas, guardas florestais, designados rangers. Para nossa vergonha, grande parte dos caçadores que actuam naquele território são moçambicanos.

Porque a situação tende a entrar para o descontrolo, governantes da província do Kwazulu Natal chamaram alguns jornalistas nacionais, incluindo do domingo, para, em conferência de imprensa, anunciarem que quem for encontrado a deambular pelas florestas daquele país, pode ter a certeza de que nunca mais voltará a ver a luz do sol, o brilho do luar, entre outros encantos da terra. Será morto…pura e simplesmente.

Para evidenciarem a sua fúria, os sul-africanos afirmaram que as autoridades judiciais daquele país não voltarão a julgar os guardas florestais locais que tiverem abatido caçadores furtivos, sejam eles moçambicanos, zimbabweanos ou até sul-africanos.

Deputados, funcionários de órgãos de justiça e jornalistas daquele país, presentes neste encontro, aplaudiram a decisão em plena conferência de imprensa.

Entre as medidas anunciadas em ambiente comovente, consta a infusão química dos cornos de rinocerontes, tornando-os nocivos aos humanos, como forma de dissuadir o comércio e consumo do pó do chifre daquele animal, que acontece com particular realce em alguns países asiáticos, onde se acredita que este tem propriedades para o rejuvenescimento, fertilidade, afastar o mau-olhado e curar cancros e gripes.

Na verdade, o que os dirigentes do Kwazulu Natal fizeram foi tornar pública a decisão que vem sendo implementada há vários meses, que é a de matar todo o caçador furtivo que lhes aparecer na mira. Aliás, bem antes deste anúncio, as equipas de fiscalização dos parques e reservas da África do Sul foram reforçadas por esquadrões militares dotados de meios bélicos terrestres e aéreos de toda a espécie.

Dezenas, senão mesmo centenas de adolescentes e jovens dos distritos de Magude, Moamba e Matutuíne, na província de Maputo, e Massingir, em Gaza, que fazem fronteira com áreas de conservação sul-africanas, experimentaram já confrontos com rangers e forças armadas daquele país, havendo numerosas baixas de ambos os lados.

O que atrai tanta gente para aquelas operações é o facto de o quilograma do corno de rinoceronte ser vendido a preços que vão até aos 75 mil dólares, o que, por outras palavras, equivale ao enriquecimento num estalar de dedos.

Quando as autoridades sul-africanas anunciaram aquele conjunto de medidas, ocorreu-nos que poderíamos estar perante uma flagrante violação de Direitos Humanos. Entretanto, numa análise mais ponderada, concluímos que aquele era um grito de alerta, em jeito de desabafo, para que Moçambique inteiro comece a adoptar medidas tendentes a estancar definitivamente a caça furtiva, porque, nesta guerra (declarada pelo vizinho), quase tudo joga contra nós.

Primeiro, porque jovens moçambicanos atravessam a fronteira de forma clandestina portando armas de guerra (em geral levam AKM´s), o que configura crime em qualquer parte do mundo. Em segundo lugar, tais jovens caçam animais protegidos pela lei local (rinocerontes) e pela Convenção Internacional de Animais em Vias de Extinção (CITES), o que, segundo a Lei de Florestas e Fauna Bravia da África do Sul, é entendido como crime hediondo.

Em terceiro lugar, os caçadores furtivos entram em confrontação directa com os fiscais daquele país, abatendo-os sempre que possível. Relata-se o caso de um caçador furtivo – que até era agente da Guarda Fronteira moçambicana – que, estando encurralado, atirou contra um helicóptero da tropa sul-africana, que se despenhou matando cinco agentes que seguiam a bordo.

Perante esta amálgama de situações, julgamos que as posições do governo vizinho, ainda que aparentem ser demasiado extremas, merecem a nossa atenção colectiva, na medida em que não se pode assumir que a caça furtiva seja uma forma de combate à pobreza. Na nossa óptica, chegou o momento de arregaçarmos as mangas e combatermos todas as formas de violação da lei e de atentados contra o ambiente, a começar pelos que acontecem cá dentro. 

O governo do distrito da Moamba e o Comando da Polícia da Província de Maputo realizaram recentemente acções de sensibilização da população local, sobre a guerra mortífera iniciada na vizinha África do Sul contra os caçadores furtivos, feito que julgamos oportuno, pese embora seja caso isolado.

Como jornal, entendemos que, em lugar de nos embalarmos em lamentações, é chegado o momento de aprendermos com os outros as estratégias de sucesso para acabar com a caça furtiva de uma vez por todas e assegurarmos rendimentos sustentáveis que a fauna bravia produz legalmente.

Temos de acabar com a caça furtiva.

 

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