O Governo moçambicano, por via da Conta dos Desafios do Milénio, ou melhor, do Millenium Challenge Account (MCA), está a finalizar a aplicação de cerca de 27 milhões de dólares no Projecto
de Reabilitação do Sistema de Drenagem Pluvial da cidade de Quelimane, capital da Zambézia. Pelos vistos, só falta uma boa chuvada para se apurar se as valas, valetas, sarjetas e esgotos funcionam em pleno. Em vésperas do “corte da fita”, os munícipes se divertem com disputa política pela titularidade da empreitada.
A cidade de Quelimane tem estórias para contar em tudo o que é esquina. A origem do nome, Quelimane, por si só, oferece curiosas linhas pois, reza a história que exploradores ingleses, por um lado, e portugueses, por outro, terão contribuído, cada um na sua língua, para que esta urbe tivesse esta denominação.
Conta-se que num dado momento do século passado, aventureiros ingleses aportaram aquela região e enfrentaram uma vaga de mosquitos “carregados” de malária. Muitos terão morrido e os sobreviventes passaram a chamar a região de “killing man” (mata homens), o que para os nativos soava a “queli man”.
Outros narradores afirmam que Quelimane é fruto de um episódio distinto cujos protagonistas são descobridores portugueses que, chegando à região, perguntaram a um grupo de camponeses o que estavam a fazer e, porque ninguém percebia uma “vírgula” da língua portuguesa, o chefe do grupo de agricultores mandou a equipa continuar a cultivar. “Kalimani”, ou seja, cultivem!
A partir de cada uma destas situações, killing man, queli man e kalimani, surgiu o nome Quelimane que foi atribuído a uma vila que começou a ganhar forma numa das margens do rio dos Bons Sinais, a cerca de seis metros abaixo do nível médio das águas do mar. Mesmo assim, por volta de 1942, esta vila foi elevada à categoria de cidade.
Entretanto, o que muitos residentes desta urbe não imaginam é que os colonos portugueses construíram todos os prédios da cidade por cima do sistema de drenagem. Na época, o escoamento das águas era garantido pela limpeza urbana, ou seja, como não era prática produzir e deitar lixo nas ruas, o sistema não teria problemas de entupimento e funcionava numa boa.
Entretanto, e com o tempo, Quelimane rebentou pelas costuras, em termos de crescimento populacional, o que redundou na rápida degradação das infra-estruturas urbanas, a urbanização dos bairros foi substituída por aglomerados habitacionais sem condições mínimas de higiene, acesso à água potável, surgimento de lixeiras instantâneas, entre outros males.
Aliás, e conforme descreve Fernando Nhampossa, representante do Governo moçambicano, via Millenium Challenge Account (MCA), no projecto, o sistema de drenagem da cidade de Quelimane seguia o seu trajecto por baixo dos edifícios e não possuía caixas de visita que permitissem que os técnicos identificassem os pontos de entupimento para desobstruírem-nos.
Perante este quadro, os residentes desta cidade queriam tudo menos chuva pois, esta encharcava residências e estradas, logo a seguir surgiam doenças diarreicas, cólera, malária, entre outros constrangimentos sociais e económicos.
“Foi no quadro desta percepção que o Governo moçambicano estabeleceu um acordo de cooperação financeira com o Governo dos Estados Unidos da América (EUA), através da iniciativa denominada Millenium Challenge Corporation (MCC), no valor de 27 milhões de dólares para a reabilitação do sistema de drenagem pluvial de Quelimane”, disse Nhampossa.
Inglês atrapalha obra
Segundo a nossa fonte, esta obra deverá terminar em Agosto deste ano, cerca de cinco meses depois do tempo previsto. Duas desculpas são usadas para justificar o atraso, nomeadamente pelo facto do projecto estar todo ele escrito em inglês e ter sido usado um equipamento com deficiências de precisão para determinar a área onde as obras deviam decorrer.
Conforme apurámos, as equipa de trabalho não podiam avançar com a obra sem decifrar o que dizia cada palavra e frase constante no projecto, sobretudo na componente ligada à segurança e higiene no trabalho, cujo grau de exigência imposto pelo financiador era tido como bastante elevado.
A seguir veio a utilização de um equipamento que deveria determinar a área onde a obra devia decorrer, incluindo o espaço para a circulação das máquinas. Aliás, terá sido por causa dessa imprecisão que no começo estava previsto o reassentamento de 423 famílias mas, no decurso das actividades, este número subiu para 1100 famílias.
Como resultado imediato disso, a conta orçamentada inicialmente para o reassentamento passou de um milhão de dólares para cerca de dois milhões de dólares, dado que algumas famílias solicitaram a sua compensação em dinheiro “vivo” e outras impuseram que o Governo lhes erguesse casas novas de tipo 3 e 4.
“A disputa”
A obra já se encontra na sua fase final e o Governo começa a celebrar os impactos que a mesma está a ter junto dos cerca de 200 mil habitantes da urbe. “Já não há inundações na cidade, o nível freático baixou e pensamos que teremos poucos pontos com águas estagnadas na próxima época chuvosa”, dizem as autoridades locais.
O que de facto está a faltar em Quelimane é um teste às obras, teste esse que só pode ser feito pela própria chuva para que todos saibam até que ponto terá valido a pena aquele investimento, porém, Fernando Nhampossa assume que o efeito das inundações será reduzido e que o tempo de escoamento das águas pluviais vai reduzir bastante.
Dada a localização da cidade, Nhampossa afirma que o projecto previu a montagem de 10 comportas de maré que vão impedir a entrada a água do mar no sistema e também garantir que as valas, sarjetas e toda a canalização afim tenha uma capacidade de encaixe capaz de aguentar até que a maré baixe.
Porque aquela obra refrescou e tem um forte impacto na qualidade de vida em Quelimane, e porque esta está a ser gerida por um partido diferente do que angariou o financiamento para tamanha empreitada, os residentes desta urbe assistem rotineiramente a um “jogo de empurra” em que o edil local, Manuel Araújo, comparece nos locais onde ainda decorrem alguns trabalhos, o que leva alguns munícipes a apontarem a obra como sendo do actual governo municipal.
Por seu turno, o governo da província, entre outras autoridades de nível central fazem questão de sublinhar e vincar que aquele empreendimento é propriedade do Governo moçambicano e que o Conselho Municipal local é apenas hospedeiro da obra.
Jorge Rungo
Fotos de Jerónimo Muianga