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A Ilha do Diabo

Por admin

O homem que há umas semanas está internado numa das unidades sanitárias sul-africanas e que semana passada celebrou 95 anos de idade, tem o seu nome indissociavelmente ligado à paradisíaca 

Ilha de Robben, na África do Sul. Nelson Mandela, como tantos outros presos políticos, passou ali muito tempo da sua vida, entre a reclusão e o terror. Os relatos sobre os tempos tenebrosos da “casa de Mandela” são de todo arrepiantes, como terá sido até há 23 anos, quando foi encerrada aquela zona insular para fins reclusórios. domingo esteve na ilha, não faz muito tempo, para recuperar a história.

 

Depois de quase 30 minutos de viagem de barco, saídos da bela cidade de Cape Town, atraca-se na Ilha de Robben, junto a um local de acostagem com características algo diferentes daquilo que habitualmente encontramos em portos comuns, no nosso dia-a-dia.

Ao pisarmos o primeiro betão na zona de acostagem, ainda não temos a noção das muitas coisas que vamos poder ver ao longo de toda a ilha, sobretudo o que ela nos vai proporcionar, uma vez que dela só sabemos que foi o local de reclusão política que o regime do Apartheid usou durante a repressão histórica que todos conhecemos.

Do lado esquerdo encontramos compartimentos perfilados e, cada um deles, tinha tido a sua função no processo de recepção dos prisioneiros, tendo em conta o caso que levara o condenado a ser encarcerado na ilha. No lado direito do corredor de betão encontramos apenas água.

A África do Sul possui no seu vasto território um conjunto de cadeias para a reclusão de muitos criminosos, mas a Ilha de Robben tinha a particularidade de se constituir especial em relação a todos os restantes estabelecimentos prisionais. A expectativa de quem vai até àquela zona insular é a de aferir com realeza esse carácter especial que tem a Ilha de Robben.

Mandela classificou-a como a “Ilha do Diabo”, mas, mais tarde, assumiu que a Ilha de Robben foi a sua “casa”. Alguma razão forte terá levado Nelson Mandela a variar naquelas duas posições, quando tentou atribuir uma denominação para aquele lugar insular que situa ao largo da deslumbrante cidade de Cape Town, na vizinha África do Sul.

Os prisioneiros, de uma maneira geral, denominaram o lugar como a “Ilha do Diabo”, devido às coisas mais horrorosas que por lá terão passado, mas, quanto a Mandela, este não teve dúvida quando considerou-a ser a “sua casa”, porque foi lá que passou 18 dos 27 anos que esteve condenado pelo então regime do Apartheid.

Depois de percorrer o corredor de betão, que passa defronte de cada um dos compartimentos que nos tempos da reclusão serviam para a triagem dos presos, onde certamente podia-se ver homens de origem “boer” armados “até aos dentes”, atravessamos um portão com uma altura de sensivelmente cinco metros.

O que fica para trás desaparece do nosso horizonte visual, como se fosse uma imagem que se apagou, e, de seguida, entramos para um espaço amplo, relvado, bem tratado e sempre comovente, como todas as outras coisas que se podem ver ao longo de toda a ilha.

Percorrendo o terreno que parece baldio, sem árvores e todo ele relvado apenas, vemos ao fundo dois portões altos, pintados na cor cinzenta, e, ao lado, paredes também de elevada altura, o que nos sugere ser a zona das celas.

Junto daquela entrada foram colocados dois canhões, virados para a baía de Cape Town, material bélico que, segundo disseram, terá sido usado durante a II Guerra Mundial e que ali está exposto com o propósito de preservação histórica.

Afinal de contas, o que nos causa sensação na Ilha Roben é o facto de termos oportunidade de visitar um recinto prisional, sem que exista lá um único prisioneiro, incluindo a ausência de todo o “ritual” que nos transmite uma cadeia que habitualmente conhecemos.

Mandela, Walter Sisulu, entre outros, são exemplos vivos daqueles que conseguiram resistir até à sua libertação todas as atrocidades repressivas que por ali passaram quando estiveram em regime de condenação.

Muitas coisas terão passado os diversos presos que ali estiveram. No caso de Mandela, nunca se conseguiu apurar que o problema que ele passou a ter nos pés, depois de ter deixado a presidência sul-africana, possa ter uma relação directa com aquilo que viveu nos 18 anos que esteve em “Robben Island”.

CELAS ADENTRO

Junto de dois portões cinzentos somos recebidos com uma aberta hospitalidade pela equipa que está a fazer a gestão directa da ilha e os cordiais cumprimentos de boas-vindas não são dispensados nessa altura.

As formas, o roteiro, para quem escala a ilha, são feitos de tal modo que representa uma espécie de réplica daquilo que foi a trajectória como eram conduzidos os presos quando chegassem para cumprir a sua pena.

Michael Mbata, ex-presidiário e funcionário da “Prison Precinct”, nome que é denominada a área cercada de paredes, recebe-nos com sorriso amigo e deixa-nos algo confortados para percorrer uma ilha que acolheu numerosos presos políticos, entre os quais Nelson Mandela (Madiba).

Depois de abertos os dois principais portões, vemos um corredor comprido, chão de cimento queimado e limpidamente envernizado. Nas laterais, encontramos pequenos compartimentos, como se se tratassem de gabinetes de trabalho.

O nosso guia, Michael Mbata, explica que cada uma das salas tinha a sua função específica e que, à medida que ia fazendo o seu relato, causava arrepio quando tentávamos perceber como é que cada um dos presos terá passado por aquelas amargas experiências.

No meio do corredor, do lado direito, encontramos duas escadas que nos conduzem a uma sobreloja. Segundo nos contaram, do lado de cima ficam situadas as salas que funcionaram como cabines telefónicas.

No fundo do corredor situam-se duas portas de saída para uma espécie de pátio que nos permite chegar às outras secções da cadeia, designadamente a Secção A e a Secção C.

NA CELA DE MANDELA

Encontrávamo-nos na Secção B, local onde se situa a cela 4, na qual Nelson Mandela passou 18 anos de reclusão. Com 32 celas, a Secção B tem um corredor do lado esquerdo da “Prison Precinct”, que tem nas extremidades uma espécie de enfileirado de grades, com pequenas portas.

Entramos nesse corredor do lado esquerdo e fomos vendo cada uma das celas até que, em tão pouco tempo, alcançamos aquela que ostenta o número 4, que funcionou como uma espécie de “quarto” para o líder histórico da África do Sul.

No interior da cela encontramos um banquinho encostado à parede do fundo, junto à janela, tendo por cima um pratinho, uma panelinha e uma colher. Numa das extremidades do quadrado da cela, mais para a esquerda, vemos uma manta estendida como se fosse um colchão e, por cima, uma outra dobrada como se fosse uma almofada.

Junto à porta de grade, existe um pequeno aparelho com dois botões, os quais se pode accionar e o visitante terá a possibilidade de ouvir a voz do recluso que esteve a ocupar a cela. É algo de sensacional e impressionante para quem ouve a voz de um determinado preso, num inglês carregado.

Da janela da cela de Nelson Mandela vê-se uma área onde os presos apanhavam, por algumas horas, o banho de sol, sempre acompanhados por um guarda prisional, em cada movimento. Se o preso se sentasse, o guarda também se sentava ao seu lado, sendo que as únicas línguas que eram permitidas dentro da cadeia eram o Inglês e o “Africânder”, tudo para permitir que a comunicação fosse entendida pelo pessoal da segurança.

Foi a partir da janela da cela de Mandela que um padre que escalou a cadeia pôde captar um instantâneo de uma conversa que o líder histórico da África do Sul travou com Walter Sisulu no pátio para o banho de sol, cuja imagem foi largamente difundida pelo mundo.

A IMAGEM DA ILHA

Já no pátio notamos que este está cercado com paredes de betão, com uma altura de quase 20 metros, que separam as secções B, onde nos encontrávamos, e a A, que foi ocupada por outros presos políticos que por ali passaram.

Saímos à pé da Secção B por uma outra entrada que nos leva a uma espécie de quintal, onde tomamos uma viatura da marca “Land Rover”, completamente descapotável, típica de um carro para praticar o turismo de “safari” nos grandes parques turísticos.

Percorremos uma estrada que circunda grande parte da Ilha de Robben, percurso que nos permitiu visualizar o cemitério onde foram enterrados os presos que morreram quando ali estiveram a cumprir pena.

Um pouco mais adiante, encontramos uma infra-estrutura que mais parece uma residência. Disseram-nos que, no seu interior, não tinha nenhum imóvel, portanto era no fundo uma sala ampla cercada de paredes.

Segundo os conhecedores da ilha, a referida sala funcionou como cela disciplinar, onde eram feitos os interrogatórios com base em torturas. O preso era torturado de tal maneira que os seus gritos chegavam aos ouvidos dos presos que estavam encarcerados nas secções mais próximas do local.

Numa parte da ilha possuímos uma espécie de praia, a parte cujas águas do mar tocam a  “Robben Island”, de onde se pode ver os “pinguins” a saltar e as gaivotas a passear no seu voo rasante.

Um poço mais em frente, encontramos uma espécie de areeiro, descrito como o local de retiro preferido por Nelson Mandela, entanto que presidiário. Junto de paredes de areia, Mandela chegou mesmo a cavar com as suas próprias mãos uma pequena gruta, onde podia achar sombra em dias de intenso sol e calor.

Mais à frente encontra-se um edifício de características diferentes, amplo e com muitas janelas, mas apenas duas portas. Era onde funcionava a cela geral, cujos presos dormiam em beliches de três camas cada.

Próximo daquela infra-estrutura temos um novo vão, onde se situa uma capela e um outro local onde os presos eram executados, até por meio de guilhotina.  

VALORIZAR A HISTÓRIA

Vinte e três anos depois do seu encerramento, depois de se ter transformado como o lugar de reclusão mais falado do mundo, excluindo Guantânamo, ao largo das ilhas cubanas, a Ilha de Robben está transformada num ponto de atracção turística sul-africano por excelência.

No quadro valorização da história da repressão que o governo sul-africano adoptou, entre outras medidas de preservação das espécies animais naquela zona insular, os visitantes são terminantemente proibidos de fumar.

Para o governo da África do Sul, a Ilha de Robben acaba sendo uma fonte de obtenção de receitas, cujas verbas servem para garantir a sua manutenção como local histórico.

Com cerca de 570 hectares de área, a Ilha de Robben situa-se ao largo da Cidade do Cabo, podendo-se lá chegar através de pequenos barcos, a um custo que ronda os 150 randes. 

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