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Cantando o país ao ritmo da inesgotabilidade da fonte lacustre (conclusão)

Por admin

Zeca Alage teve uma morte estúpida a 10 de Abril de 1993, nas barreiras de Maxaquene. Quem o assassinou, certamente, depois de levar os bens dele, foi comemorar o crime dançando ao ritmo da música dele.

 Era a tragédia a trazer drama na vida do grupo, mas os bons rapazes inventaram forças para dar arte aos poemas democráticos de Mia Couto no albinho “Não é preciso empurrar”, resultado da sua participação como trilha sonora na mini-série do mesmo nome, em 1994.

Em 1997, com o regressado Pedro Langa, gravaram “Kudumba”, uma obra em que a temática é o amor, reconstrução nacional, reabilitação pós-traumática, após a guerra. Um dos temas do Pedro Langa, “Mhamba Ya Malepfu”, reflecte essa necessidade de expelir os fantasmas de 16 anos de guerra. Será que ele pede uma missa de barba rija? Não sei. Ou será que a música fala de cobra mamba que ficou no mato e saiu barbuda 16 anos depois? Só ele pode responder, mas, na verdade, ele diz que o país vai progredir, depois da guerra. Em “Txongola”, Chitsondzo convida a todos os casais para fumarem o cachimbo da paz na esteira conjugal. Em tempos de paz os homens da guerra posam as armas e rendem-se às suas musas, com o candeeiro apagado, havendo em seguida as “descapulanações” conjuntas sem receio de corpos maltratados, por causa da instabilidade de um país. “Txongola” é um conto erótico, marrabentado, que só me faz lembrar os Cantares de Salomão. Neste álbum até parece que já não há fome em Moçambique, parece que tudo vai de acordo com o sonho do visionário Mondlane, ou do revolucionário Machel. Mas não, porque Chitsondzo traz o tema “Sathani”, uma sátira para todos os governantes, que só trazem políticas que transformam o povo na Felismina de Craveirinha, que evolui de mamana mal vestida em artista bem vestida de streap-tease. Políticos ambiciosos capazes de empurrar o país para uma guerra sangrenta só para legitimar o poder.

Escuto a música “Sathani”, de Roberto Chitsondzo, e o refrão imobiliza-me 
“vula wena makweru, udlayeli vanu hi ku fela a u kossi”(Confessa, meu irmão… mataste gente por ambição do poder), mais não digo, mas fica a alegria de ver um músico, deputado pelo partido mais criticado nos últimos tempos, a não sair em defesa do partidão, mas satiriza, e a arte agradece.

Em Novembro de 2001 é assassinado o fundador Pedro Langa. Seria o fim? O homem foi-se e deixou obra. Mais uma vez, assassinos sem causa; aqueles que nos tiram os nossos pássaros humanos, que nos embalam com a sua criatividade; pássaros que são nossos mensageiros; pássaros que valem mais que os 250 deputados pagos pelos nossos impostos, esses assassinos faziam das suas e me deixavam com lágrimas disfarçadas com o “Vana va ndota”, lançado em 2005. Um álbum que deixa Chitsondzo órfão dos seus, mas que sozinho, com ajuda dos restantes, mantém viva a chama dos Ghorwane. Estamos feitos filhos de ninguém, porque os nossos ndotas morreram e o estado ficou que nem a mãe viúva sem consolador mamani a yo sala yetxe/ a pfumala mu pangalati”.

Nós, público consumidor da boa música dos Ghorwane, pelo menos teremos esta banda que constitui uma mentira positiva da nossa História das artes. Ainda bem que o lago, lá de Chibuto, nunca vai secar, porque está muito longe da Mozal que já levou muitos riachos da província de Maputo a entrar num processo lento, mas evidente, de assoreamento. Enquanto tivermos o lago Ghorwane, teremos a música Ghorwane de Chitsondzo, irmãos Baza Baza, Carlitos Gove, Muzila, Paito, Schwalbach, David Macuácua e outros, que por esta banda passaram.

 

DADIVO JOSÉ

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