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HOSPITAL CENTRAL DE MAPUTO: Cobranças ilícitas na enfermaria de Geriatria

Por admin

-“Ou tens dinheiro ou vai para casa”, disseram as enfermeiras ao repórter

Enfermeiras cobram quatrocentos meticais, fora da caixa do hospital, para o doente ter primazia de acesso ao serviço médico. Exigem outros tantos meticais para aceder aos meios auxiliares de diagnóstico. O tratamento propriamente dito dispõe de outro precário, num esquema ilegal de cuidados hospitalares paralelos ao serviço público. Na falta de dinheiro, doentes, na sua maioria idosos, ficam dias, senão meses, na lista de espera, mesmo apresentando quadro clínico grave.

Manhã de sexta-feira. Nove horas em ponto. O repórter do domingo, disfarçando aflição pela doença da mãe, bate a porta da Consulta de Medicina no Hospital Central de Maputo. Busca, precisamente, a enfermaria Geriatria.

Senta com “outros” doentes, idosos na sua maioria, e vai escutando os desabafos de circunstancia: “estou com mazelas de trombose, mal consigo me colocar em pé. Nenhuma enfermeira me recebe. “É a segunda vez que venho para esta enfermaria em menos de um mês”, sussurra um deles.

Outro, de maior idade, embrenha-se num monólogo que revela sofrimento interior. Está preso numa cadeira de rodas. Tem o pé amputado. O filho, bem ao lado, explica que sofreu de diabetes antes de apanhar acidente vascular cerebral (vulgo AVC). Não era a primeira vez que ia a Geriatria, contudo, o tratamento tardava.

Tiramos um bloco e, furtivamente, fomos tomando notas. Uma senhora exclama logo: “Ah! És repórter. Meu, filho. Passamos mal aqui. Sem dinheiro não nos atendem. Estou a passar mal com as costas. Não consigo andar. Vai contar isso na televisão”, queixa-se.

Já muita gente se aproximava para contar infortúnios passados e presentes e o repórter corria riscos sérios de ser descoberto. Por isso afastou-se para o fundo do corredor.

Invariavelmente, doentes queixam-se de mazelas associadas à idade. E não é caso para menos. A geriatria se preocupa, essencialmente, com todos os aspectos da saúde do idoso, de acordo com as particularidades do processo de envelhecimento.

Uma enfermeira entra prontamente em accão:

“Bom dia. Como está?”, pergunta .

“Não estou nada bem. Tenho minha mãe doente e gostaria de ter uma consulta com a médica”, responde o repórter.

A enfermeira recomenda ao repórter para se afastar dos restantes doentes e diz o seguinte: “Ok. Tudo bem. Como pretendes falar com a médica?”

Repórter: “falando com ela”

– Vens de alguma instituição?

– Sou trabalhador das TDM

A enfermeira, trajada de branco, regressa à enfermaria. Fala com a médica e regressa com ar triunfante. Diz, arfando: “Podes entrar. A médica está-te esperando”.

Pela primeira vez, o repórter entra na famosa Porta 1 da Consulta de Medicina. Entra pesaroso pelo clima terrível que se vive lá fora, onde gente com doença “a sério” esperneia de dor e ninguém liga.

Antes de mais nada, a enfermeira estende a mão e sentencia: “Entrega-me quatrocentos meticais. É assim que isto funciona”.

“Mas minha mãe não tem este valor”, ia dizendo o repórter, mas ela interrompeu o discurso com “autoridade”: “ Se não tens o valor, não vais falar com a médica. Terás que descer ao primeiro andar, abrir a ficha da doente e esperar dias ou meses antes de sua mãe ser chamada”.

Ficamos com frio na barriga, estupefactos com aquele cenário terrível. A enfermeira trancou a porta da enfermaria e, a seguir, apontou para dezenas de doentes que mantinham sentados no corredor, frisando: “veja bem. Procure o valor depressa senão tua mãe vai ficar dias na fila de espera, como está a suceder com estes doentes”, apontou ela.

“SINDICATO” TERRIVEL

Fomos bater à porta de Geriatria depois de receber várias chamadas telefónicas dos nossos leitores, queixando-se de péssimo atendimento naquela enfermaria do Hospital Central de Maputo, a maior unidade sanitária, de referência, no país.

De uma forma geral, os leitores alertavam-nos para existência de um esquema ilegal de cobranças nas consultas e tratamento, operacionalizado por uma rede de enfermeiras que inventaram serviço privado de atendimento paralelamente ao público, este último legalmente conhecido.

Contaram-nos que na enfermaria esteve a trabalhar durante algum tempo uma médica cubana, cujo contrato chegou recentemente ao fim, tendo sido substituída por outra compatriota.

“Curiosamente, o esquema de atendimento não mudou. Para termos acesso à médica cubana, a antiga e a nova, tínhamos que pagar quatrocentos meticais, fora da caixa do hospital”,afiançaram.

As nossas fontes acreditam que médicos e enfermeiras poderão estar a criar um serviço privado ilegal, paralelo ao serviço público, sem que a direcção do Hospital Central de Maputo disso tenha conhecimento.

Um dos nossos leitores, porque não tinha dinheiro disponível na hora, como de resto sucedeu com a nossa equipa de reportagem, recebeu de uma das enfermeiras o número de telemóvel para eventual contacto no futuro. Trata-se do telefone 841617980, que reproduzimos a parte diferentes manuscritos endossados aos doentes.

Sem mais delongas vamos ligar, agora mesmo, para o número de telefone em referência.

Aló, bom dia, saúda-nos uma senhora.

-Bom dia. A senhora trabalha na Geriatria do Hospital Central de Maputo?

-Sim. Posso ajudar?

– Tenho a mãe doente e gostaria que me ajudasse.

– Já falou comigo antes?

– Sim. Foi a senhora que me facultou este número de telefone.

– Tenho dado o número a muita gente. Tenho muitos clientes. Venha terça-feira de manhã, às oito e meia, com quatrocentos meticais para contacto com ela. Traga mais seiscentos para acesso aos equipamentos de consulta.

– Não pode ser mais cedo? Minha mãe não aguenta…

-Não. Segunda-feira a médica não estará. Vai dar uma formação.

Estavam confirmadas as nossas piores expectativas. Era a segunda vez que o repórter se envolvia numa história inquietante que devia envergonhar o maior hospital do país.

Enfermeiras dão números de telefone celular para os doentes contactá-las quando tiverem dinheiro para pagar luvas aos médicos e a elas próprias.

Tentamos, sem sucesso, ouvir a Direcção do Hospital Central de Maputo. A secretária do director João Fumane disse-nos que não podia falar connosco por se encontrar fora do recinto hospitalar.

Ainda tentamos falar com o director ligando para o seu telemóvel e não tivemos sucesso.

Aguardamos, a todo o momento, obter uma reacção do Hospital Central de Maputo.  

Texto de Bento Venâncio
bento.venancio@snoticicas.co.mz

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