O Homem, por natureza, é um ser gregário. Faz parte do seu exercício de ser. Há muitas razões para que assim seja. Incluindo algumas divinas. Mas a beleza de tudo está também no facto de sermos diferentes. Sociáveis, mas dissemelhantes. São até essas diferenças que nos fazem avançar, progredir. Almejar outras metas que não só a simples existência.
Não é por acaso que, no início da década 60, jovens se juntaram com o objectivo de libertar a terra e os homens. Reclamavam, então, do direito de ser. O direito de pertença a uma Nação. Um país.
Na realidade, o que esses homens queriam era tão-somente o direito de serem moçambicanos; não cidadãos de segunda, assimilados ou outros rótulos, que o colonialismo impunha. Queriam ser moçambicanos, só isso. E conseguiram-no. Com sangue e suor. Depois veio a euforia da Revolução. A construção do Homem novo. Homem orgulhoso da sua condição de moçambicano.
Entretanto, os anos foram passando. O mundo evoluiu. As dinâmicas sociais mudaram. Os paradigmas existenciais também sofreram outras guinadas. Agora o que tem valor é o que soa a estrangeiro. Seja lá o que for. Quanto menos parecer moçambicano, melhor. Mudam-se até os sotaques. Agride-se tudo o que faz lembrar Moçambique ou a terra natal. Até as alcunhas são todas em língua inglesa…
Há uma pobreza espiritual assustadora entre nós. Titubeamos em exaltar a nossa moçambicanidade. Queremos fugir de nós mesmos. O “Eu sou porque tu existes” deixou de ter valor. Noutros tempos, coisas como içar a bandeira ou cantar o Hino Nacional eram sagradas. Hoje, contam-se pelos dedos de uma mão as pessoas que conhecem o “Pátria Amada” de cor e salteado. E nem vale a pena ensaiar desculpas do tipo “é porque se mudou o hino” ou “nesta idade é difícil aprender o novo hino” ou ainda “o outro hino era mais fácil”. Saber cantar o hino nacional tem de ser, inequivocamente, o complemento da nossa moçambicanidade. Orgulho individual e colectivo.
Aliás, até há bem pouco tempo bastava pronunciarmos um simples “khanimambo” e logo ouvíamos: “Moçambique. Samora Machel. A luta continua”. E enchíamos o peito de ar, qual pavão, para gáudio da nossa própria verticalidade. E como dizia o Presidente Samora Machel a luta era e sempre será contra a pobreza, contra o analfabetismo, contra a doença, contra a baixa auto-estima que nos pode empurrar mais facilmente para o precipício da pobreza.
Pobreza não é só baixo nível de renda, mas baixo nível de existência pessoal, de liberdade e de auto-estima. Sim a auto-estima e o sentimento de pertença é que nos levam a olhar a dignidade da pessoa humana como “lugar primário de apelação ética, tanto nos sistemas morais e religiosos, quanto nas pretensões de construir uma ética civil fundada na autonomia da razão humana”.
Porquê dignidade? Esta é uma pergunta necessária. Tão necessária que nos diz que não se pode falar do outro sem passar por ela. Porque ela é a grande qualidade da vida axiológica. É a cabecilha que encerra a pessoa humana num pentagrama ético e moral. É a dignidade que se mostra intrínseca ao ser humano. Aquilo que há de tão essencial em cada um de nós chama-se mesmo isto: dignidade.
A Declaração dos Direitos Humanos de 1948 aparece para defender esta dimensão que é universal a todos os seres humanos. Independentemente da sua composição. Ligada ao respeito da pessoa humana, a ideia da Dignidade Humana passa necessariamente pela humanizante maneira de olhar o outro. Ou seja: “é o outro que, na sua liberdade e gratuitamente – como dádiva e dom –, se apresenta diante de mim e que, por isso, deve ser respeitado também por mim e por nós”. Isto faz-nos perceber que a pessoa não adquire a dignidade. Ela é-lhe dada de graça.
E, porque estamos com a mão na massa, recordar que o desenvolvimento é aquele que ajuda o crescimento da liberdade, da condição humana e da qualidade de vida. Em sentido oposto, a grande limitação está no esquecimento do valor central da pessoa, da liberdade e das qualidades humanas para centrar o foco na produção, lucro e consumo.
A ética consiste em construir algo melhor para todos. É faltando isto que a pobreza deve ser vista não simplesmente na ausência do material – que é necessário. Mas a pobreza no seu sentido radical que é a “espoliação da pessoa”, das suas energias biológicas e psicológicas, da sua auto-estima. É o empobrecimento do ser que terá como consequência lógica a sua dificuldade de trabalhar, de ganhar e comprar os bens materiais de que necessita.
Por isso mesmo é urgente resgatar o amor à Pátria. É urgente resgatar o moçambicano que se perdeu dentro de nós. É urgente sermos o que nascemos para ser: Homens livres, sim, mas comprometidos com a terra que nos fez ver o sol! Porque só assim terá valido a pena que homens e mulheres tivessem abandonado tudo para lutar por um sonho chamado MOÇAMBIQUE.