A família, antigos colegas da comunicação social e a Autoridade Tributária, perderam recentemente um grande homem. Albano Naroromela. Um homem que abraçou suas causas, interagiu com muitos
e soube ouvir e encarar a vida.
Naroromela foi jornalista. Trabalhou no jornal notícias e mais tarde transferiu-se para o semanário domingo, órgãos pertencentes a mesma empresa mãe, Sociedade do Notícias. Fez colaborações com várias revistas e jornais. Um dos géneros que mais cultivou foi a crónica. Por isso, em jeito de homenagem póstuma, publicamos na presente edição, uma das crónicas da sua autoria. Publicado no jornal notícias a 27 de Setembro de 1980, o texto é contemporâneo e reflecte o que ainda se vive, a condução em estado de embriaguez que semeia luto nas famílias moçambicanas.
Só bebi, mas não estava grosso
Conduzir em estado de embriaguez é um crime. Alguns motoristas, porém, teimam em acender uma ridícula discussão em torno desta afirmação, porque, ao que dizem, os efeitos de álcool ingerido são um importante factor para apurar a lucidez de quem percorre longas distâncias ao volante da sua máquina. E até acrescentam: quanto maior for a quantidade do líquido, melhor.
Nos últimos dias, a tendência para a instituicionalização da embriaguez no seio dos motoristas é de tal maneira crescente que, segundo as declarações de um elemento ligado à Secção de Trânsito da PPM, não é raro deparar com um garrafão cheio de qualquer bebida alcoólica no interior de uma viatura.
Evidentemente que, em vez de “apurar a lucidez” de quem quer que seja, os efeitos do álcool baixam-na redondamente e a consequência imediata é a ausência total de responsabilidade e de controle. E não só: são os muros das paredes que desaparecem após um inevitável despiste, são os encandeamentos e as suas tremendas consequências, são homens, mulheres e crianças que perdem vida, para não falar dos inúmeráveis danos materiais que, normalmente, afectam directamente os serviços estatais e o próprio Aparelho do Estado.
Em Cabo Delgado (oxalá não aconteça no resto do País), a situação é deveras assustadora e isso explica a razão por que a presente Campanha de Prevenção de Acidentes está a incidir o seu desenrolar no combate sobre os motoristas embriagados.
Entretanto, uma vez que se tem tornado difícil o controle oficial dos indivíduos frequentemente implicados neste assunto, sugerimos a criação de uma espécie de agentes contraladores de Trânsito em todas as Aldeias fixadas ao longo das estradas e picadas.
Isto porque a frequente escassez de bebidas nos restaurantes e bares desta zona do País, não afecta em nada o consumo do álcool pelos motoristas, pois estes até preferem “apurar a lucidez” com as bebidas caseiras das comunidades rurais (a mais famosa é a “nipa”) por onde passam.
Apenas por uma questão de esclarecimento de qualquer dúvida, apontamos um recente caso de um trio chefiado por Manuel Baltasar Rodrigues, condutor de um camião-cavalo dos CFM, completado por Bernardo Metina e Minanti Nikutha ambos ajudantes.
Proveniente de Nacala, onde fora efectuar um grande carregamento de trigos para abastecer a população de Cabo Delgado, este trio foi surpreendido pela Polícia de Trânsito, com um garrafão de cinco litros de “nipa” consumidos na sua maioria, no interior da cabine do camião-cavalo, mesmo ao lado do condutor Manuel Rodrigues.
Nessa altura, os dois ajudantes dormiam profundamente sob os efeitos do álcool, na carroçaria. Uma mulher, um homem e uma criança, arrependeram-se, porém apesar de não ter havido acidente da boleia, não só devido ao cheiro da “nipa”, mas sobretudo à insegurança do condutor ao volante…
Só que Manuel Rodrigues está decidindo a tentar provar no tribunal, que só bebi, mas não estava grosso.
Albano Mendes, 27 de Setembro de 1980