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Sul-africanos perdem a paciência e envenenam cornos

Por admin

O governo sul-africano esgotou a paciência e diz que não vai tolerar mais a invasão do seu território por caçadores furtivos de rinocerontes que também atiram mortalmente contra os seus

 fiscais. “Basta! Vamos investir tudo o que estiver ao nosso alcance para acabarmos com esta guerra”. Em paralelo, aquele país desenvolve uma campanha de infusão química aos cornos dos rinocerontes com o objectivo de envenenar o consumidor final. Na óptica daqueles governantes, pode ser que não se acerte em cheio nos furtivos durante a troca de tiros mas, os consumidores de cornos, infalivelmente, “vão passar desta para a melhor”.

Se é guerra que querem, então vamos a isso. Podem crer que não pouparemos meios humanos e materiais para pôr termo a esta invasão e extermínio dos nossos recursos faunísticos. Vamos com tudo o que temos ao nosso alcance”, avisam os representantes do governo da província de Kwazulu Natal, que faz fronteira com a região de Ponta de Ouro, no extremo sul de Moçambique.

A decisão de “rebentar com os miolos” de quem ousar violar a fronteira sul-africana com a pretensão de caçar rinocerontes resulta do facto de aquele governo estar a observar um incremento do abate daquele mamífero pois, só este ano, foram mortos onze, na diminuta Tembe Elephant Reserve, no limite com Ponta de Ouro.

Para enfurecer ainda mais os sul-africanos, consta que os caçadores furtivos terão abatido 63 rinocerontes em toda a província do Kwazulu Natal ao longo deste ano, e que a África do Sul como um todo já contabilizou a morte de um total de 618 rinocerontes de Janeiro a esta parte.

Como se isso fosse pouco, Meshack Radebe, Ministro da Agricultura e Ambiente da região de Kwazulu, enuncia que a cada dia que passa cresce o número de guardas florestais (rangers) mortos e feridos em confrontos com atiradores furtivos, o que reforça a ideia de que se está perante uma guerra movida por indivíduos que não respeitam a soberania do Estado sul-africano, dos seus cidadãos e recursos naturais locais.

O programa de infusão química aos rinocerontes não é o fim. Constitui apenas um dos elementos essenciais para se estancar a caça furtiva pois, não nos podemos sentar relaxados, impávidos e serenos a assistir ao extermínio dos nossos animais”, disse Radebe de forma reiterada.

De igual modo, o responsável pela gestão dos parques e reservas de Kwazulu, Bandile Mkhize, reforçou as posições de Radebe ao afirmar que os órgãos de justiça daquele país estão claros de que não devem “mover palha” para julgar rangers que tenham abatido um caçador furtivo seja ele de onde for “porque isto é uma guerra que temos que vencer. Estejam claros disso. No final, nós é que devemos ser os vencedores”.

Conferência de imprensa com aplausos

A apresentação da posição oficial das autoridades sul-africanas foi feita em conferência de imprensa realizada na semana passada num dos acampamentos da Tembe Elephant Reserve, no Kwazulu, na presença de membros do governo, do parlamento, órgãos judiciais e de jornalistas locais que aplaudiam às decisões que Bandile Mkhize e Meshack Radebe anunciavam.

Na verdade, aquela conferência de imprensa serviu para “formalizar” uma prática que já vem sendo levada a cabo pelos guardas florestais e até mesmo pelo exército sul-africano, que é o de abater caçadores furtivos que palmilham os parques e reservas daquele país à procura de rinocerontes. Na extensa linha de fronteira que separa o Krugger Park do Parque Nacional do Limpopo morrem tantos caçadores, assim como rinocerontes.

Por outro lado, aquele evento soube a uma celebração religiosa evangélica, daquelas em que o pastor faz a pregação enquanto os crentes soltam sonoros “améns” em concordância com o prelado. Radebe, em particular, fez o seu discurso prenhe de carga emotiva, deixando a plateia visivelmente contagiada, sobretudo quando distribuiu agradecimentos e rasgados elogios aos “rangers” mortos e feridos em confrontos com caçadores furtivos. Choveram aplausos.

A presença de jornalistas moçambicanos, nomeadamente do jornal domingo, Televisão de Moçambique (TVM) e Rádio Moçambique (RM) foi reiteradamente enaltecida porque se entende que o nosso país é um dos maiores “exportadores” de caçadores furtivos, e o pior é que os números não só não mentem como também envergonham. “Os trinta e oito furtivos que conseguimos deter aqui no Kwazulu Natal este ano, mais de metade são moçambicanos”, revelou Mkhize, sem se referir ao número de caçadores já abatidos.

Apesar do quadro nebuloso, as autoridades sul-africanas dizem que não culpam a sua contraparte moçambicana e muito menos a sociedade moçambicana como um todo porque, na sua óptica, os grupos que praticam estes actos estão entrelaçados em teias de crime organizado compostos por gente de várias origens, incluindo cidadãos locais.

Moçambique não é o único país de quem a África do Sul diz precisar de apoio vigoroso em termos de tomada de medidas enérgicas para estancar este mal. “Pensamos que o Zimbabwe e o Lesotho devem se unir aos nossos esforços porque, pelo ritmo de destruição que estamos a registar, não vai ser possível concretizar a ideia de criar parques transfronteiriços”, afirmam.

Mergulhado na comoção, Radebe sublinhou que a África do Sul não entende esta questão como “política”, mas sim como um problema de força. “Não estamos preparados para ver morrer mais nenhum dos nossos homens, pelo que vamos agir sem contemplações”.

Infusão tóxica e tinta indelével  

Porque o assunto é assumido como demasiado sério na África do Sul, a Fundação Parques da Paz (Peace Parks Foudantion) está a investir cerca de oito mil randes para tratar cada rinoceronte com um insecticida (ectoparasiticida) que é uma substância incolor que é injectada na base do corno para se espalhar pela queratina (proteína contida nos pêlos) que comprime o corno e o torna extremamente tóxico para o consumo humano e desfaz a estética da ponta.

O investimento da Peace Parks pode ser considerado de pequeno quando comparado com os resultados que se espera alcançar a breve trecho, na medida em que o preço do corno, no mercado negro, já atinge os 75 mil dólares por quilograma, facto que está a atrair cada vez mais gente para a caça furtiva.

Relatos colhidos em Kwazulu indicam que os cornos destes mamíferos são comercializados na Ásia em circuitos onde se acredita que estes possuem propriedades afrodisíacas, de tipo Viagra ou Pau de Cabinda, e outros defendem que aquele chifre pode curar de certos tipos de cancro. 

Na campanha que as autoridades sul-africanas estão a desenvolver, denominada “War on Poaching”, o mesmo que “Guerra contra a Caça Furtiva”, fazem questão de espantar os mitos que cercam o rinoceronte ao indicar que “o pó do corno não faz rejuvenesce, não torna as pessoas férteis, não afasta demónios e não cura câncer ou gripe”.

Segundo especialistas que trabalharam no desenvolvimento desta infusão, nomeadamente Charles Van Nielerk e Lorinda Hern, da Universidade de Pretória, para além do insecticida, os rinocerontes recebem uma substância indelével que retira a coloração original do corno, deixando a ponta rosada, ao mesmo tempo que degrada a tal substância que os compradores deste troféu procuram.

Van Nielerk e Lorinda Hern asseguram que a tinta incolor que se aplica no corno é indelével e pode ser detectada pelos aparelhos de Raio X que são usados nos portos, aeroportos e postos fronteiriços mesmo quando o escorne é triturado e transportado em pó.

Mas os sul-africanos não ficaram por aqui. “Cada rinoceronte terá o seu DNA gravado em arquivo e vai passar a viver com um aparelho de comunicação colado ao corpo que nos vai permitir aferir a sua localização exacta e a sua situação vital”.

Especialistas indicam ainda que esta substância é inofensiva para os rinocerontes mas extremamente perigosa para os que forem consumir a Viagra e outras substâncias produzidas a partir de cornos tratados intoxicados. “A substância não substitui nada mas acrescenta factor de impedimento para os consumidores finais”, referem.

Operação realizada ao vivo

A paixão dos sul-africanos pela fauna bravia é extrema, o que resulta em grande parte do facto de estarem conscientes da contribuição que as áreas de conservação têm na economia local. A título de exemplo, o Krugger National Park, que é o porta-bandeira do turismo sul-africano, recebe por ano mais de um milhão de turistas e o país inteiro chega a acolher mais de nove milhões de turistas, como aconteceu no ano passado.

Como prova do estágio de desenvolvimento que os parques e reservas nacionais atingiram naquele país vizinho, a província de Kwazulu Natal, que deve ter o tamanho da província de Inhambane, possui 58 resorts de fauna e flora e 31 áreas protegidas.

A Tembe Elephant Reserve é das mais pequenas que existem naquela província e, mesmo assim, apresenta um potencial faunístico incrível pois, mal o portão é aberto, surgem antílopes diversos que, de tão habituados à presença humana, não esboçam o menor sinal de fuga. Ficam ali a contemplar os transeuntes como se estes é que fossem o objecto turístico.

A demonstração da infusão tóxica de rinocerontes foi realizada ao vivo, no interior da Reserva de Tembe, numa operação que envolveu vários técnicos veterinários e gente entendida em fauna bravia e que contou com a presença da imprensa, tida naquele evento como o principal alvo da mensagem do governo sul-africano.

“Precisamos levar este assunto a sério”

Para além dos jornalistas do domingo, TVM e RM, as autoridades sul-africanas fizeram questão de convidar vários representantes do governo moçambicano, nomeadamente o administrador de Matutuíne, Avelino Muchine, da Reserva Especial de Maputo, Armando Nguenha, do Governo da Província de Maputo e do Consulado de Moçambique em Durban.

No final, todos foram unânimes em afirmar que “a situação é crítica e precisamos levar este assunto a sério porque perdem-se vidas humanas. Temos de fazer um trabalho sério visando desencorajar a caça furtiva que alguns assumem que é a forma mais rápida de enriquecimento e se esquecem dos riscos”.

Jorge Rungo

jrungo@gmail.com

 

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