Os médicos mantêm a sua greve por tempo indeterminado e endurecem a sua revolta em torno dos salários que auferem. O Governo reitera que só paga salário no âmbito do limite da despesa
autorizada pela Assembleia da República (AR). Os doentes sofrem nos hospitais e o povo apela ao diálogo. Nas linhas que se seguem domingotraça a trajectória do Orçamento do Estado, esboça seus limites e esclarece o que está a ser feito para que todos os funcionários públicos beneficiem de um salário mais ou menos justo.
Durante anos, Moçambique foi aprovando tabelas salariais especiais. A magistratura, por exemplo, tem uma tabela salarial específica, incorporando um salário-base diferenciado, para além de remunerações acessórias, calculadas numa percentagem sobre o salário-base.
Trata-se de decisões que o Governo tomou em relação a outras áreas, destacando-se a administração tributária e alguns sectores de actividade na Função Pública, no intuito de responder às dinâmicas dos sectores tendo em conta o desenvolvimento da carreira no mercado.
O Governo admite que estes subsídios estão a contribuir para exacerbar distorções salariais no sistema de carreiras e aprovou recentemente uma política salarial que visa uniformização das tabelas na Função Pública moçambicana.
Amílcar Tivane, Director Nacional do Orçamento, revelou ao domingoque a medida visa garantir que “para uma determinada carreira haja um leque salarial e que o funcionário, independentemente do sector em que se encontra, aufira de salário compatível e igual”.
De acordo com o nosso entrevistado, a nova política salarial recomenda que, gradualmente, a disparidade salarial na Função Pública seja eliminada mediante desarmamento gradual do subsídio especial e posterior incorporação no salário-base.
“Estamos a dizer que o que se vai fazer ao longo do tempo não é prejudicar estes funcionários. O que vai suceder é que se a taxa de aumento salarial for de 6 por cento, estes funcionários podem ter um aumento no salário-base de 6 por cento e um desarmamento no subsídio de 2 por cento que resulta num aumento líquido de 4 por cento. Enquanto outros funcionários que não tem estes subsídios especiais mantém 7 por cento por inteiro”,explica Amílcar Tivane.
Por outras palavras: funcionários que não beneficiavam de subsídios especiais observam o seu salário a crescer mais depressa até encontrar aqueles que beneficiavam destes. “Vamos reduzir o desequilíbrio. Não estamos a dizer que os que tem subsídios especiais param de crescer. Só estamos a configurar as velocidades. Uns crescem a velocidade mais acelerada para podermos reduzir as disparidades”, explica o Director Nacional de Orçamento.
CONGELAMENTO DE SALÁRIOS NA FUNÇÃO PÚBLICA
A concertação social aprovou reajustamento de 7 por cento sobre o salário-base de funcionários públicos e o Governo promoveu o desarmamento no subsídio especial a funcionários que dele beneficiam na ordem de 7 por cento, o que em termos líquidos, significa congelamento salarial.
O Director Nacional de Orçamento admite que este é um ano atípico. “É uma decisão que o Governo tomou, mas não é uma decisão que será a regra”, garantiu.
Ressalvou que a política salarial actual baseia-se no cenário possível no quadro macroeconómico actual, tendo em vista assegurar a sua sustentabilidade, tendo-se tomado por premissa os recursos financeiros possíveis de mobilizar internamente.
No quadro do Programa Quinquenal do Governo, bem como dos objectivos plasmados no âmbito da Reforma do Sector Público, o Executivo moçambicano propõe-se a desenvolver uma política salarial de médio prazo que seja sustentável e comportável no quadro das limitações orçamentais.
A elaboração da política salarial baseou-se em estudos especializados, designadamente, a avaliação do impacto orçamental da harmonização (75 por cento sob o salário base); a análise detalhada do Sistema de Carreiras e Remuneração; a avaliação detalhada da estrutura de emprego e das projecções de crescimento; a avaliação detalhada da suplementação salarial feita pelo Estado e pelos doadores; o estudo sobre institutos públicos; o estudo comparativo entre a remuneração do sector público e a do sector privado.
O Executivo propõe-se igualmente a harmonizar a política salarial com o sistema de pensões, de forma a assegurar a vigência de um sistema de pensões que seja capaz de promover a retenção de quadros e de promover um nível de vida adequado ao cidadão.
O Governo optou pela redução da percentagem dos subsídios especiais na proporção igual ao reajustamento do salário-base (incrementado em 7 por cento) de modo a manter o nível da remuneração mensal inalterado e garantir a supressão gradual dos subsídios especiais ao longo do tempo, para todas as carreiras gerais e específicas que beneficiam deste no aparelho do Estado.
Instituições como Fundos e Institutos, que beneficiam de tabelas salariais especiais e de subsídios específicos, não beneficiarão do reajustamento salarial, o mesmo sucedendo com sectores que beneficiam de tabelas salariais especiais, não integradas no Sistema de Carreiras e Remuneração.
Mantém-se inalterável a percentagem correspondente ao subsídio de localização e os demais subsídios em vigor os quais incidem sobre o vencimento-base reajustado.
SAÚDE: CASO À PARTE
O Governo ressalva que o sector de Saúde atribui um subsídio que se intitula topping-up a todos os médicos especialistas moçambicanos que trabalham fora da capital do país por forma de incentivá-los a trabalharem nas províncias e a contribuírem desta forma para o aumento do acesso aos cuidados de saúde.
Este topping-up corresponde a dois mil dólares americanos e é pago a título precário e depende dos parceiros de cooperação. Refira-se que ainda no sector de Saúde, foi institucionalizado um subsídio de almoço designado por “1.8” e é pago a todos os trabalhadores, incluindo outro pessoal de regime geral e administrativo.
Como é aumentado o salário?
Um dos indicadores-chave para estimar-se em quanto será necessário reajustado o salário é a taxa de inflação média anual e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
O reajustamento salarial para 2013 considera a inflação média de 2012. Para que o salário se mantenha constante, o Governo e parceiros sociais devem repor a erosão do poder de compra. Ou seja: se a inflação é de dois por cento, então o salário tem que crescer em dois por cento.
Existe um outro indicador muito importante que é o crescimento económico. Para reajustar salário de um trabalhador, é colocada uma pergunta óbvia: ele foi suficientemente produtivo para justificar um aumento salarial?
Portanto , Governo e parceiros abordam a produtividade da força de trabalho. E no âmbito da concertação social foi acordado tomar o crescimento económico do exercício anterior como uma medida aproximada para quantificar os ganhos de produtividade.
Tal crescimento económico é ponderado em 50 por cento como medida de concertação. Ou seja: quando a economia cresce 7 por cento, os ganhos de produtividade para o sector público terão de ser 3.5 por cento.
Outro elemento que é incorporado na fórmula de negociação é a margem de negociação, uma variável que é controlada pelos sindicatos.
Portanto é a interacção entre os ganhos de produtividade e a taxa de inflação que determina a taxa de reajustamento salarial. Para o exercício de 2013, por exemplo, a taxa de reajustamento salarial de salário mínimo foi inicialmente estimadas em 5.7 por cento, tendo em conta o desempenho económico que a economia experimentou em 2012.
A economia, de acordo com as previsões, apontava que o Produto Intermno Bruto (PIB ) cresceu em termos reais em cerca de 8 por cento e taxa de inflação média anual situou-se em 2.1 por cento. Foram estes os números incorporados na fórmula que resultaria numa taxa de reajustamento do salário mínimo de 5.7 por cento.
Portanto, houve um trabalho no âmbito da concertação social, tendo em conta que há toda uma necessidade de se construírem consensos no intuito de melhorar as condições de vida do trabalhador, que determinou uma taxa de reajustamento do salário mínimo de 7 por cento, bem superior a taxa ponderada inicialmente.
Em adição a isto, o Governo, através do Ministério das Finanças, realizou um trabalho intitulado Cenários de Evolução Salarial na Função Pública, cujo objectivo foi avaliar se Moçambique está a ter uma trajectória sustentável em matéria salarial.
Constatou-se que Moçambique não estava em condições de continuar a manter estes aumentos substancialmente altos a médio prazo. Porque a massa salarial estava a expandir de forma acelerada.
Com efeito, as despesas com pessoal passaram de 9 por cento do PIB em 2010 para 9.4 por cento em 2011, 9.5 por cento em 2012 e de acordo com os indicadores estão presentemente a volta de 10.1 por cento do PIB.
Por outras palavras: a massa salarial está acima de parâmetros que seriam considerados óptimos para uma economia com a estrutura como Moçambique. Países com características similares às nossas têm um peso relativo de despesas com pessoal no PIB em torno de 8.5 por cento.
Trata-se de uma trajectória obviamente insustentável e o estudo do Governo permitiu equacionar a necessidade de continuação de aumentos diferenciados visando correcção das distorções no sistema de carreiras.
É aqui onde entra o debate actual em torno dos salários dos médicos e outros profissionais. O que se decidiu para 2013 foi fazer reajuste salarial substancialmente mais alto para a classe médica, 15 por cento, no salário-base.
A decisão da melhoria da condição salarial dos médicos não foi feita porque houve uma greve. A decisão de ajuste dos 15 por cento é uma medida no quadro da implementação da política salarial e portanto a necessidade de garantir a correcção das distorções no sistema de carreiras e remunerações.
Em termos orçamentais, na medida do possível, isto significa que o Governo realizará aumentos graduais num horizonte temporal de três anos para que os médicos tenham uma carreira equiparável à da magistratura.