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O médico alimenta o artista

Por admin

Noé Massango é caso de um médico apaixonado pela música, o que é raro entre nós. Ele canta e dança ao ritmo da cultura machope e lançou recentemente um disco intitulado “Nafa Nicilova”, um sucesso logo à partida

É com esta personalidade multifacetada que domingo conversa hoje, buscando os caminhos que transformaram um jovem médico num músico que promete.

Quando começou a sua paixão pela música e quem o inspira?

A minha paixão começa na infância, em Zavala, minha terra natal, quando nas horas livres me grudo ao meu falecido tio Wassiketiane, assassinado no ultimo conflito armado, que compunha e tocava em vias públicas e casas particulares lindas canções a troco de bebidas tradicionais. Foi ele que me ensinou a fabricar e tocar viola a quatro cordas. E ainda me lembro de três afinações tradicionais que ele gostava. O meu pai, apesar de não tocar, era grande apreciador da música e era grande coleccionador de música sul-africana e zimbabweana. Teve igualmente uma certa influência na minha trajectória artística. A paixão cresceu ainda quando na adolescência aparecem-me dois músicos que possuíam suas bandas musicais, tocando instrumentos convencionais, unchlomuluane e untchatchenhane que compunham em lindos ritmos chopes e inventavam palcos com vedações tradicionais, conquistando e arrastando multidões para os seus concertos locais.  Comecei a aprender como eles tocavam. Eles já não estão entre nós.

Outro momento que me fortaleceu como artista foi o contacto com falecido vovo matamarissane, que me ensinou a dançar sikhwakhwakhwa e a tocar xingomana. E o contacto com grupo de Ngalanga local que tocava xinzhomana em concursos de musica tradicional promovidos localmente . Os ritmos tchopo e makhara, tocados e dançados nas cerimónias tradicionais chope, tiveram grande influencia nas minhas composições e continuarão a ter e as timbilas, que fazem as bases de qualquer um dos nossos ritmos, sempre têm espaço.

É médico de profissão. De que forma consegue fazer a conciliação de tarefas? Sobra tempo para cantar?

– Ha sempre tempo para tudo o que queremos e apostamos em fazer na vida, desde que estejamos bem planificados. Claro que a conciliação dessas tarefas exigirá de mim a coartação de algumas vontades comuns a todo o cidadão normal, como uma saidinha ali, uma bebida acolá, horas de conversa com os amigos e horas de sono a mais etc. Tenho sempre tempo para fazer o que quero porque vivo de agenda.

Não tem qualquer preconceito relativamente à música?

Talvez haja pessoas que vivem preconceitos em conciliar as tarefas de músico e médico, mas eu não reconheço em nenhuma sociedade mães de músicos e mães de médicos. O artista pode criar um grande médico e o médico um grande artista.  Nos Estados Unidos onde estava, na Universidade de Califórnia, quase todos os médicos destacados são grandes instrumentistas e passamos boas horas de concertos em suas casas. Reconheço que há muita gente que admira o facto de, mesmo eu ter estudado , ainda valorizar a tradição cantando  em línguas e ritmos tradicionais, sendo isto um estimulo e ensinamentos para os jovens para aprendam que a música é propriedade cultural valiosa dos povos de que fazemos todos parte e ela deve ser bem executada e valorizada por todos. Deixando de lado o estereótipo de que só quem não estudou e não faz nada é que é musico.

Quais foram as metamorfoses seguidas pelo seu primeiro disco?

Longa história, difícil de contar, mas vou tentar resumir. Tudo começa com um grande irmão de sangue, o Pitchy, que me apresenta ao estúdio de Ernest por volta dos anos 96/97.  Gravo aí a minha primeira musica de título  “Minha Deusa” e eles gostaram. Seguidamente me pedem para continuar a gravar e aí gravo a seguir “Nafa Nicilova” com Mauro e Tedy. Eles ficaram bastante maravilhados com os trabalhos, disponibilizando-me o estúdio mesmo sem dinheiro.  Chamavam-me de Elvis Presley porque eles achavam que eu não tinha grande voz, mas que pela forma como cantava as minhas músicas acreditavam que ia conquistar o povo. Conheci depois o estúdio do Guilherme Silva onde gravei “Ani Tenderi Makebra “ com o músico Dopas. Fiquei entusiasmado e ia andando de estúdio em estúdio, aprendendo com vários produtores e coleccionando as maquetes.  Os produtores viam-me como um chato/confuso, porque era exigente e fazia ritmos tradicionais que ocupavam mais horas de estúdio, exigiam mais criatividade e atenção  e poucos gostavam de fazer isto porque queriam facturar depressa. Por isso a mim cobravam-me mais por música.

Frequentou alguma escola de música?

Fui à escola de música na Associação dos Músicos para aprender piano e não conclui o curso devido a sobreposições na Faculdade de Medicina.

Continuando…

No inicio do ano 2000, decido coleccionar e regravar todas as maquetes com os músicos Ziqo e Dopas. Quando começamos nem tínhamos estúdio e alugávamos sequenciadores nos estúdios, até que em 2005, em estúdio alugado dos Mozpipas regravamos as bases de todas as músicas. Convidamos alguns instrumentistas para meter ao vivo alguns instrumentos, mas o Ziqo não ficou satisfeito e pediu para que levasse o disco para um outro estúdio mais grande onde iria regravar tudo ao vivo; e o sitio melhor era o estúdio do Filipe Mondlane no disco designado Muthandafie. Terminamos a captação dos instrumentos em 2011. A edição dos sons foi feita num grande estúdio em Durban com o Técnico Marciano Mondlane e o trabalho foi transportado ao respeitado e conceituado velho engenheiro Dave Seagal no Forest Studio em Johansburg, onde foram feitas as misturas e masterização do disco.

De que forma teve apoio do Ziqo?

Além de produtor do disco, é um amigo meu. Somos amigos antes de ele ter nome como músico. E foi sempre um conselheiro meu, me incentivou a não desistir do sonho. Admiro a ele porque tem uma rica e grande face artística …

Sei que trabalhou com grandes nomes no panorama artístico na produção do seu disco…

A revisão ortográfica das letras foifeita pelos professores Bento Sitoe e Gervásio Chambe. Na Bateria trabalhei com Stelio Mondlane e na percussão com o Pilecas;. Nas bases/teclados tive apoio de Ziqo, DopPas, Mauro, Pipas, Chico e Gervásio Manhiça; na edição dos sons participou o Marciano Mondlane em Durban e na mistura e masterização contei com o contributo de Dave Seagal (Forest Studio- RSA-Johansburg), excepto A música “Vanana Vango” feita no Capricor Studio (na California- Estados Unidos da América).

Porque este título para o seu primeiro disco?

Nafa Nicilova quer dizer morro e não vos deixo recordação alguma. Quando sinto que a terra está escancarada e prestes a engolir-me, como reagir à esta verdade bem estampada na testa? Enquanto o resto do povo consente, o musico chora cantando. Nafa Nicilova! Nicilova porque sei que de nada eu venho e para algum lugar eu não vou…

Acha que é possível viver de música em Moçambique? Ou neste caso o médico nasceu para alimentar o músico?

A música já teve seus momentos difíceis, quando os músicos não tinham espaços abertos para a sua promoção e valorização. Hoje, há semelhança doutras indústrias, ou seja: sobrevive quem melhor consegue colocar o seu produto na monstra para ser apreciado. E quem expõe mais acaba conquistando os olhos de todos, mesmo dos cegos. Hoje a maioria dos músicos expõe com relativa facilidade o seu trabalho e os músicos seleccionados pela sociedade vivem da música sim… 

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4 comments

Gaza and its Resistance to Israel's Brutal Attacks 2 de Dezembro, 2023 - 8:31

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