Volta e meia, um pouco por todas as capitais do país, temos ouvido vozes de quem opera em serviços semi-colectivos, sobretudo em zonas onde há autocarros que fazem serviço público de transporte, a dizerem que as tabelas de preços, entre os dois serviços devem ser iguais. Isto é, o autocarro que faz serviços públicos de transporte de passageiros e o “chapa” devem cobrar o mesmo por igual distância.
Às vezes, isto não fica em meras discussões de esquina. Às vezes gera até distúrbios, como aconteceu recentemente em Namaacha, província de Maputo, e na cidade de Inhambane, onde “chapeiros” chegaram a bloquear as vias, exigindo que os autocarros públicos subissem as suas tarifas, pois estão a roubar passageiros aos “chapas”.
Ora nada mais podia haver de absurdo em relação a esse raciocínio. É que no geral, o transporte público e colectivo de passageiros deve ser tomado como aquele meio de transporte que é proporcionado pelo poder público e que atende a todos os cidadãos, sem qualquer tipo de distinção, seja de classe, género, cor, orientação sexual, origem ou outras formas de discriminação.
O Estado tem obrigação de prestar esse serviço e é responsável por ele, mesmo quando não o opera directamente e utiliza a prestação de serviços de empresas privadas, que não é o nosso caso.
Geralmente, o acesso a esse tipo de transporte tem uma lógica de direito básico. Aqui, o serviço deve reger-se por normas que respeitam a população e as suas tarifas não devem variar de acordo com os interesses de um grupo de pessoas ou empresas, sejam de que tipo forem. Este serviço público de transporte, não é um favor prestado à população, mas sim um direito que deve ser diariamente cobrado pela sociedade e aperfeiçoado pelo Estado.
É válido lembrar que toda a sociedade se beneficia directa ou indirectamente dos serviços de transporte público colectivo, visto que estes meios de transporte são essenciais para a produção económica e desenvolvimento do país. Sem acesso aos meios básicos de transporte públicos e colectivos, a maioria dos trabalhadores não teria condição de se deslocar, precisamente porque os serviços dos privados cobram acima do que aqueles cobram.
Não vamos discutir sobre a exiguidade ou não deste tipo de transporte nas nossas grandes cidads, o facto de não terem no geral horários fixos, sobretudo na hora da ponta, e outros problemas de que enferma o sector. Mas a verdade é que eles existem para ajudar os mais carente a locomover-se para as suas actividades.
Noutras paragens que não a nossa, os benefícios deste tipo de transporte são imensos. Os benefícios gerados pelo transporte público colectivo de passageiros englobam desde melhorias ao meio ambiente até a maior mobilidade nos espaços públicos.
No nosso caso, os chapeiros olham para este serviço público, não como um serviço social, mas como um concorrente directo. Daí as confusões de Namaacha e Inhambane, com a exigência de que eles devem subir de preço e ponto final, para igualarem as tarifas praticadas pelos “chapas”.
Não se percebe que um dos deveres do Estado consiste na criação de condições (leia-se, no caso, transportes públicos) a fim de que os cidadãos possam exercer-se no dia-a-dia das suas vidas. Se o Estado faltar a este dever primário e elementar, a sua estrutura jurídica de Estado de Direito e de justiça social, consagrada com a devida ênfase na Constituição da República, fica seriamente comprometida e o combate, em boa hora entusiasticamente lançado contra a pobreza, sofrerá um rude golpe.
Oque se passou em Namaacha e Inhambane com os “chapeiros” e em seu torno exige clareza de conceitos com olhos postos no futuro: naquilo que poderá vir a acontecer se não se tomarem as medidas necessárias e urgentes.
Os “chapeiros”, melhor dito, os empresários dos “chapa”, surgiram, de um momento para o outro, com uma força descomunal. E surgiram com toda esta força por falta de uma política de transportes públicos, falha esta que vem sendo apanágio do Governo. Este (quase) demitiu-se da sua função para se colocar inteiramente à mercê dos privados, os quais podem, por falta de regras, se o quiserem e, quando quiserem, paralisar esta e aquela via, exigindo isto e aquilo e quem sofre é o cidadão carente.
Os “chapeiros” jogam com o povo que precisa dos transportes. Jogam com a perturbação resultante das faltas ao trabalho, envolvendo trabalhadores e patrões. Jogam com os estudantes que tem que faltar às aulas quando eles paralisam esta ou aquela rota. Jogam com a preocupação dos pais. Jogam com todos nós, atirando-nos contra o Governo.
Os chapeiros deviam perceber duma vez por todas que exploram um segmento de mercado, onde, o serviço público de transporte, que até deve ser robustecido, também tem o seu lugar, tendo em conta todas as razoes acima expostas.
Os “chapeiros” adoptam uma metodologia sem rei, nem roque. Como donos e senhores da bola a ditarem as regras do jogo, perante um adversário descalço.
Perante estas situações, pensamos que oGoverno não pode lançar-se inteiramente nos braços dos privados. Tem de pôr de pé uma estrutura forte de transportes públicos e tem de o fazer com urgência, sob pena de amanhã sofrer as consequências.