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Simplesmente desolador!

Por admin

Os agricultores e os criadores de gado bovino do distrito de Moamba, província de Maputo, estão reticentes em relação ao futuro por causa da falta de chuva. Os campos de cultivo e de pastagem secaram. 

 

Enquanto os camponeses do norte e partes do centro do país não querem nem sequer pingos de chuva, os desta região do país, imploram pelo contrário. O quadro que se assiste é simplesmente aterrador.   

O distrito de Moamba faz parte de um selecto grupo de áreas administrativas com terras muito mais do que férteis. É um autêntico celeiro a céu aberto, onde toda a semente que por ventura é lançada à terra germina e dá frutos. Para completar o enredo, o rio Incomáti faz a honras do distrito, banhando-o com as suas águas de regime permanente.

Apesar do regadio ali construído há décadas não funcionar, por apresentar fissuras à toda a escala, os camponeses improvisam soluções que lhes permitem produzir toneladas de culturas como a batata-reno, tomate, cebola, pimento, hortícolas diversas e alguns cereais que são despachados para o principal centro de consumo do país, a cidade de Maputo.

Na região sul, Moamba só pode ser equiparada aos distritos de Chókwe e de Xai-xai, ambos da província de Gaza, em termos de produção agrícola, mas, mesmo assim, perderia por goleada tendo em conta os avultados investimentos realizados nos últimos anos visando devolver a musculatura produtiva dos regadios de Chókwe e do Baixo Limpopo, no distrito de Xai-xai.

Com todo este potencial agrário, a que se adiciona a componente pecuária, Moamba assiste impotente aos efeitos da seca que está a transformar aquelas terras aráveis em lugares inóspitos para qualquer planta ou animal, incluindo o próprio homem.

Se no começo do ano passado, altura em que choveu minimamente, os camponeses e pecuários de Moamba se queixaram, desta vez quase que não lhes restam lágrimas de tanto prejuízo causado por um fenómeno meteorológico conhecido por El-Nino, que eles nem sequer entendem como começou, de onde vem e para onde vai. Só conhecem os efeitos devastadores que já começam a parecer apocalípticos.

Um pouco por todo o interior do distrito, a nossa equipa de Reportagem avistou cabeças de bovinos mortos de fome e sede, bem como campos de cultivo completamente secos. Com espigas literalmente mortas. Um quadro penoso e repugnante que, para a tristeza geral, não se vai ficar por aqui, tendo em conta os avisos que nos chegam do Instituto Nacional de Meteorologia (INAM) e do Instituto Nacional de Gestão e Calamidades (INGC).

Noutros anos, por estas alturas, os camponeses deveriam estar a colher a produção do ano passado, mas esse sonho vai ficar na conversa, uma vez que o sol abrasador e a ausência de chuva destruíram tudo. Conforme referimos antes, o INAM, o INGC e o Ministério de Agricultura e Segurança Alimentar (MASA), através do Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional (SETSAN) advertem que a situação poderá piorar porque prevê-se mais calor para os próximos meses, sobretudo nas regiões sul e centro do país.

Para complicar as contas de todos, incluindo do governo a nível distrital, provincial e central, os países vizinhos, de onde provêm a maior parte dos rios que correm em direcção ao oceano índico, também estão a enfrentar o mesmo dilema e começam a implementar os seus planos de contingência.

Deverá ser por causa da activação desses planos que o leito do rio Incomáti se apresenta baixa, quase como um fio, a ponto de não fazer acreditar que é o mesmo que noutros anos a sua fúria desfaz infra-estruturas num ápice e inunda vários hectares de campos de produção de comida.

Como se a seca fosse pouco, os camponeses de Moamba também andam às cotoveladas com os areeiros que operam junto àquele rio, uma vez que estes bloqueiam a passagem da pouca água que ainda transita por ali para poderem explorar a melhor areia para a construção de edifícios. Observamos por ali que alguns destes areeiros estão, inclusive, a abrir novas bacias e barreiras em diferentes pontos do leito do rio.

Ainda não se sabe quantos hectares de campo de cultivo foram perdidos por causa desta mescla de situações, mas apurámos que há equipas mandatadas pelo governo central para procederem ao levantamento da situação e acredita-se que o relatório preliminar poderá ser divulgado ainda no presente Janeiro.

Enquanto os números oficiais são somados, multiplicados, divididos e subtraídos, a nossa Reportagem apurou que cerca de 1600 agricultores de porte médio que exploram aquelas terras estão desesperados, pois pouco ou nada lhes sobra.

A situação é preocupante e começa a gerar brigas entre os agricultores e criadores de gado, uma vez que alguns, que possuem áreas de cultivo nas baixas, preservam a esperança de obter alguma colheita, entretanto, a procura pela água e por áreas de pasto é tão intensa que o gado passa por cima do pouco que ainda sobra.

QUATRO HORAS A BUSCA DE PASTO

Os criadores do distrito de Moamba estão a enfrentar uma das mais desafiadoras missões das suas vidas porque, na actual conjuntura são forçados a caminhar durante cinco horas, no percurso de ida, e outras cinco de regresso, para localizarem campos com algum pasto e água para o gado.

A tarefa é complicada porque à medida que o tempo passa, o capim também vai escasseando, uma vez que são centenas de bovinos que passam pelos mesmos locais, todos os dias. Aliás, cresce a crença de que o ideal será transferir as manadas para outras paragens que ninguém sabe quais porque a seca está a dilacerar a província de Maputo como um todo.

Dado o esforço a que os animais são submetidos, algumas cabeças desfalecem pelo caminho e são abandonadas. Sem peso e sem força, parte delas afogam-se no rio Incomáti. Para complicar as contas, os pastores, muitos eles menores, não revelam o número de animais que abandonam nas romarias diárias. Aliás, nas cercanias dos bairros Josina Machel e Condene são visíveis carcaças de bovinos. Uma triste marca do pesadelo que os criadores vivem.

Enquanto a nossa equipa de Reportagem percorria aquele distrito assistiu a um pastor que tinha levado a sua manada para as margens do rio e um dos vitelos ficou atolado e, por causa da sua debilidade, não conseguia sair por si daquele lodo. Naquele local, ficamos a saber que este quadro se repete todos os dias em todo o distrito porque os animais estão debilitados de fome e sede.

Os próprios criadores estão desesperados porque já não é possível vender as cabeças ou mesmo consumi-las. Esta situação reflecte-se no mercado local que era marcadamente local de venda de carne bovina. Dada a crise, nas bancas só restam frangos.   

AGRICULTORES ABANDONAM ACTIVIDADE

Em consequência deste cenário, mais de 10 agricultores da zona e Muchia, que dista 10 quilómetros da sede distrital, decidiram abandonar aquela actividade porque a zona é propícia para a produção de hortícolas, que já não germinam e o pouco que sobrava virou pasto do gado.

O presidente da Associação dos Agricultores do distrito de Moamba, Joshua Sitoe classifica a situação de preocupante e revelou que é difícil convencer os camponeses a continuarem no ramo porque a produção que sobrou nas margens do rio é espezinhada pelos animais que procuram água e isso desmotiva a qualquer um.

Entretanto, recentemente foi criada uma comissão constituída por membros da associação dos agricultores, areeiros, criadores e do governo local, cuja missão é procurar formas para encorajar os areeiros a definir novas formas de extracção da areia no leito do rio Incomáti.

Contudo, volvidos oito dias depois da sua criação, a comissão continua a ter dificuldades para encontrar a solução para o problema, visto que alguns são teimosos e se escusam de ajudar a encontrar uma solução. Conta-se que até ao momento, três areeiros insistem em manter as suas barreiras activas.

Já havíamos alertado sobre esta situação, mas no passado ninguém quis nos dar ouvidos e hoje estamos a ter as suas consequências. Queremos ter um caudal com água que pode servir a todos. A acção dos areeiros está a ser bastante prejudicial”, disse.

Num outro desenvolvimento, Joshua Sitoe alertou que há um outro perigo no rio Incomáti. Tudo porque há zonas onde os arreeiros abriram bacias e neste momento ficam concentrados os crocodilos. “O crocodilo precisa de lugares onde existe água. Até agora ninguém já foi atacado, mas pode vir a acontecer porque partilhamos o mesmo espaço com estes animais, incluindo com o hipopótamo, disse.

CENTRO SECO

Também constatamos que o Centro de Captação e Distribuição de Água para irrigação dos campos de cultivo no chamado Bloco I está seco desde ano passado. O mesmo contava com um tanque onde era acumulada água do rio que posteriormente era conduzida para uma represa. Mais tarde era distribuída para as machambas. Actualmente, todos os tubos que faziam a captação estão literalmente secos e abandonados.

Para minimizar o sofrimento dos camponeses, foram colocadas várias barreiras no meio rio para permitir o desvio do curso da água. Seguidamente, foi montada uma tubagem do centro até ao rio, cuja função é captar água para a represa. A distribuição da água para as machambas é feita em dias intercalados, ou seja, um dia sim, um dia não.

Castigo Fumo, um dos responsáveis pela gestão daquele centro disse que a situação trouxe muitos problemas, tanto para a sua actividade, assim como para os camponeses. Lembrou ainda que devido a insuficiência os camponeses foram orientados para diminuírem as suas áreas de cultivo.

ROGAMOS TODOS OS DIAS

Por seu turno, o presidente da Associação de Criadores de Gado de Moamba, Jeremias Muthisse revelou que o sentimento dos criadores daquele distrito é de tristeza. Considera que a actividade caiu e não há esperança de voltar a recuperar brevemente, uma vez que o gado reproduz uma vez por ano.

“Rezamos todos os dias para voltar a cair a chuva o mais rápido possível porque precisamos de capim verde para os animais resistirem à fome, senão, vamos perder o que ainda nos resta”,disse.

Segundo Muthisse, os membros daquela agremiação entendem que a única forma de recuperação das cabeças perdidas será a implementação de um programa de repovoamento a ser promovido pelo governo. “Essa é a única esperança que temos para recuperar aquilo que já perdemos”.

Por sua vez, Amélia Cossa, também criadora de gado, disse que se a situação prevalecer por mais tempo será obrigada a transferir a sua criação para outros locais. No entanto, não sabe onde pode ser, uma vez que a seca arrasou todo o distrito, assim como circunvizinhos.

“A forma como estamos a perder os animais é triste. Actualmente caminhamos cerca de quatro horas a procura de um sítio onde ainda tem capim verde e água. Não sabemos por quanto tempo vamos aguentar”, referiu.

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