Por ocasião do Dia Nacional da França, que hoje se assinala, conversamos com o embaixador Serge Segura, que nos traçou o estágio actual da cooperação entre Moçambique e o seu país. Desde
já há uma certeza: o governo francês vai apoiar o Orçamento do Estado de 2014 e iniciar o apoio à pesca artesanal. Nesta entrevista ficou também a sua visão sobre a actual crise política no Egipto e Madagáscar. Síria e Mali mereceram igualmente a sua observação.
Senhor embaixador, em que estágio está a cooperação entre Moçambique e a França?
É salutar. Estamos presentes num certo número de áreas em conformidade com as orientações do Governo de Moçambique. Observamos dois grandes tipos de cooperação. O primeiro corresponde a um método de cooperação tradicional que é por intermédio da Embaixada a um certo número de projectos em áreas tais como Educação e outras de carácter social. Paralelamente a isso, temos uma segunda vertente de cooperação através da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), que trabalha ou por via de projectos ou através de sistemas de empréstimos. As áreas de acção da AFD são a Saúde e o Meio Ambiente. Em 2014, contamos poder orientar-nos para a pesca artesanal. Já estamos a trabalhar e bastante na área da energia eléctrica, particularmente no que diz respeito ao transporte de energia. Estamos também presentes na área aeroportuária e no abastecimento de água, no município de Maputo.
Porquê pesca artesanal?
Porque a agricultura é uma das prioridades definidas pelo Governo de Moçambique e a pesca é parte integrante. Depois, pareceu-nos importante desenvolver este sector, onde está também o Banco Mundial, porque nesta actividade está envolvida uma grande quantidade de mão-de-obra, além de que permite a captação de renda por muitas famílias.
No que respeita ao Orçamento do Estado, o apoio é para continuar?
Já há alguns anos praticamos a cooperação na área do apoio orçamental. É um apoio directo. Estamos a fazê-lo este ano. Continuaremos em 2014. Para os anos subsequentes, ainda nada está decidido. Mas vamos reflectir a partir de 2014.
Como é que o governo francês olha para Moçambique, um país que este ano assinala 21 anos de paz, depois do conflito dos 16 anos, apesar dos últimos incidentes de Múxunguè e Savane?
O olhar do governo francês relativamente a Moçambique é pleno de esperança. Moçambique é um país em vias de desenvolvimento, e, graças aos recursos naturais descobertos recentemente, tem meios para se desenvolver. Agora é necessário que se tomem as melhores decisões para a materialização desse objectivo, por um lado. Por outro, a França é muito sensível ao facto de Moçambique ser praticamente o único exemplo em África em que houve um acordo de paz já há vinte anos e o mesmo não foi rescindido por nenhuma das partes.
Cremos que isso continue. Os recentes acontecimentos que se traduziram em alguns incidentes que, nalguns casos resultaram em vítimas civis, são preocupantes. A França mantém, evidentemente, diálogo com as autoridades moçambicanas, mas também com a Renamo, à semelhança do que fazem muitas outras representações diplomáticas presentes em Moçambique. Isso permite-nos ter um diálogo directo com o Governo, discutirmos sobre os objectivos do Governo e permite-nos pela mesma via dar à Renamo a nossa apreciação das coisas. Um ponto positivo, que temos constatado, são as declarações frequentes no sentido de rejeição total da guerra em Moçambique. Há vontade de dialogar até que se encontre a solução dos problemas entre as partes.
Recentemente esteve em Maputo uma missão empresarial francesa. Com que espírito deixou Moçambique, atendendo que o país vive um momento ímpar no que toca à descoberta de recursos naturais. Refiro-me ao carvão, gás e, possivelmente, petróleo?
Houve duas missões empresariais francesas nestes últimos meses. Elas foram bem recebidas pelas autoridades moçambicanas e também pelos parceiros económicos moçambicanos, em particular pela Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA). Os empresários deixaram Moçambique com vontade de cá voltarem, mas também com contactos. Agora cabe a estas empresas potenciarem estes contactos de maneira a poderem desenvolver actividades no país, inclusive com os parceiros moçambicanos, se for o caso. O interesse por Moçambique por parte do nosso empresariado é um facto. Temos cerca de 25 empresas instaladas aqui. A última missão empresarial estava presente no momento dos últimos incidentes no centro do país, e, se calhar, podem ter partido um pouco apreensivos. Mas cremos que tudo isso vai ser ultrapassado.
Madagáscar
Sobre a crise malgaxe há quem diga que existe uma forte e perniciosa interferência da França e que tem resultado no actual impasse e, sobretudo, no não acatamento das recomendações e decisões da SADC, bloco regional do qual Madagáscar é membro de pleno direito.
A crise malgaxe interessa bastante à França por diversas razões. Primeiro, pela simpatia por este país e pelos seus povos. Madagáscar foi durante muitos anos território administrado pela França e é dramático assistir o que lá se passa. Segundo, há vinte e cinco mil franceses em Madagáscar. Muitos têm dupla nacionalidade. Aliado a isso, temos a Ilha Reunião que não está distante da Grande Ilha.
Os posicionamentos da França em relação a Madagáscar são os mesmos da União Europeia e, se não me engano, são exactamente os mesmos que foram exprimidos pela SADC. Há, incontestavelmente, uma vontade comum de se chegar a um resultado positivo. A França inscreve-se completamente nessa via. Não compreendo exactamente de que é que se faz alusão quando se fala de interferência.
No seio da SADC fala-se na existência de duas correntes de opinião. Uma defende que Madagáscar não dá muito ouvido às recomendações da SADC porque tem como “papá”, a França.
A França diz exactamente o que a SADC diz. Neste caso o pai, a mãe e o tio dizem a mesma coisa. O que Madagáscar devia fazer é escutar e obedecer o que dizem os adultos. Se as três pessoas que a SADC entende que não devem concorrer às próximas eleições presidenciais (Andres Rajoelina, Lalao Ravalomanana e Didier Ratsiraka), o fizerem, a França não reconhecerá o resultado desse escrutínio tal como afirma a SADC.
Egipto, Síria e Mali
Como vê as convulsões políticas pelo mundo, caso do Egipto, Síria e do Mali?
As convulsões políticas nunca são boas para o mundo. Mas os três casos são extremamente diferentes. No Egipto, assistimos a um fenómeno político extremamente complexo em plena evolução e ninguém pode prever o que será o amanhã. Ainda assim o Egipto continua a ser o país mais importante da África do Norte, a nível da população. Tudo o que acontece no Egipto tem consequências para o Médio Oriente e África do Norte.
No caso da Síria, trata-se de um drama absurdo. Falamos em qualquer coisa como cem mil vítimas civis. A França tomou um partido, o da liberdade. É evidente que não podemos apoiar um homem de Estado que manda atirar sobre os seus próprios concidadãos.
No caso do Mali, a coisa é bem diferente. Trata-se de um Estado cuja existência foi até ameaçada por grupos terroristas. A França, após a autorização do Conselho das Nações Unidas e a pedido das autoridades malianas, interveio no território maliano. O resultado da intervenção francesa é um sucesso dado que o Estado maliano ainda existe hoje. Foi igualmente um sucesso pelo facto de as forças africanas na zona terem participado e, em seguida, num espectro mais largo, ou seja, houve a participação da força africana para a monitoria dos momentos seguintes. Conseguimos também obter da União Europeia meios financeiros e materiais para a formação do exército maliano. Hoje, o desafio que se apresenta é político na perspectiva das eleições a realizarem-se no dia 28 de Julho e esperamos que se desenrolem em boas condições. De notar também que há os acordos entre o governo de Bamako e as tribos tuaregues. Esses acordos representam uma garantia de tranquilidade para preparação das eleições.
Alargamento da União Europeia
Numa fase económica crítica para a UE foi admitido mais um membro, a Croácia. Acha que é altura de aumentar o número de membros?
A França foi favorável à adesão da Croácia na União Europeia. O processo é sempre lento e muito complexo por uma razão simples: quando um Estado adere à UE tem que ter já integrado toda a legislação da União. A legislação económica, evidentemente. Mas é uma legislação igualmente ligada à governação e aos direitos humanos. Depois é preciso ver a construção europeia também como uma construção política e não apenas económica. É preciso recordar que a menos de vinte anos, alguns Estados europeus, como a França, bombardeavam algumas cidades, como nos Balcãs. A região dos Balcãs estava em guerra e é quase que um milagre político que a Eslovénia tenha podido aderir à UE em 2004 e que hoje a Croácia possa também aderir. Os próximos candidatos, como a Sérvia, têm todas as chances se eles se predispuserem a dar alguns passos políticos como é exigido pela União.
André Matola