Início » O paraíso da anarquia liberal

O paraíso da anarquia liberal

Por admin

Por causa da reforma da Saúde promovida por Obama, os radicais republicanos do Tea Party conseguiram impedir a entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014 e «encerrar» boa parte dos serviços públicos do país. Cerca de 800 mil funcionários federais estão agora em casa e sem salário, enquanto mais de um milhão tem de trabalhar, sem que haja dinheiro para lhes pagar. E o pior ainda pode estar para vir.

Desde que Barack  Obama assumiu a presidência, em Janeiro de 2009, que a politica partidária, nos Estados Unidos, ficou inquinada. Agora, o resultado está à vista, com o país a atingir uma situação -limite que reflecte a crise geral do sistema e o grau de inoperância a que se chegou na capital, Washington: o encerramento indefinido da administração federal e dos serviços públicos, decretada a 1 de Outubro, uma situação crítica e sem precedentes nos últimos 17 anos – a Administração Clinton passou pelo mesmo, durante 28 dias, entre 14 e 19 de Novembro de 1995 e de 16 de Dezembro a 6 de Janeiro de 1996.

Tal degradação da actividade política tem, obviamente, múltiplos males e culpados, que remontam a décadas anteriores. Mas é inevitável assinalar, em face da suspensão das actividades da nação mais poderosa do mundo, a responsabilidade imediata do partido Republicano que sucumbiu às ameaças da extrema-direita, no seu próprio seio – por obra do Tea Party -, e negou ao Presidente um reforço do Orçamento de Estado que estava obrigado a dar-lhe, por lei e mero bom senso.

A lógica da chantagem

Sem esse reforço, e devido à recusa do Congresso de aprovar o Orçamento que Obama apresentou no princípio do ano, o Governo federal não tem, agora, dinheiro para pagar aos seus empregados. Centenas de milhares de funcionários estão, desde terça-feira (1de Outubro), em casa, sem direito a salário. Nos serviços públicos, incluindo saúde, educação e forças armadas, só trabalho o  pessoal estritamente indispensável. Os ministérios tiveram mesmo de fechar as portas, tal como muitas agencias governamentais.

Na realidade, os Estados Unidos estão ameaçados de se converterem no paraíso  da anarquia liberal com que  o Tea Party sonha, no mundo sem governo que o conservadorismo extremo norte-americano gosta de pregar diariamente. Para esta direita, o símbolo supremo do horror do Estado é a reforma da Saúde que,  com muitas dificuldades, Obama conseguiu levar por diante, em 2010. É sobre esta reforma – ou a caricatura que a demagogia radical faz dela – que recai a ofensiva que culminou no encerramento da Administração.

A Câmara dos Representantes (câmara baixa do Parlamento), dominada pelos republicanos, requereu, primeiro, que o reforço do Orçamento ficasse dependente da eliminação dos fundos destinados ao Obamacare. E, a seguir, exigiu o adiamento por um ano da aplicação desta reforma, que  deve entrar integralmente em vigar a 1 de Janeiro de 2014. Nenhuma das duas condições, consideradas inadmissíveis manobras de chantagem, foi aceite pela casa Branca, nem pelos democratas que controlam o Senado. Com efeito, seria a primeira vez que a rotina de aprovação do reforço do Orçamento – a que  o congresso esta constitucionalmente obrigado – passaria pela abolição ou a suspensão de uma lei devidamente aprovada e, neste caso ratificada pelo Supremo Tribunal.

Contagem apocalíptica até 17 de Outubro

No entanto, a Obamacare pode ser difícil de aplicar. Criará, muito provavelmente, algumas complicações burocráticas, pois não é simples integrar milhões de pessoas, de um momento para o outro, no sistema de saúde, num país em que não dispunham de qualquer protecção social nem de acesso a cuidados médicos.

Um dos grandes paradoxos é que a actual crise podia ter sido evitada se a liderança do Partido Republicano tivesse tido em pouco mais de coragem no Congresso. Todos os observadores consideram que havia votos suficientes, na Câmara de Representantes, para aprovar o reforço do Orçamento, sem emendas nem condições. A soma dos votos dos democratas e dos republicanos moderados seria, teoricamente, suficiente para que tal ocorresse. O problema é que  num foi submetido a votação  porque o presidente da Câmara, John Boehner, um republicano centrista, não se atreveu a desafiar o Tea Party. Faltam apenas 13 meses para as próximas eleições legislativas e os republicanos sabem que é deveras perigoso hostilizar o sector mais radical do partido, grande  gestor das emoções dos militantes de base.

Entre chantagens, medos e impotência –  a par da incapacidade dos democratas e de Obama para mobilizarem a opinião pública a favor da reforma da Saúde-, chegou-se ao actual impasse. O qual pode vir a causar sérios problemas económicos e, sobretudo, prejudicar a imagem e a credibilidade de um país que deveria dar um exemplo de firmeza e coerência na condução da sua politica. Não apenas por razoes morais, mas por ser o pilar da economia mundial e o Estado que mais conta para a segurança internacional.

E o pior, apesar da gravidade de tudo o que já aconteceu, ainda pode estar para vir. A 17 de Outubro, os Estados Unidos atingem aquilo que é conhecido com o teto legal da dívida (fixado em 16,7 biliões de dólares, cerca  de 12,3 biliões de euros). Se o Congresso não autorizar novo limite ao endividamento, o Governo terá de suspender pagamentos, incluindo os juros dos títulos do Tesouro. Só que o Congresso-entenda-se, os republicanos – vai  impor condições  para dar esse autorização: a suspensão ou a eliminação da reforma da Saúde. Os efeitos sobre a economia global de uma suspensão de pagamentos dos EUA seriam tão brutais que ainda se acredita ser possível encontrar uma solução nos próximos dias. Mas para conter tal optimismo basta pensar em tudo o que aconteceu para se chegar aqui….

De quem é a culpa?

Por estranho que tal pareça, segundo uma sondagem do New Yor Times-News, a maioria dos americanos responsabiliza a Casa Branca pelo apagão orçamental.

44%

Obama e os democratas

35%

Partido Republicano

16%

Todos

5%

Outros/Ns/Nr

Quanto vai custar?

€6 000

milhões

É a estimativa dos analistas da Goldman Sachs dos custos de uma só semana de shutdown. O anterior «encerramento» dos serviços públicos, em 1995-96, que durou 28 dias terá custado 1478 milhões.

Quem é mais afectado?

Quase toda a gente, embora uns mais que outros. Os militares e as forças de segurança estão a salvo, bem como o pessoal de saúde e, vá-se lá saber porquê, a classe política….

• Os mais de 400 mil funcionários civis do Pentágono (Ministério da Defesa) receberam ordem para ficar em casa, sem salário.

• Mais de 90 porcento (escapam, sobretudo, os meteorologistas e os cientistas) dos 46 mil empregados do Ministério do Comercio, estão também em férias forçadas

•À excepção dos astronautas da Estação Espacial Internacional e do pessoal que os apoia, 97 porcento do pessoal da NASA(18 mil) foi dispensado.

A capital do país, Washington D.C., vai perder 200 milhões de dólares por dia devido a esta crise, segundo Stephen Fuller, investigador da Universidade George Mason. Um terço da economia local depende, directamente, do Governo federal

• Os 19 museus nacionais, os 400 parques nacionais e locais emblemáticos como o Independence Hall, em Filadelfia, ou a Estatua da liberdade, em Nova lorque, ou a prisão de Alcatraz, em são Francisco, estão encerrados porque os seus funcionários não são considerados «essenciais». O impacto sobre o turismo será inevitável.

Apolémica reforma até… 2023

Era uma promessa da sua campanha eleitoral e, em 2010, Barak Obama viu aprovado, no Congresso, o pacote legislativo que pretende acabar com uma situação em que mais de 50 milhões de  americanos não tem assistência médica nem seguro de saúde. Desde estão, os  republicanos e o  Tea Party tudo fizeram para impedir a sua aplicação  definitiva. Em rigor, promoveram 42 iniciativas legislativas para alterar e sabotar o Affordable Care Act, nome oficial da lei que acusam de custar demasiado aos contribuintes, aumentar a carga fiscal sobre as famílias e constituir uma «violação das liberdades individuais». Ratificado o ano passado pelo Supremo Tribunal, o Obamacare entrou há dias em vigor. Os cidadãos têm agora ao seu dispor as diferentes apólices de seguro num portal online criado especialmente para o efeito. Mas as complicações burocráticas e, sobretudo, o shutdown dos diferentes serviços administrativos dos pais fazem com que, na melhor das hipóteses, só no próximo ano o sistema possa estar a funcionar em pleno. E mesmo assim, segundo os serviços do próprio Congresso, mais de 30 milhões de habitantes- 10 porcento da população – vão permanecer sem cuidados médicas até 2023…

                                                                                      In Visão

DESTAQUE

Durante os anos da Administração de George W. Bush (2001-2009), nunca houve apagão orçamental e on tecto da dívida foi elevado por cinco vezes.

Você pode também gostar de:

Propriedade da Sociedade do Notícias, SA

Direcção, Redacção e Oficinas Rua Joe Slovo, 55 • C. Postal 327

Capa da semana