O ambiente económico que o país vive é amargo. A crise já é tema de conversa de rua. Fala-se de taxas de juro e de câmbio, inflação, dívidas, ajuda externa e sobretudo do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para o administrador delegado do BancABC, Orlando Chongo, a caminhada para sair da crise será longa e dura, mas prevê que o “boom” acontecerá lá para finais do próximo ano (2017) ou no começo de 2018. Em entrevista ao nosso jornal, aborda vários temas da actualidade económica nacional, incluindo a saúde financeira desta instituição. Seguem os principais excertos dessa conversa.
Depois do Nosso Banco e MozaBanco muitos questionam quem será o próximo. E até há listas a circularem nas redes sociais. Qual é a situação do BancABC?
Infelizmente, as redes sociais acabaram distorcendo a realidade do sector financeiro.
Como assim?
A tabela que circula pelas redes sociais retrata dois rácios completamente distintos, mas a análise que é feita dá a entender que se trata do mesmo rácio.
Explique melhor…
O Banco Central, numa reunião ocorrida em Outubro, tomou a decisão de ajustar em mais de 250 pontos-base para 15.5 por cento o nível das Reservas Obrigatórias, a entrar em vigor á e na liquidez das instituições…
Sim, isso está claro…
Pois, as Reservas Obrigatórias lidam com questões de liquidez, ou seja, com questões de salvaguarda dos depósitos dos clientes em termos daquilo que o próprio regulador exige perante o banco. E temos o Rácio de Solvabilidade que mexe com capital. Está definido legalmente pelo Regulador que o Rácio de Solvabilidade mínimo aceitável dos bancos a operarem em Moçambique é 8 por cento e o que vimos foi que se fazia uma comparação entre o Rácio de Reservas Obrigatórias perante uma taxa que era suposto ser do Rácio de Solvabilidade, é ai onde esteve a confusão. E nesta perspectiva que alguns bancos foram conotados como não cumpridores em relação ao rácio mínimo de 8 por cento.
Mas, o BancABC cumpre com esse rácio mínimo?
Cumpre sim. A título de exemplo, em 2014 tivemos um rácio de Solvabilidade de cerca de 9.3 por cento. Em 2015 o nosso rácio melhorou para 10.4 por cento e em Junho de 2016 foi registado em 14.1 por cento, ou seja, sempre estivemos acima dos 8 por cento mínimos.
Isso em parte resulta das recentes transformações ocorridas a nível interno em termos de aumento do capital e reformas na estrutura da sociedade que gere o banco…
Pois, o mais recente aumento de capital societário foi feito á 18 de Novembro passado no valor de 10 milhões de Dólares Norte Americanos para materialização dos projectos de investimentos em carteira durante o próximo ano e por conseguinte ajudará a elevar o Rácio de Solvabilidade do banco dos actuais 14.1 por cento para mais de 20 por cento, o que vai conferir-nos uma posição estável no mercado financeiro nacional e, aliás, colocando-nos como um dos bancos mais capitalizados a operar no país. Em suma, temos um rácio muito acima do nível exigido e que acaba trazendo o conforto aos nossos clientes. Temos um capital adequado e temos um accionista comprometido. Este conforto é importante para os nossos clientes.
Mas, a abordagem do mercado continuará a mesma?
Em Janeiro deste ano, com a entrada da nova gestão, começamos a nos focar em cada um dos segmentos do negócio, alteramos a estrutura de gestão, a estratégia e o modelo de negócio. Introduzimos novos modelos de trabalho e procuramos ter uma nova equipa, entre outros, fez uma reavaliação da carteira de crédito e implementamos uma estratégia de recuperação de crédito extremamente agressiva nos primeiros três meses do ano.
Tinham um rácio de crédito malparado muito alto?
Estávamos com um rácio de crédito malparado extremamente alto em Dezembro de 2015, de cerca de 11.5 por cento no cômputo geral. As nossas imparidades perante esse crédito malparado eram de cerca de 300 meticais milhões de meticais e passaram para 93 milhões em Junho de 2016, e isso melhorou a estrutura de capital.
Com estes resultados, que parecem bastante sólidos, qual será o passo a seguir?
Achamos que estamos dentro dos limites, pelo que vamos continuar com o nosso projecto de investimento para 2017, isto tendo em conta que para este ano de 2016 o nosso foco era reorganização do negócio, o rebalanceamento de actividades e ocupação de algumas vagas para sectores chave que se encontravam em aberto, sendo que em 2017 iremos avançar para era digital.
Pode ir ao pormenor?
Queremos digitalizar o banco e criar uma abordagem do cliente completamente diferente da tradicional. Pretendemos ser relevantes para o cliente e não apenas vender o produto e isso requer capacidade humana e tecnológica. No nosso plano de investimento de 2017 a 2020 contemplamos para além de injecção de capital para fazer face a esses projectos, a abertura de novos balcões.
Quantos balcões têm agora e quantos pretendem abrir?
Neste momento estamos com 10 balcões ao nível nacional. Mas a meta é ter o dobro nos próximos 3 a 4 anos, iremos abrir ainda em Maputo, onde as Pequenas e Médias Empresas (PMEs) estão com mais intensidade e iremos chegar às províncias onde ainda não temos presença, como são os casos de Cabo Delgado e Zambézia. Neste momento estamos em Maputo, Matola, Chimoio, temos dois balcões em Sofala, um em Nampula, Tete e outro em Nacala.
Percebe-se que ambicionam estar em todas as capitais, mas como farão esse investimento em plena conjuntura adversa?
Temos essa ambição. O nosso foco a médio prazo é estarmos em todo o país, mas este plano de investimento não será executado de uma só vez. Vai ser feito de forma responsável, olhando para aquilo que é o nível de crescimento de economia. Repare que este investimento de que falamos agora já estava planeado para o próximo ano. Aliás, normalmente as organizações não capitalizam no ano em que precisam de investimento. Antecipam os investimentos. Nós fizemos essa capitalização que coincidiu com este cenário.
NÃO EXISTE PROGRESSO SEM PMEs
Há pouco falou das PMEs. Que posição é que acha que estas ocupam na nossa economia?
Para o BancABC não existe desenvolvimento sem o crescimento das PME´s. Na nossa óptica, as grandes empresas dão o impulso que a economia precisa, mas quem promove e dinamiza colectas fiscais, cria emprego e oportunidades que se traduzem no crescimento económico são as PMEs.
Mas, o que todos sabemos é que estas são problemáticas em termos de gestão, contabilidade, entre outros…
De facto, elas têm problemas estruturais fortes, mas foi com base nisso que recebemos investimentos dos accionistas para nos adaptarmos a este seguimento. Mas, há que dividir as PMEs em diferentes categorias. Existem aquelas que são as empresas médias, que já tem uma capacidade técnica extremamente aceitável e algumas até possuem estrangeiros como accionistas que trazem consigo o “know how” aceitável para o sistema bancário. E também existem aquelas que são pequenas e micro empresas, muitas delas registadas em nome pessoal, geridas por indivíduos que se tornam empresários pela primeira vez. É aqui onde se deve centrar o foco da educação e consciencialização financeira. São estas empresas que mais precisarão do nosso apoio.
Mas, todos os bancos estão a disputar o mesmo mercado de PMEs. Ainda há negócio nesse ramo?
Se for a ver a campanha que lançamos de Agosto a Novembro vai notar que nós não estamos apenas a olhar para as PMEs na perspectiva de concessão de crédito. Elas mesmas não podem ser empresas que procuram crédito.
Como é que devem ser vistas e como devem ser?
As PMEs devem ser empresas que pretendem dinamizar a poupança através do investimento, ou seja, quanto mais poupam mais podem investir e crescer. Então, o Banco ABC não pretende estender o crédito às PMEs e julgar que estamos a ajudar. Queremos ser capazes de atribuir às PMEs os diferentes níveis de crédito que elas podem acomodar, mas consciencializando sobre o modelo de gestão de fluxo de caixa que trará a poupança. E é isso que temos estado a fazer.
Como é que isso funciona?
A poupança é recebida com um rácio “X” e nós, com um efeito multiplicador, damos crédito de curto prazo, chamado Capital de Gestão Tesouraria, que é um investimento-caixa que permite à PME comprar mais mercadoria para a produção e multiplicação das vendas.
Cientes de que este ano está a ser amargo…
É claro que a economia teve os seus dissabores e o volume de vendas foi reduzido, mas vamos continuar a apostar para tornar as micro e pequenas empresas em futuras médias empresas. Queremos crescer com elas a partir da base. Esse é o nosso factor diferenciador.
Com quantas PMEs contam neste momento?
O nosso rácio de captação deve estar a nível de 15 por cento, portanto, ainda não alcançamos os níveis esperados. Mas estamos a captar a uma velocidade que nos acomoda. Lançamos essas campanhas recentemente e notamos que o nível de adesão é extremamente forte. Criamos um centro de PME´s, na Avenida Julius Nyerere, em Maputo, onde temos gestores que prestam um serviço de aconselhamento para essas empresas. O nosso plano é replicar este centro para outros pontos de país.
O maior problema que se levanta na abordagem das PMEs é o das garantias para o acesso ao financiamento. Como se pode superar esse empecilho?
A garantia deve ser vista quando o foco é apenas o crédito. Um Banco foca-se nas garantias, quando olha para o cliente apenas na perspectiva de crédito. Nós olhamos para o cliente na perspectiva de fluxo de caixa. Olhando nessa perspectiva pode-se verificar qual é a capacidade de gerar o fluxo necessário para que a empresa consiga se endividar. Mas ela só se endivida se estiver a crescer. Não se pode dar crédito a uma PME só porque tem que se dar crédito.
Quando é que se deve dar crédito?
É preciso entender porque é que ela precisa de crédito. Se for para fazer face às suas vendas ou comprar mercadoria para poder reproduzir funciona. Essa cadeia de valor vai definir qual é o suporte financeiro que ela precisa e aí já vem a questão da garantia real. Algumas PMEs tem activos que dão conforto e outras, surpreendentemente, tem fluxo de caixa que lhes permite ter depósitos a prazo que permitem ser alavancadas mantendo a sua poupança. Mas, existem outras que, na verdade, não tem…
O que resulta da forma como as empresas são geridas!
É ai onde entra o modelo de aconselhamento, capacitação e análise que fazemos porque essas empresas acabam por ter dificuldades para se sustentarem e se não formos à base para perceber qual foi o problema pode a instituição incorrer em riscos futuros.
ESTE É O MOMENTO CERTO
Estamos num cenário económico difícil. É possível atrair empresas para os bancos e crescerem como pretendem num contexto destes?
Sim. Sem dúvidas. Aliás, este é o momento certo para atrai-las porque é uma fase adversa onde todas entidades, não só nos bancos, estão a melhorar a forma de gestão de risco. Mas, repara que a economia moçambicana está a passar por uma quase recessão, entretanto, a perspectiva de médio e longo prazo continua positiva. Estamos num ano extremamente conturbado que poderá terminar com 3.7 por cento de Produto Interno Bruto (PIB).
E o que se pode esperar no próximo ano?
Teremos o mesmo nível de crescimento, mas não haja dúvidas de que a partir de finais de 2017 ou começo de 2018 a economia voltará a disparar e essa será a altura certa para os bancos assumirem mais riscos porque haverá mais liquidez, mais fluxo e mais negócio. Se estas entidades estiverem preparadas para esse momento, o nível de risco que se irá assumir nessa altura será melhor. Esta fase conturbada deve ser atravessada continuando a produzir e a vender, ainda que a níveis baixos, é preciso continuar a pagar salários, embora não se espera grandes aumentos. Tudo isso deve acontecer de forma moderada, depois de muita ponderação.
Tem optimismo em relação ao futuro?
Somos extremamente positivos na perspectiva de médio e longo prazo.
Porque assume que o crescimento só volta em finais de 2017 ou começo de 2018?
Porque estamos no momento de renegociação das dívidas. Esta renegociação só irá decorrer depois do anúncio do resultado da Auditoria Forense que poderá ocorrer em finais de Fevereiro. Depois deste anúncio será necessário sentar à mesa com os credores e isso poderá levar um ou dois meses, ou seja, irá até por volta de Abril. Depois da definição da estrutura da dívida pública é que o Estado moçambicano terá a visibilidade sobre como aplicar o seu orçamento e, nessa altura estaremos em finais de Abril, ou seja, o primeiro semestre do próximo ano será de ajustamento macroeconómico, fiscal, da própria dívida pública.
E os investidores estão a observar estes momentos todos para saberem se voltam ou não…
A confiança do investidor estrangeiro só irá voltar caso a economia dê sinais. Os tempos que indiquei são públicos, mas pode ser que aconteça algo antes se o governo acelerar os passos. Há focos positivos que estão a surgir, como é o caso da ENI que anunciou a decisão final de investimento, mas este anúncio significa que a questão dos contratos de venda estão assegurados, porém, falta termos os financiadores a assumirem o projecto antes que ele arranque.
Se o projecto da ENI arranca?
Isso poderá acontecer, provavelmente, em meados do próximo ano e poderá ser de uma forma extremamente agressiva e ai temos que estar todos preparados porque Moçambique perdeu dois anos com a economia praticamente estagnada, com tendência a recessão, mas estagnada. Ao chegarem, estes grandes projectos não estarão preocupados em saber quem está preparado e quem não está porque se não estiverem preparadas para prestar serviços eles vão contratar no exterior. O país não pode parar a espera que se esclareçam as dívidas públicas ou que se anuncie o investimento da Anadarko. As empresas têm que se preparar agora. Este é o momento certo.