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Nunca me afastei da música

Por admin

Celebrizada graças ao tema “Tchuvuka Ndzaku” (Olhe para trás) assinou outro estrondoso sucesso com a canção “Passaporte” em 2008. Depois o silêncio

Agora, passados 7 anos, clama que “Deus deu a todos”, disco que irá colocar no mercado no dia 21 do mês corrente num espectáculo que se advinha animado. Falamos de Rosália Mboa, figura incontornável na música moçambicana, com quem a equipa de domingo teve, recentemente, “dois dedos” de conversa na tranquilidade da sua residência algures na Matola-Rio. Artista reservada, porém recebeu-nos de braços abertos e aceitou abrir o seu coração.

Quase que já não a vemos nas paradas musicais, abandonou a carreira artística?

Não, apenas desapareci dos grandes palcos. Mas continuo a trabalhar e constantemente actuo em eventos como casamentos, entre outro tipo de festas, aos quais sou solicitada. Veja que até já tenho o meu sexto álbum preparado e designa-se “Deus deu a todos”.

Porque o título “Deus deu a todos”?

É uma chamada de atenção àqueles que gostam de humilhar aos outros. Tenho reparado que há pessoas que pensam que são perfeitas e polivalentes, mas isso é impossível, ninguém é perfeito. Deus deu a todos, e ninguém é melhor que ninguém. Cada um é importante para esse mundo, até quem aparentemente é desprezível tem a sua função e é importante também.

Quando será lançado?

Se tudo der certo poderei lança-lo ainda no dia 21 deste mês, no Cine Gil Vicente, num concerto acompanhada de alguns colegas.

O que traz no disco?

O disco é constituído por 11 temas de intervenção social. Não fugi do meu estilo habitual e que os fãs gostam. Trago aqui toda a minha inspiração e as coisas que vi, ouvi, durante esses anos em que estive a prepara-lo.

E como foi o processo de gravação?

Não foi fácil produzir esse disco, por isso levou muito tempo. Apenas consegui com opatrocínio e apoio dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), Banco de Moçambique (BM), Kaya-Kwanga, do Fundo Para o Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC), senhor Ruca, entre outros. Comecei a prepara-lo em 2011 e gravei-o no ZEP estúdio. Local onde gostei de estar pois, fui bem tratada e notei que sabem respeitar as ideias dos artistas.

São muitas pessoas envolvidas, pelos vistos…

Muitas mesmo… artistas como Djivas, Sima, Sizaquel, Pipas, Zeca Tcheco…a Vitória Mboa, Dionísica Zucula, Clara Sumbana… são pessoas que me apoiaram bastante!

PAPEL PREPONDERANTE

Hoje é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Como vê a participação dessa figura na arena artística moçambicana, concretamente na música?

Acho que a mulher tem um papel preponderante nesse país, não só no ramo artístico. É satisfatório por exemplo, ver uma mulher a assumir a presidência da Assembleia da República; isso mostra que somos valorizadas. Em relação a cultura diria que ela está a lutar muito e já não fica atrás. Já estamos mesmo em pé de igualdade com os homens, não temos tantas razões de queixa quanto a nossa inclusão.

Que desafios tem a mulher na sociedade moçambicana?

Ainda tem muito que fazer sobretudo no que diz respeito a luta contra a violência doméstica e o abandono de crianças.

Que mensagem deixa para essa mulher?

Ao falar da mulher falo dela a partir da mais tenra idade; então quero usar a minha nova música intitulada “Como”como mensagem. Nela falo da perda de virtudes de uma bela criança. Quero passar essa mensagem para as adolescentes saberem que a mulher, ainda na tenra idade, saiba que a coisa principal é preparar o seu futuro, saber que para amanhã ser uma “grande”não deve correr para ser mãe.

Pode trocar isso em quinhentas?

É contra aquelas músicas que instigam as adolescentes a sentirem-se mulheres e pensarem que já são adultas, isso é errado. Fiz essa música para dizer que antes de completar 18 anos ainda são crianças. Elas não podem pensar que já são crescidas, aquelas músicas são enganadoras. O resultado são meninas que fazem crianças e não sabem cuidar delas.

Rosália, o nosso país tem desde o início do ano corrente um novo Ministro da Cultura e Turismo. Que inovações espera que ele traga as artes?

Tenho esperança de que o novo elenco imprima mudanças, pois falou muito de artistas incluindo o próprio presidente, então isso já é muito bom para nós. Acho que o ministro está muito ligado as artes.

O que anseia ver mudado?

Muita coisa, mas gostava que nós passássemos a ganhar pelo trabalho que fazemos, é muito gratificante trabalhar e no fim ver o resultado do trabalho. No meu caso, por exemplo, tenho uma música que diz “não sou como sou, preciso de ser o que sou”… e retrata a verdade.

Como assim?

Já ganhei discos de ouro, platina, em concursos da Radio França, Top Feminino e até no Ngoma, mas quando as pessoas olham para mim só veem que “sou aquilo que não sou”. Não tenho o nível de vida que deveria ter, nem parece que já fui vencedora de concursos. Noutros países aquilo que consegui alcançar só com o primeiro álbum já dava-me um outro status social. Não sou a única. Há muitos músicos com fama mas é apenas fama pois, o resultado do trabalho ainda não viram.

Que avaliação faz da nossa música actualmente

A nossa música não está a desenvolver pois temos jovens que aparentemente estão a bater, mas suas canções são “pastilhas” uma vez que desaparecem sem deixar rastos. A nossa música está pouco a pouco a perder espaço por conta de coisas de fora e os novos artistas na maior parte só inspiram-se em estilos de fora. Isso faz com que a mesma deixe de ser moçambicana, o que não deve acontecer. Temos de lutar para manter a nossa identidade.

INFANCIA SOFRIDA

Quem é Rosália Mboa?

Nasci no Hospital Central de Maputo, então Miguel Bombarda, cresci em Maputo e aqui estudei.

Como descreve a sua infância?

Não gosto de falar da minha infância, pois foi muito triste e de trauma. Perdi o meu pai muito cedo, e da pior maneira. Ele foi preso, morto pela PIDE, Policia Política Portuguesa, eenterrado num sítio que nunca tivemos acesso, e até hoje não sei ao certo o que realmente aconteceu. Com a sua morte, as coisas mudaram, não crescemos do jeito que ele queria.

Daí a razão da música “Himani anga dlhaya mbawa”?

Sim, não há pior coisa que não saberes ao certo o que aconteceu com o teu pai; não saberes onde esta a sua campa. E eu tive de viver assim. Acabei até me tornando artista por causa disso, para expressar o que sentia. Depois da morte dele sofri muito, passei muitos anos sem acreditar que ele havia morrido pois havia estórias de que a PIDE mandava as pessoas para fora do país para trabalharem como escravos. Eu pensava também que tinha sido enviado para lá e que, se calhar, já tivesse voltado mas de tantos maus tratos que sofrera tivesse perdido a memória. Por isso as vezes perguntava aos senhores quais eram os seus nomes na expectativa de encontra-lo. Enfim foi uma infância infeliz.

Como superou ou aceitou isso?

Depois dum tempo, quando já estava um pouco grandinha, minha mãe explicou que aquela memória atormentava-me pois não tivemos acesso a campa dele, e não nos despedimos de verdade dele.

Que leitura faz do cenário político actual?

As coisas que estão a acontecer, ultrapassam a minha capacidade de entendimento. Acredito que o moçambicano é o verdadeiro motor deste país, apesar da falta de arranque; é humilde, trabalhador, entre outras qualidades, mas falta-lhe apoio verdadeiro por parte dos políticos. Há problemas de egoísmo, falta de vergonha e isso é uma das doenças que faz com que não desenvolvamos.

…sim?

Olha que gostamos de importar coisas e hábitos sem conhecermos a sua essência…

Exemplo?

São muitos exemplos… mas dou um engraçado: já viste quantas pessoas sofrem com sapato de salto alto? Muitas. Estão a usar um sapato bonito mas não estão preparadas para calça-lo. É assim na cultura e noutras esferas da vida.

Então como sair dessa confusão?

Temos de ser autênticos. Temos de ser nós mesmos. É bom conhecer outras realidades mas não podemos deixar de ser nós. A bíblia diz que haverá tempos em que as nações estarão em turbulências. Nós porquê queremos tirar a prova disso? Para quê ser parte duma dessas nações?

Acho sinceramente que podemos viver em paz… é só escolhermos esse caminho!

Maria de Lurdes Cossa

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