A África Austral está sob efeito do fenómeno conhecido por El-Nino, originado por uma alternação significativa da temperatura da superfície de água do Oceano Pacífico (o maior no planeta) e com efeitos no clima global.
Trata-se de um evento natural que pode durar entre 15 e 18 meses, por isso classificado como sendo de curta duração mas, com efeitos que estão a revelar-se devastador para o sector agrário de todos os países afectados, com particular destaque para a parte Sul de Moçambique, como tem sido relatado todos os dias.
Especialista na matéria afirmam que este deve ser o El-Nino mais forte dos últimos 50 anos, com impactos dramáticos ao nível da segurança alimentar porque está a provocar uma das piores secas dos últimos 35 anos.
A lista de países afectados na região Austral inclui a pujante África do Sul, que é uma das economias mais vibrantes do continente e de que dependem directa ou indirectamente quase todos os países à sua volta. Angola, Botswana, Malawi, Madagáscar, Zâmbia e Zimbabwe também amargam com este fenómeno.
O El-Nino chegou e encontrou Moçambique a debater-se com o Metical desvalorizado perante o dólar e o euro, o que limita o poder aquisitivo dos cidadãos, complica os exercícios de importação e exportação de bens e serviços e gera uma inflação estonteante.
A par da moeda, Moçambique está a braços com uma tensão político-militar que também está a provocar alguma preocupação em toda a cadeia produtiva, uma vez que os transportes rodoviários não transitam de forma livre pela Estrada Nacional número Um (EN1).
O resultado este mistura começa a ficar visível nos mercados abastecedores do país, com particular ênfase para o Mercado Grossista do Zimpeto, em Maputo, que, diga-se em abono da verdade, é o maior centro de consumo do país. O mercado está literalmente às moscas.
Sabe-se que o “Zimpeto” é alimentado por carradas de produtos para ali levados de vários pontos do país, sendo que a província de Gaza é a maior contribuinte, mas é da África do Sul que chegam as maiores quantidades.
Mas, como os tempos são de “vacas magras”, culpa do El-Nino, nem os farmeiros sul-africanos, com toda a tecnologia e poder financeiro, conseguem dar respostas às necessidade de exportação para os países vizinhos porque os seus solos estão ressecados e produção está longe de ser considerada como boa. Também se diz que chove em excesso em algumas regiões do interior do território sul-africano, o que torna difícil o escoamento da produção.
À mescla de seca por um lado, e enxurradas por outro, se adiciona a flutuação do rand que está a comprometer as contas dos importadores moçambicanos que, a cada dia, se veem na contingência de fazer e refazer cálculos para determinar a quantidade de meticais que devem trocar para adquirirem a mesma quantidade de tomate, cebola, batata, cenoura, entre outros.
Para tornar o quadro mais grave, relatos colhidos junto dos importadores apontam para o facto de não ser possível comprar produtos nas machambas localizadas junto à linha de fronteira, o que, em parte, tornava hábil o processo de importação e o controlo dos stocks no “Zimpeto”.
Hoje, pelo que reportamos no local, as deslocações que antes eram feitas em poucas horas para as zonas de produção agrícola sul-africanas viraram aventuras pelo interior daquele país. Vai-se até Nelspriut ou Mbombela, na província de Mphumalanga, e alguns importadores chegam a percorrer 500 quilómetros até Johannesburg.
O que parece um paradoxo em tudo isto é que todos sabemos que não nos falta terra, não nos faltam braços e tão pouco nos falta vontade. Aliás, prova de vontade foi dada ao serem erguidos silos em vários pontos do país, estabelecidos parques de máquinas e empresas de processamento de cereais. Mas, o “clique” necessário para fazer de tudo isto obra viável parece aguardar por outras luas.
Seminários, reuniões, workshops, conferências e apaniguados estão mais do que feitos. Volumes extraordinários de manuais de produção agrícola, autênticos tomos sobre como cultivar em zonas áridas e semi-áridas existem aos magotes. Mas, “quem põe o guizo ao gato?”.
Precisamos produzir comida a sério para que a seca nos encontre com reservas, para que o dólar flutue à vontade e o metical não passe por turbulências parecidas e não se concretize a velha máxima de que “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.
É que, a partir de Nacala, província de Nampula, começam a chegar relatos de desgaste da população em relação à subida galopante do custo de vida. Em redor não há machambas dignas desse nome, capazes de saciar aquele povo.
O Mercado Grossista do Zimpeto é um espelho do que se passa em surdina nos mercados menores, onde os preços estonteiam os chefes de família e os deixam cada vez mais duvidosos e receosos em relação ao amanhã.