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“Estou na arte pelas mulheres”

Por admin

Encontrou na pintura uma forma de partilhar os seus sentimentos e pensamentos. E é dela que vive. Ingressou no mundo artístico sob influência do seu irmão mais velho na década 90. Falamos

 do jovem Francisco Vilanculos, 33 anos, nascido no bairro da Malhangalene, em Maputo, cujo sonho é se tornar conhecido cá e lá fora, tal como Samate, Chissano, Malangatana, Noel Langa e Naguib. Enquanto esse dia não chega, Francisco não larga o pincel que é sua fonte de vida.

 

Francisco, ou simplesmente Vilanculos, como é popularmente conhecido, iniciou a sua estória no mundo das artes quando o seu irmão mais velho, Abílio, desenhador, a quem admirava, viajou para Cuba, levando consigo todos os trabalhos que fazia.

Sem o irmão e sem os desenhos daquele, Vilanculos decidiu experimentar fazer os seus “rabiscos”, o que em parte servia para reviver a presença do seu mais velho. “Com os desenhos, tentava vencer a dor da separação. A partida de mano Abílio abalou-me muito, pois ele fazia desenhos muito bonitos e eu era fã incondicional dele. Deixou-me numa enorme solidão. Assim tinha de buscar uma alternativa. Foi daí onde comecei a fazer os meus trabalhos, passando deste modo a ser auto-didacta,” afirma.

Passado algum tempo, concretamente em 1994, concorreu a um concurso infantil organizado pela Televisão Experimental de Moçambique (TVE), actual Televisão de Moçambique (TVM) que premiava crianças que melhor desenhavam figuras do mundo infantil.

Vilanculos descreve aquele momento com um certo brilho nos olhos. Fui vencedor. Fiquei muito entusiasmado e decidi que tinha que passar a desenhar mais e mais. Naquela época só desenhava bonecos como o Pato Donald, Tio Patinhas, Mickey, Pluto, entre outros,” referiu.

Nascido numa família de cinco irmãos, Vilanculos afirma que em 1997 decidiu assumir a pintura como sua profissão, tanto mais que já tinha conquistado alguma notoriedade na sua área de residência onde muitos acenavam positivamente às obras.

No ano 2000 participou, pela primeira vez, numa exposição colectiva designada “Marx Design” a partir da qual vincou a sua decisão de singrar como artista plástico. Dado o sucesso que terá registado naquele evento, o seu correio pessoal ficou “entupido” de convites para mais exposições, sobretudo colectivas.

Em 2002 fez parte da Bienal colectiva promovida pela empresa Telecomunicações de Moçambique (TDM) e em 2009, realizou a sua primeira exposição individual na cidade de Inhambane, num espaço conhecido por “casa de comer”. Dali seguiram-se muitas mais até aos dias de hoje.

Vilanculos revelou-nos que para fazer os seus trabalhos busca inspiração espiritual no Deus dos Rastafari, o “Jah”, que o conduz ao quotidiano, nomeadamente na mulher – sua beleza e dilemas, pois considera que “a mulher é tudo, é o centro da vida, por isso não deve ser maltratada seja ela criança, jovem ou idosa.”

 

Arte é minha vida

A conversa com Vilanculos decorreu numa das galerias do Núcleo de Artes de Maputo. Estávamos cercados de telas acabadas de pintar e de outras que só tinham sido começadas por outros artistas novos e velhos, conhecidos e desconhecidos.

Ali, Francisco falava pausado, por vezes com o olhar atirado para aqueles quadros, como quem os analisa de instante em instante. “A arte me alimenta a alma. Mesmo que a obra não seja minha, só de vê-la, sinto-me completo.”

Depois de um breve silêncio, Vilanculos retoma. “Não tenho palavras certas para dizer o que é arte. Acho que é transformar coisas simples em algo muito importante que suscite interesse. É levar algo que no olhar de muitos nada vale e transformar em coisa muito valiosa,” afirma.

Como acontece com muitos adolescentes e jovens que se iniciam na cultura, sobretudo na música e nas artes plásticas, a família não viu com bons olhos a ideia de Francisco mergulhar neste mundo tido por muitos como de gente “marginal”. “Mas eu estava decidido nos meus objectivos. Hoje vivo de arte e respiro arte. Este mundo me fascina e por isso lutei e consegui realizar meu sonho. Só me falta o reconhecimento a nível nacional e internacional. Mas sinto-me realizado.”

 

Necessidades nas artes

O  mundo das artes também tem os seus períodos de “vacas magras”. Por vezes não há tintas, pincéis, telas, entre outros no mercado nacional. Se os há, estão a venda a preços de “tirar os olhos da cara”. “Dependemos muito da África do Sul para ter os materiais e isso encarece o custo final da obra.”

A par dos materiais que aparecem no mercado com bastante sazonalidade, Vilanculos afirma que faltam galerias para a exposição e venda das obras, o que leva muitos artistas a recorrerem aos “passeios” para se exibirem e procurar potenciais clientes.  

“As galerias são necessárias porque nos podem ajudar a exibir as obras em segurança e sem a violência das intempéries que encontramos nas ruas. Por outro lado, estes recintos ajudam a valorizar o produto, sobretudo quando se está perante compradores estrangeiros,” disse.

 

Colectiva “Obrigado Mestres”

Francisco Vilanculos e o seu colega e amigo Samuel Djive, estão a preparar a exposição intitulada “Obrigado Mestres”, que terá como palco a Mediateca do BCI, localizada na baixa da cidade de Maputo.

A mostra comportará 30 obras, onde cada artista estará a expor 15 telas.

 “Obrigado Mestres” é, segundo o artista, uma maneira de agradecer a todos os que serviram de fontes de inspiração durante o percurso o seu percurso. Trata-se de figuras como Malangatana, Naguib, Gemuce entre outros. “Essas são as pessoas que nos influenciaram e tem uma grande importância no nosso trabalho,” sublinhou.

Os artistas estão a trabalhar nesta exposição há seis semanas, sendo esta a segunda edição do projecto que foi exibido antes no Centro de Estudos Brasileiros. Francisco afirma que está a trabalhar com Djive há um ano e meio, já se conheciam, mas que nunca tinham tido tempo de ficar e trabalhar juntos no mesmo ateliê.

Salientar que o artista está também a preparar uma exposição particular a realizar-se numa data ainda a se anunciar. Com o tema “Cultura e Tradição”, o título representa a mulher desde a criança até à velhice nas suas vivências e nas diferentes actividades que elas desenvolvem.

 

Maria de Lurdes Cossa

mariadelurdesscossa@gmail.com

Fotos de Inácio Pereira

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