.Em causa está a restauração das 217 barracas destruídas pelo fogo em Março último
Vendedores da Feira de Actividades Económicas em Quelimane declararam guerra a Manuel de Araújo, o presidente do município, alegando que este tem revelado pouco interesse na restauração das 217 barracas consumidas num incêndio em Março último.
Dizem que o presidente muda de cor imitando um camaleão e produz discursos que pouco sentido providenciam à urgência que têm de reerguerem as suas vidas. Manuel de Araújo fala de um projecto de requalificação a médio prazo e está a busca de fundos.
Duzentas e dezassete barracas pegaram fogo em Março último na cidade de Quelimane, a capital provincial da Zambézia. Cinquenta e sete comerciantes moçambicanos e cento e sessenta comerciantes estrangeiros (sobretudo somalis, guineenses, tanzanianos e nigerianos) caíram imediatamente na desgraça após perderem tudo, como adiante ver-se-á.
No local da ocorrência do incêndio a nossa Reportagem apurou que a desgraça atingiu comerciantes moçambicanos seguindo a máxima popular que diz: “um pouco de fermento leveda toda a massa”.
É que circunstantes relataram que o objectivo principal era atingir comerciantes estrangeiros que pululam em cada vez maior número na Feira de Actividades Económicas da Zambézia, outrora ex-líbris do comércio local.
A feira era réplica da FACIM quando a Zambézia capitaneava o mundo na produção de copra e o chá florescia a olhos vistos. Estas duas culturas formatavam binómio que tornava rijo o músculo de uma província que hoje cambaleia sob ponto de vista económico.
Voltando ao incêndio, dizíamos que os moçambicanos acabaram sofrendo por azar. Quelimane está apinhado de estrangeiros indocumentados que, por isso, têm receio de solicitar serviços à banca. Resultado: têm fama de guardarem avultadas somas em dinheiro nas bancas e em armazéns.
O que vimos na Feira das Actividades Económicas da Zambézia é mesmo espantoso: metade do mercado ardeu, outra permanece intacta. E a parcela dos estrangeiros foi literalmente consumida pelo fogo.
Parece inacusável, desde já, apontar o assalto aos bens e ao dinheiro como razão de tanta crueldade ali demonstrada no passado 8 de Março.
BOMBEIROS E POLÍCIAS
NA PILHAGEM
Paulo António Chicote, natural de Chinde, é um dos comerciantes moçambicanos afectados. Disse que tomou conhecimento do incêndio a uma hora de madrugada de 8 de Março quando alguém telefonou dando conta da ocorrência.
Referiu que quando chegou à feira duas barracas ardiam. As pessoas, entre as quais membros dos Bombeiros de Quelimane, assistiam, impávidas e serenas, a progressão das línguas de fogo.
Chicote disse que os bombeiros de Quelimane alegaram falta de água para se transformarem em mirones durante cerca de hora e meia, tempo suficiente para assistirem tantas barracas a serem devoradas.
Duas horas depois, fizeram-se ao terreno os bombeiros do Porto (Cornelder) que prontamente expeliram água sobre as barracas em chamas, cujo número entretanto aumentara. Tendo esgotado água sem dominar o fogo, foram socorridos pelos bombeiros da empresa Aeroportos de Moçambique quando já eram duas horas e trinta minutos de 8 de Março.
Segundo o nosso entrevistado, as duas equipas de bombeiros, do Porto e Aeroporto, permaneceram no local até as seis horas da manhã combatendo o incêndio, o que de certo modo evitou o alastramento do fogo para outras barracas.
"Nenhum comerciante conseguiu recuperar alguma mercadoria", disse Paulo Chicote, acrescentando que no momento de agitação, alguns populares não identificados e agentes da Polícia apoderavam-se de alguns bens.
Chicote tinha um armazém de venda a grosso e uma banca de venda a retalho e estima o valor total de mercadoria perdida (capulanas) em um milhão e duzentos mil meticais.
Refira-se que o total de comerciantes afectados pelo incêndio é de 217, sendo 57 moçambicanos e 160 estrangeiros de várias nacionalidades, destacando-se somalis, guineenses, tanzanianos e nigerianos.
Dos 57 moçambicanos, 5 eram armazenistas e retalhistas que movimentavam mercadoria em grande volume. Deste grupo havia dois comerciantes que guardavam valores nas respectivas bancas.
Angelina Rafael Sidique perdeu 30 mil meticais em dinheiro no incêndio. Em mercadoria, composta por sapatos, estima ter perdido 120 mil meticais,
Manova Pinto Pinho, vendedora de capulanas, tinha guardado 500 mil meticais no dia de incêndio e tinha mercadoria avaliada em 900 mil meticais.
Lucas Augusto Matanha, comerciante e proprietário de uma banca de sapatos usados disse que tinha na banca 680 pares de sapatos para homens e 57 pares de sapatos para senhoras. Perdeu tudo. A mercadoria é avaliada em 400 mil meticais.
Carlos Luanda, outro comerciante, referiu que perdeu três fardos com peças que totalizavam 900 capulanas ao preço dev150 meticais cada. O prejuízo total ronda os 92 mil meticais.
Disse que ao chegar ao local do incêndio deparou-se com bombeiros de Quelimane que nada faziam alegando que não tinham água no tanque.
Disse ainda que, para seu espanto, viu a viatura de bombeiros carregada de bens.
Ticiana Conde é chefe dos comerciantes da comunidade da Guine-Conacri. Disse que dedicava-se à venda de capulanas e chinelos. Possuía duas bancas e três armazéns, tendo perdido tudo no incêndio. Todo prejuízo ascende os três milhões e quinhentos mil meticais.
Tierno Amadou Diallo, da Guine-Conacri, disse que também perdeu tudo. "Bombeiros assistiram nossas bancas e armazéns a arderem, dizendo que não tinham água", disse, acrescentando que os bombeiros participaram nos roubos.
Mesma opinião tem Manomed Diabi. "Caí na desgraça. Tenho família que não sei como sustentar", lamentou.
O Conselho Municipal de Quelimane também confirma a presença de equipa de bombeiros do Corpo de Salvação Pública no local do incêndio, trinta minutos após chamada telefónica.
Sublinha, contudo, que chegados ao local, os bombeiros, de facto, apresentaram uma viatura sem água para debelar o fogo.
O Município de Quelimame diz não perceber como uma equipa que tinha como missão debelar o fogo ficou sem água no tanque da viatura, tendo em conta o facto de que o centro de abastecimento de água na cidade de Quelimane dista a cinquenta metros do quartel de bombeiros, na mesma rua.
O BUSÍLIS DA QUESTÃO
Tierno Suleymanedisse que neste momento nada serve lamentar. Quer reconstruir sua barraca, contudo o Município de Quelimane não deixa. "Temos pouco dinheiro para nós reerguermos mas não nos dão margem de manobra. Estamos a morrer a fome", grita.
Oumou Hawa Diallo, outra comerciante, disse que o Município de Quelimane tem um plano ambicioso de requalificação, a médio e longo prazos, que não se coaduna com a urgência de quem está com fome.
"Nós queremos reconstruir já as nossas barracas e armazéns"' disse Diallo.
Na verdade, o Conselho Municipal de Quelimane quer modernizar a Feira das Actividades Económicas da Zambézia, ao encontro da sua dimensão histórica, acautelando mecanismos de segurança para que mais incêndios não venham ocorrer.
Maquetes para novo mercado foram já desenhadas com participação de técnicos e estudantes da Universidade Politécnica, tudo num esforço que visa a construção de equipamentos sociais de melhor qualidade.
Os comerciantes não concordam com o projecto por ser oneroso e necessitar de mais tempo.
Estamos atentos
a situação dos nossos irmãos
– Manuel de Araújo, Presidente do Município de Quelimane
Manuel de Araújo, edil de Quelimane, disse que tudo está a fazer para trazer a normalidade de volta à vida dos comerciantes da Feira de Actividades Económicas da Zambézia.
Em declarações ao domingo fez saber que o município contactou a MozaBanco para uma proposta comercial que visa precisamente o apoio aos vendedores de forma a recuperarem as barracas destruídas pelo incêndio do passado 8 de Março.
Neste quadro, a MozaBanco irá conceder um financiamento que consiste num plafound até dez milhões de meticais, sendo que um dos financiamentos seria no montante máximo até cem mil meticais para cada vendedor pelo prazo máximo de um ano, mediante taxas de juro bonificadas.
Sublinhou que decorre neste momento o esboço de plantas topográficas para modernização da Feira de Actividades Económicas. "Os parceiros estão à espera da finalização do projecto executivo para custear despesas associadas ao projecto", explicou.
Manuel de Araújo mostrou solidariedade com os comerciantes afectados. " Sei que estão aflitos. Pedimos paciência. É a vida", disse, ressalvando que foi a pensar neles que a edilidade recorreu a banca e até a embaixadas.
O edil disse ainda que desde o incêndio várias comissões foram constituídas com objectivo de apoiar os afectados.
Esclareceu que uma dessas comissões visava precisamente o reassentamento dos comerciantes na aposta pela modernização da Feira, mas estes, incompreensivelmente, não aderiram.
"Nós queremos vê-los a trabalhar porque só nesta condição estado em condições de cumprir com obrigações fiscais. Parados como estão, prejudicam contas do município. Ressentimo-nos também", afiançou.
Para Araújo é preciso observar a desgraça ocorrida na Feira como oportunidade de investimento que rentabilize ainda melhor a actividade dos próprios comerciantes, dai o município ter esboçado um plano mais arrojado de requalificação, assente em equipamentos de melhor durabilidade e com garantia de segurança contra incêndios.
Texto de Bento Venâncio
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