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HORTÊNCIA AUGUSTO: “ Diário” de uma mãe de gémeos prematuros

Por Jornal domingo

TEXTO DE GENÉZIA GERMANO

Hortência Augusto, de 28 anos, descobriu a dimensão da sua força no dia em que os seus gémeos chegaram ao mundo antes do tempo. A gravidez decorria sem sinais alarmantes, numa rotina que lhe transmitia segurança, até ao momento em que sentiu dores súbitas e intensas. Era o início de um parto prematuro aos oito meses. As crianças vieram ao mundo no início deste mês, a menina com 1900 quilos e o menino com 1800, pesos que, do ponto de vista clínico, exigem vigilância contínua e cuidados rigorosos. O quadro agravou-se dias depois. “A menina reduziu para 1810 quilos e o menino continuou nos 1800 quilos”, partilha.

O impacto emocional instalou-se como uma sombra ampla e persistente. Desde a primeira noite no hospital que Hortência vive entre o receio de más notícias e a esperança teimosa de que as próximas horas tragam sinais de estabilidade. “Vivo entre medo e ansiedade. Há momentos em que penso que não vou suportar, mas encontro força no apoio das enfermeiras. Conseguem acalmarnos quando o mundo parece desabar”, disse.

O maior desafio é a simultaneidade das exigências: dois bebés frágeis, dois corpos diminutos que dependem dela para tudo, duas necessidades diferentes a cada hora. A jovem mãe passa noites completas sem fechar os olhos. Escuta o menor suspiro, a mais leve alteração, e tenta responder a ambos com igual entrega. “Há sempre um que precisa mais de mim. Receio não estar à altura do que ambos exigem”, admite. A exaustão física soma-se à vulnerabilidade emocional,criando o seu dia-a-dia de superação.

Apesar do desgaste, Hortência encontra estímulos em cada pequena evolução dos filhos. Uma grama a mais, uma respiração mais regular ou um choro mais firme transformam-se em combustível para enfrentar as horas seguintes. “Cada sinal mínimo de progresso devolve-me esperança. É como se o corpo ficasse um pouco mais leve”, confessa.

A história de Hortência, contudo, não se constrói apenas com números, dores súbitas e desafios clínicos. A sua batalha intensificou-se quando descobriu que a chegada dos gémeos coincidiu com o abandono dos pais das crianças. O momento em que mais precisava de apoio converteu-se num espaço vazio. A responsabilidade integral caiu sobre os seus ombros, sem amparo emocional ou material da outra parte. A ausência marcou-a profundamente: “ele abandonou- -me quando eu mais precisava”, disse. Hortência descreve a sensação como um peso repentino, uma queda abrupta num vazio inesperado. Ainda assim, ergue-se diariamente movida pelo instinto maternal e pela responsabilidade que assumiu sem hesitar e apela, “peço a Deus que me dê forças para conseguir cuidar dos meus filhos”.

A recuperação dos gémeos dependerá da estabilidade do peso, da resposta aos cuidados neonatais e da capacidade de adaptação de ambos fora do hospital. Sabe também que não terá o apoio dos pais das crianças, mas aprendeu a encontrar suporte nas enfermeiras, em alguns familiares e na fé silenciosa que cultiva a cada amanhecer. (x)

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