Início » Há quantidade… falta qualidade!

Há quantidade… falta qualidade!

Por admin

Usam o talento para levar alegria às famílias. Pensadores, aproveitam a oportunidade que a vida lhes deu para fazer crítica à sociedade. Mesmo longe dos palcos, em suas cabeças há só um lema: teatro de intervenção social. Na senda da comemoração do Dia Mundial de Teatro (27 de Março) Gilberto Mendes e Dadivo José aceitaram despir as capas de actores e num breve bate-papo, avaliaram o estágio do teatro em Moçambique bem como seus constrangimentos.

Sempre bem-humorados, Gilberto Mendes (Teatro Gungu) e Dadivo Jose (Mahamba) conhecem os palcos do teatro como palma de suas mãos. Fazedores e pensadores da área, falam do que mais dominam em suas vidas: o teatro. Em poucas palavras, fazem uma breve avaliação da arte:

É difícil falar do estágio actual do teatro em Moçambique, porque há vários campos de análise. Mas de uma forma genérica penso que está a crescer. Em termos de quantidade estamos excelentes. Mas carece de qualidade, tudo fica comprometido quando não se trabalha muito essa parte técnica”, diz Dadivo José.

Gilberto Mendes tem a mesma percepção sobre o assunto: “O estágio do teatro está muito bem, atravessa momentos muito bons. Já vão 23 anos com secções lotadas e isso é praticamente uma geração. As pessoas acompanham o nosso trabalho de forma contínua e penso que estamos num bom caminho”, afirma o actor.

PATROCÍNIOS

ESCASSEIAM

Dadivo José domina a área na qual trabalha. O actor formou sua companhia “Mahamba” em 1995. Hoje, sem temer represálias, fala abertamente das coisas negativas que acontecem nessa arte: “o teatro está a enfrentar vários problemas. Falta uma ligação entre o criador e consumidor. Há muitos grupos a fazer teatro, fazem trabalho excelente mas que não são colocados em frente, não temos quem nos ajudar.

Mendes não concorda com essa ideia. Mais experiente na área, tem seu próprio grupo desde 1992. Sem receio, explica o que acontece no teatro moçambicano: “fico com a sensação de que será assim com os outros. Houve uma altura em que queixávamos das coisas, mas esse não é o caminho, o correcto é encontrar soluções para os problemas. O importante é estarmos no caminho das soluções sempre e procurar servir de exemplo para as outras gerações”, argumenta o actor.

Mas Dadivo José parece não conformar se com essa situação. Para ele, é inconcebível que um artista crie uma obra e a peça passe simplesmente por duas secções, e acrescenta: “falta publicidade. Escreve-se pouco sobre o teatro ou sobre os espectáculos, é como se não existíssemos. Não se faz teatro sem o público e é preciso criar essa percepção nas pessoas”, diz.

Os actores não têm a capacidade para custear seus espectáculos. Nisso tudo, falta uma peça fundamental, e Dadivo, com seu bom faro já o descobriu: “não há patrocínios. Os patrocinadores pensam que o teatro não vende, mas é preciso fazer as pessoas gostarem do teatro”. E prossegue:

Semanalmente há espectáculos mas ninguém está lá para assistir e ninguém vai para cobrir. Mas isso também não é possível onde ninguém quer ajudar”, lança o seu grito de socorro o actor que vê uma luz no fundo do túnel: se pudessem publicitar o teatro, a ideia errada de que ela não vende já estaria a cair”.

NÃO HÁ FESTIVAIS

Gilberto é contundente no que diz respeito aos festivais. Num tom que revela preocupação, expressa seu posicionamento em relação aos festivais: Nos festivais o positivo era nos reunirmos nós os fazedores e fazer uma festa, darmos possibilidade a quem não tem espaço para actuar”, diz, acrescentando que tem participado em poucos festivais por se pensar que eles já tem a possibilidade de actuar sempre.

Mas Dadivo não dá voltas e aponta o culpado: “os festivais já não vão acontecer, porque os artistas devem cobrir suas despesas, não há quem é de boa fé para prestar algum apoio. Quando mandamos cartas nas instituições nem sequer recebemos respostas”, desabafa o actor numa expressão facial que demonstra preocupação.

O que impede as pessoas de fazer as coisas é que nos habituamos a enaltecer a incompetência. No teatro é preciso ter uma estrutura forte que não é possível noutras áreas. É que no teatro não se faz playbackcomo acontece na música, alguma coisa errada esta acontecer”, expressa-se de forma contundente Gilberto Mendes, numa espécie de golpe final.

Mas as críticas não param por aqui. Dadivo José fala também da ausência das salas de teatro no país, da necessidade de haver temporadas de teatro: “só que todas as salas têm uma agenda em todos os finais de semana. Acredito que se houvesse temporadas no teatro tinha que ser no mínimo de 2 meses. Mas as temporadas podem ser longas, só que a questão do espaço é complicada”.

Porem, Gilberto acredita num futuro melhor: “o mundo é feito de adversidadeS, só temos que incentivar os que vem trabalhando

INTERVENÇÃO SOCIAL

Para Dadivo é possível viver do teatro no país. Os projectos dos artistas vão para além do que se apresenta no palco. Depois de criticar muito, o homem abre espaço para elogios: esta arte compensa muito”, diz. Com uma enorme expectativa sobre o futuro, prefere depositar confiança nos estudantes que vem formando na ECA: até lá a exposição já será diferente, os tipos de condições também. Mas acho que vão mudar a sensibilidade das artes e penso que daqui há 10 anos será diferente”

Dadivo, quando tinha 5 anos foi obrigado a dormir na copa deuma árvore por causa da guerra. Esse episódio o marcou bastante que hoje só pensa em escrever sobre a crítica social: “Penso que as minhas histórias dependem dos acontecimentos sociais. Talvez porque cursei História isso acaba influenciando na produção da dramaturgia”, diz.

Mendes não foge tanto a regra: “Os temas que abordo são de acordo com a nossa visão. O teatro é falar da vida, é falar dos nossos problemas políticos. Desde antiguidade tem sido assim, levantar questões sociais e criticar a corrupção”.

De referir que hoje o grupo Mahamba vai apresenta-se na cidade da Beira para apresentar a peça “Culpado? Combati Um Bom Combate” no âmbito do Festival Teatral da Beira. 

Texto de Pretilério Matsinhe

Você pode também gostar de:

Leave a Comment

Propriedade da Sociedade do Notícias, SA

Direcção, Redacção e Oficinas Rua Joe Slovo, 55 • C. Postal 327

Capa da semana