Nado no distrito de Mandlakaze, província de Gaza, em 1938, Noel Langa, 75 anos,é um dos nomes mais sonantes das artes plásticas e da cultura moçambicana. É conhecido, ao nível
nacional e internacional, pela maneira como expressa o seu pensamento em telas e por possuir um estilo característico bastante apurado.
Residente, há tempos, e para onde retornou, no Bairro Indígena, na cidade de Maputo, Noel Langa é um homem de porte alto, olhar sereno e dono de uma simpatia que encanta qualquer pessoa.
Recentemente, a nossa equipa de Reportagem visitou-o em sua residência -atelier que é onde produz as suas criações. Aliás, ali o artista abre as portas para diferentes personalidades, sejam estas amantes ou fazedoras das artes, uma vez que aquele lugar é repleto de beleza, que ele faz questão de partilhar com terceiros, daí a designação de “Centro Cultural Arco-Íris”.
Foi a propósito do Centro – que anteriormente era chamado de “Atelier Arco-Íris” – que lá estivemos para dois dedos de conversa com o “velho Noel”.
Langa iniciou-se na actividade artística ainda criança por influência da mãe, que era ceramista. Enquanto outros petizes da sua idade faziam outras brincadeiras, como a neca, jogo de berlindes, entre outros, ele ficava num canto a desenhar na areia.
Aos 16 anos de idade, já consciente do que queria na vida, veio viver para a então “Lourenço Marques”, hoje Maputo, procurando oportunidades de crescer e desenvolver a sua arte. Em 1960 começou então a estudar pintura decorativa. E assim se formava e surgia aquele que é uma das grandes referências artísticas do país e, por que não, de África.
Em 1991 decidiu transformar a sua casa em um atelier. Segundo conta sentiu a necessidade de fazer algo diferente naquele lugar, ou seja, torna-lo num sítio onde as pessoas pudessem apreciar diversas obras de arte e divertirem-se.
Um dos motivos que me fez pensar em tornar este lugar num local público e artístico é o facto de ter sido aqui onde cresci, desenvolvi minha arte, sem deixar de lado o facto de ser um bairro histórico de Maputo de onde saíram grandes figuras simbólicas do nosso país. Refiro-me a Juvenal Bucuana, Ricardo Chibanga, Aldino Muianga, Marcelo Panguana, entre outros, disse.
No Atelier Arco-Íris eram realizadas diversas actividades como exposições, secções de jazz, aulas de pintura intitulada roda-viva, entre outras. Entretanto, de algum tempo para cá, a casa mereceu uma reabilitação, que culminou também com a troca do nome.
Em 2010 o atelier passou a denominar-se Centro Cultural Arco-Íris. Segundo o nosso entrevistado, havia uma necessidade de tornar o local mais abrangente e muito mais acolhedor, daí a nova designação. Os objectivos que levaram à transformação daquela casa em um lugar completamente artístico continuam.
O artista, que não esconde a sua satisfação por ter o seu centro num bairro histórico, revelou que naquele espaço já passaram várias personalidades como os escritores Juvenal Bucuana, Aldino Muianga, o saxofonista Moreira Chonguiça, entre outros.
“Malangatana e Alberto Chissano, em vida, ensinaram-me a não fazer as coisas apenas para mim. Que devia fazer as obras para a sociedade, daí que tenha decidido que, com a mudança do nome, não deveria ser apenas o Noel a gerir este espaço, por isso tenho nove amigos que me ajudam na gestão.”
ACTIVIDADES DO CENTRO
Actualmente, o centro acolhe também diversas actividades como são os casos de debates, aulas de pinturas para alunos com idades compreendidas entre 11 e 50 anos, e ainda culinária com comidas típicas nacionais, designadamente matapa, couve, nhangana, caril de amendoim, bacalhau com mandioca, xima, entre outros.
O artista mostrou que para além de ser um excelente pintor é também um exímio cozinheiro. domingo foi convidado a participar num dos eventos recentemente realizados para testemunhar de perto as actividades que acontecem. Foi assim queconheceu melhor o funcionamento do Centro Cultural Arco-Íris.
O ambiente foi de muito “glamour”, todos os presentes demonstravam satisfação, uma taça de vinho aqui, um sumo acolá. Os pratos do dia eram matapa com caranguejo, bacalhau com mandioca, frango grelhado, xima, entre outras iguarias típicas do universo gastronómico moçambicano.
Os participantes do encontro trocavam experiências; ali falava-se de tudo desde as histórias mais remotas do país às mais recentes, como por exemplo sobre o gigante Gabriel Mondlane.
Durante o almoço descobrimos que Noel Langa não tem muitos alunos; são vários que se inscrevem para ter aulas de pintura, no entanto, só os que têm talento é que ficam. Os outros desistem pelo caminho, pois aquele pintor acredita que a arte não se ensina a ninguém, simplesmente deve ser incentivada aos interessados.
“Não temos tantos alunos, porque em geral muitos vêm pelo entusiasmo, mas, depois de um tempo, desaparecem ficando apenas aqueles que serão os possíveis artistas, que realmente gostam de pintar e desenhar. São estes com quem tenho trabalhado”, disse.
No que concerne à manutenção do Centro, conseguimos apurar que todas as despesas são custeadas com valores provenientes do pagamento de vários quadros e a realização de alguns concertos. “Para a reabilitação não tive nenhum apoio, fi-lo através de fundos próprios. As ideias, aconselhamentos busquei da sociedade e da experiência obtida fora do país sobre como é que funciona uma galeria”, afiançou.
Mais adiante, Noel revelou que geralmente recebe no centro pessoas de fora que procuram algo diferente, que desejam conversar, conhece-lo e trocar experiência. Mas também tem recebido cidadãos nacionais, sendo que alguns destes é que levam os seus amigos estrangeiros para o Centro.
MOMENTO MARCANTE
Num outro momento, Noel Langa lamentou o facto de serem poucos os consumidores das obras de artes, o que de um certo modo condiciona a manutenção do centro.
“É que os consumidores e compradores de artes são poucos. São sempre as mesmas pessoas que compram e, por vezes, estes já têm muitas obras, acabam optando por comprar muito poucas”, avançou.
Langa falou-nos igualmente do momento crucial da sua carreira, que fora em 1992 quando recebeu um convite para representar o nosso país na Alemanha, nessa época era presidente do núcleo de arte. Havia lá uma conferência internacional de artes e cultura. “Para mim foi um outro viver das artes. E tive a oportunidade de interagir com diferentes pessoas”, disse.
Refira-se que Noel Langa está a preparar exposição itinerante cujo ponto de partida será a província de Gaza, terra que o viu nascer. Para ele, esta mostra deve concretizar-se porque afinal, há muitos anos, veio à cidade para prosseguir com os estudos, fez um curso e, para além disso, transformou-se no homem que é, ao mesmo tempo, orientador e educador, mas nunca conseguiu mostrar o seu trabalho aos seus avôs e à província natal.
Maria de Lurdes Cossa